sábado, 31 de maio de 2008

verdade/salada/mundo


-Quando a merda tiver valor, o pobre nascerá sem rabo.

-''Mal visto, mal falado''.
-Sabe, a beleza...é o início do terror que podemos suportar.

Conte d'hiver, de 1992, o segundo dos filmes de Eric Rohmer dedicados ás estações do ano (printemps, été e automne são obviamente os restantes) é aquele que mais ódios e amores me desperta. Ou seja: faz-me confusão a forma um tanto indelicada e exagerada como o Francês urde a teia entre a rapariga sem muita cultura, que aprende com a vida e fala com o coração, e a intelectualidade literal dos que a rodeiam, a amam ou ignoram. Aquela questão do tempo, quase uma elipse de contos de fadas, em que Félicie perde Charles têm algo de Capriano que não esperávamos e…comove.

Mas o que gosto bastante é a maneira quase em ebulição, um fervilhando sagaz e complexo, do modo como Rohmer mostra os eventos e causas das viagens, das derivações da protagonista.
É a glória à função ontológica da maquineta de filmar, e da função ordenadora e rítmica/gravítica da montagem…enfim do primitivismo do cinema.
Coisa que de tão simples que parece faz limpar muitas coisas. Da maneira como Resnais faz parecer Honoré uma criança fascinada, também Rohmer dá umas lições a Assayas e faz evidente a sua fonte.
De facto, e por muito que goste do cinema de Olivier, a serena velocidade (que supera a sensação) imprimida por Rohmer nas tais deslocações, são outra louça, e só demonstra que de facto o ritmo está na concentração, e não na pirotecnia.
E aquele momento em que Charles lê para a sua amada é um momento que o pequeno Honoré haveria de ver e rever.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Stallone na Cinemateca








...

O Reis e o Campos são uma obrigação, mês após mês, mas o Stallone de Rocky (primeiro e último), bem como o de Fúria do Herói, haveriam de estar no patamar dos clássicos indispensáveis da cinemateca.

Thief é simplesmente um Obra-prima, Collateral o maior dos ensaios para a maior das obras.
Ambos tão centrados no humano e nas suas crenças, nos seus códigos. Tão orientais.
Michael Mann é o cineasta da realidade total, em bruto, descarnada, no cinema americano.
Em Thief o dialogo na prisão e a decisão final. Em Collateral, os diálogos existencialistas no táxi e a perseguição final.
Para lá dos impulsos viscerais, dos socos de Ferrara, Mann é o outro grande neo-realista Americano.

aquele Plano...

“Talvez não seja por acaso que neste filme Ford dedique aos dois actores together um dos mais longos planos fixos da sua obra (e Deus sabe como Ford gostava da imobilidade da câmara). Refiro-me à conversa de Stewart e Widmark, à beira rio. Desde que descem do cavalo, até à entrada de Andy Devine, sem um corte, a câmara não se desvia um segundo deles, nem eles dela, colocados no centro da idílica paisagem que os rodeia. E é nesse momento que se exprime o primeiro traço de união entre o xerife “horizontal” (aquelas pernas, imensamente abertas) e o tenente vertical (a contenção e o underplaying de Widmark) : a misoginia. Como é nesse plano que vemos o tema dos 100% a fazer raccord com o final (ou melhor dito, em termos éticos e estéticos), falso raccord pois insinua a circularidade de tantas outras obras de Ford, sem a perfazer, como acontece igualmente com o plano inicial de Stewart e o plano do xerife que, lá para o fim do filme, o substituirá (plano idêntico, posição idêntica). “

João Bénard da Costa

Como não tenho dúvidas que é neste fabuloso longo plano – reparem na data do filme, reparem – que, como disse um colega meu, Straub se apaixonou…é neste plano que vivem os planos de Costa (nas barracas ou fora delas), apaixonando-se também…um plano que em plena euforia da Nouvelle Vague já lhe indicaria um rumo. É preciso ver sempre este plano.
É esta a ordem de peso presente na banalíssima e tão fundamental conversa há beira-rio e entre dois charutos que a vida vive e que o cinema se salva. Questão de raccords.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

o mais quente e o mais frio - é a definição perfeita do filme num fabuloso plano.

Lisboa é cinema, o resto é paisagem




Continuo com esta opinião, mas…mais violenta ainda. Uma semana passada da estreia do filme de Chabrol, somente em Lisboa, o que é que eles fazem? Metem-no noutra sala em…Lisboa, orgulhosamente. O resto que se lixe, é paisagem.

Cinemateca no Porto, já!

Concordo absolutamente, e reitero, a ideia de existir um pólo da cinemateca na cidade do Porto. Mas é vergonhoso que esta excelente iniciativa – que peca por tardia, muito muito tardia – parta da iniciativa de uma faculdade de economia, e outras coisas adjacentes como os estudantes de televisão e computadores da Escola de Artes. Então onde estão os meninos de cinema da Escola Superior Artística do Porto? A brincar ás Nouvelle Vagues e aos faz de conta? Tenham vergonha e fechem o tasco!
Mon cas é o sublime encontro entre Renoir e Oliveira – a câmara a enfrentar, literalmente, o palco, e o palco a prestar-se para uma máquina. A fachada e a distinção entre o diversamente repetido/flutuante e o cristalizado (manipulação incluída) pela película, numa potente dialéctica que acaba dubiamente por se encruzilhar – o cerne do cinema de Oliveira como decorrente dos Petit théâtre´s do mestre francês.
(como é que se ensina disto na merda das escolas?)

quarta-feira, 28 de maio de 2008

justo


Revejo, somente pela segunda vez, Ta'm e guilass de Kiarostami. A primeira tinha sido há uns anos, mostrou-mo a pessoa que só me podia ter mostrado. Foi um choque tão grande, com uma realidade que eu julgava não ser mais possível em filme, que nunca mais o vi.
Era o neo-realismo de Rossellini e os tempos de Ozu, dizia eu enquanto estudante…já não me interessa.
Desta vez resolvi revê-lo sem legendas, em Farsi original, uma dessas loucuras que gosto de fazer com filmes orientais e italianos.
Garanto: ganha-se muito. Não só podemos apreciar a paisagem pela janela, estar mais atentos aos sons, cheios de vida, ás acções dos trabalhadores, a um mundo…como dá para ficar muito mais próximo da angústia conformista, dos silêncios suicidas (Yuki, justamente) do protagonista. Dá para sentir, de forma bem mais aguda e terminal, o rosto fechado, a respiração, o despegamento às coisas e a paz de quem já nada receia.
Lembro-me que no final da sessão, onde vi o filme pela primeira vez, uns idiotas não perceberam o final. Bom: é ético e é o mais justo do mundo: como adivinhar ou registar a decisão do humano em pôr fim à vida? como resolver tamanho empreendimento de animo leve e de uma penada? Como?
Kiarostami estilhaçou a ficção e agravou ainda mais o que está para trás. Pensem em Mizoguchi, em Rosselini ou Antonioni, em qualquer cineasta ético e tirem conclusões…

“O refinamento da coisa é absurdo... Não dá nem para acreditar que o cinema já foi assim (gênero de coisa que se pensa ao se assistir SENSO, INTENDENTE SANSHO etc.).”

…é por isto que eu digo que não acredito sequer que este tipo de filmes existiram…apesar de os ter visto.
Como é que o cinema foi aquilo e agora é isto?
Não quero ser retrógrada nem nostálgico, mas…porra, tenho que ser, o cinema é Yuki, é Ingrid a subir um vulcão, é Kramer com a sua câmara, é Monteiro a percorrer Alfama…Godard têm razão.

O Incomensurável


Manoel de Oliveira e Lima Duarte em "Palavra e Utopia"
"O Cinema é, de certo modo, um grito no deserto. Há quem ouça, há quem não ouça. Muitas vezes, na selva, nasce uma flor maravilosa... nasce, lá viveu o seu tempo e morre...e ninguém a viu. E é quanto basta. O ter resistido é quanto basta. Não precisa de mais nada"
Manoel de Oliveira, in O Homem Imaqginado, João Mário Grilo
O filme de Robert Kramer desenvolve-se num outro nível. Depois de ter trabalhado na Europa, nomeadamente em Portugal, onde esteve pessoalmente envolvido na Revolução dos Cravos, Kramer retorna ao seu país de origem com o seu amigo de longa data, Paul McIsaac. Decidem, para verificar o estado da nação, como os nossos presidentes da República gostam tanto de comentar, percorrer uma estrada Norte Americana, a tal Route One, que vai desde o norte do país, perto do Canadá até à Flórida, no sul do país. E nessa tal viagem decidem ir ao encontro de tudo o que encontram, desde a paisagem física até à humana.

O filme é imenso. Desde a sua duração (4 horas e meia) até ao seu conteúdo, este espalha-se por territórios raramente trilhados por algum autor cinematográfico. Nunca o Cinema se aproximou tanto do Homem, logo da Vida, logo da Verdade. Ou melhor, da busca da Verdade. Kramer filma o bom do Homem, o mau do Homem, mas de uma maneira tão sensível e terrena que juízos de valores são, desde o princípio, logo excluídos. Do filme ficam os sentimentos, as pessoas encontradas ao longo da viagem, os verdadeiros Estados Unidos vistos pela câmara de filmar (e, numa perspectiva de Vertov, a câmara de filmar como um verdadeiro olho humano) de um realizador, de um autor que nunca recusou a realidade tal como ela o é: complexa porque ninguém consegue perceber quão simples são as pessoas. Porque ninguém consegue perceber quão simples é esta busca impossível da Verdade. Porque ninguém consegue perceber o verdadeiro sentido do Cinema.

Rogério Feitor

Kramer, Kramer, Kramer

(...) Esse pai, o falso «Doc» (Paul McIsaac é antes um cirurgião da sociedade americana), volta a ser «convocado» como «alter ego» do realizador para percorrer, num périplo filmado, a Estrada nº 1 dos Estados Unidos, a mais importante do país nos anos 30, e que atravessa toda a costa leste, desde o Maine, na fronteira com o Canadá, até à Florida. A razão da busca parece ser evidente: qual a maneira de cruzar ainda a ficção, o documentário e a militância no final dos anos 80, depois do fim das utopias ter sido decretado? Kramer chamou Route One/USA ao seu filme e é esse imenso «rasgo na América», imenso também pela sua riqueza humana ao longo de 4 horas e meia de duração (...) Kramer gastou cinco meses na rodagem, um ano na montagem e utilizou uma equipa extremamente pequena: para além de Paul McIsaac, o próprio Kramer foi operador de câmara, Richard Copans alternou a produção com a direcção de fotografia e Oliver Schwob gravou o som. O que se descobre é surpreendente e invisível no cinema corrente: de «ghetto» em «ghetto», Kramer faz perder a noção de tempo (o tema do seu filme sempre existiu) enquanto revela, numa viagem em que cada encontro é um ponto de partida, a miséria que os Estados Unidos esconde, os seus «eternos exilados», dos hispânicos aos índios ou aos negros. O filme mostra as minorias e apresenta uma sociedade violenta, castigada pela política de consumo do país e permanentemente à margem, como o próprio trabalho de Kramer como cineasta. Trata-se de uma representação pessimista sobre um presente chamado «progresso» que, afinal, se tornou medíocre. A constatação é pesada mas é urgente conhecê-la.

Francisco Ferreira

terça-feira, 27 de maio de 2008

entre Kenji, Roberto e António

(...) o passeio da menina com a garrafa de vinho no ANA são as mesmas emoções que os passeios de Ingrid Bergman em "Stromboli"...os gritos de morte da mãe Ana confundem-se com os silêncios suicidas da Senhora Yuki de Mizoguchi.(...)

Pedro Costa

...

por vezes deparo-me com raccords que me fazem andar de lado. Vejo dois dos filmes que mais amo e...lembrava-me destas frases de Costa, tinham que estar em algum lado, tinham, e estavam...é assim.

Impossível, isto é impossível ter sido construído…


«Para mim, a ascensão de Ingrid Bergman ao alto do vulcão ou a descida da Senhora Yuki para a casa de chá à beira do lago, ficaram-me indissociadas e indissociáveis.»

João Bénard da Costa


.....

Eu sei que o Improvável não é Impossível, mas momentos destes são Impossíveis, sim, visionei-os mas não acredito…

Nas Nuvens…


Acabo de receber uma box, que, entre outras coisas têm lá dentro um DVD duplo de Le Soulier de Satin, ou “Os Sapatos de Cetim”, a MONUMENTAL obra de Manoel de Oliveira. Em Portugal não existe: obrigado Espanha!
Portanto seguem-se, brevemente, 415 minutos de retiro…

Miguel: continua a mesma merda ou pior...


Fizeste o Conservatório com gosto e entusiasmo?

Miguel Gomes: Não, não, fiz a escola com uma enorme frustração. Como é que se ensina alguém a fazer filmes? O que eu queria mesmo era fazer filmes. Não sei como é que as coisas estão agora, mas naquele tempo havia uma indeterminação entre o que deve ser um curso técnico - nas quatro áreas de formação: som, imagem, montagem e produção - e outra coisa, que tinha mais a ver com a realização. Essa outra coisa era a que me interessava. Tive o Paulo Rocha e o Seixas Santos (excelente a dar a cadeira de História do Cinema do primeiro ano) entre os professores e a ideia que guardo é que, ou por cansaço ou por descrença no futuro do cinema em Portugal, eles não acalentavam grandes perspectivas ou esperanças para os novos que ali estavam e que, justamente, se estavam ali era porque queriam fazer filmes neste país. Nessa medida, o curso foi frustrante para mim e para os meus colegas.

isto...é isto!

«foi uma das tentativas mais bem sucedidas de viver um filme, todo aquele desejo de viver um filme, sentir que não é uma coisa que se faz pontualmente mas que se vive.»

Robert Kramer sobre Route

(o "filme dos filmes", o filme da vida, o filme dos Homens e do Mundo)

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Route One USA



Acabo de assistir á versão de 255 minutos de Route One USA, O filme de Robert Kramer. Se bem que não é um filme (embora o vá tratar por filme…), nem é cinema, são imagens e sons, é a câmara a entrar na vida e a vida a entrar na câmara.
Não vou dizer que é o maior filme de todos os tempos (são tramadas estas coisas…), mas sim que é o filme que eu gostava de ter realizado: em toda a HISTÒRIA do cinema.
Mas sempre digo mais qualquer coisinha: o mais bonito e minimal filme do mundo, realizado no maior império do mundo; o mais avassalador objecto em que o centro são as margens, e quando não o são, o resto só serve para as reforçar.
E uma coisa que para mim, neste momento, é indiscutível: depois de John Ford, Robert Kramer, cronologicamente como o maior dos realizadores Americanos. Nem anos 70, nem Malick, nem Tarantinos, nadinha!
…aqui já não interessa por aí além, ou nada, a verdade já estava reposta, o crepúsculo atingido...mas, porque nos grandes autores há sempre "um", esta prodigiosa cena da luta final em Rocky Balboa é, juntamente com o último filme do Romero, o uso mais irónico e significante do digital, da altíssima definição, a sua critica e problemática. Como? Porquê? Para quê? Etc…
Sublime momento em reverso do resto do filme.

domingo, 25 de maio de 2008

quando vejo uma imagem, penso logo em outra imagem, simples como 1+1, (nunca foi outra coisa...) e complicam tanto...

Doce

Se o cinema português fosse uma pessoa e o apanhasses sozinho uma noite num bar a beber uns copos e lhe pudesses dar um conselho, apenas um, qual seria?

"Não tenhas medo e não ligues ao que dizem sobre ti, a maior parte não tem noção. És belo, por isso acredita nas coisas bonitas e grandes de que és capaz."

Ana Moreira

*é a mais bela, com a inocência na cara...mas é infinitamente mais lúcida, perspicaz, sábia e doce, do que a star Joaquim de Almeida.

inteligente, directo

I just don’t trust any composer to really do it. Who the fuck is this guy coming in here, putting his shit over my movie? What if I don’t like it? And if I was in a situation like that, chances are, I WOULDN’T like it. Fuck that!

Quentin Tarantino

*bastante inteligente, e Quentin sendo Americano, diz precisamente o contrário da simplicidade e ignorância de Almeida. It´s all about movies.

azedo

«O Governo português tira subsídios aos mais novos para os dar ao Manoel de Oliveira,como aconteceu como AntónioPedro Vasconcelos. Deram-he um subsídio para depois lho retirarem. Se compararmos as audiências do CallGirl com as dos filmes do Manoel de Oliveira a diferença é enorme. Há poucas pessoas a ver os filmes dele. Não se pode dar eternamente subsídios ao mesmo realizador»

No entanto, defende que Manoel de Oliveira «deve fazer filmes até aos 120 anos, mas com o dinheiro que ganha em França e dos muitos prémios que recebe». Em jeito de confissão, o actor diz que é «amigo de Manoel de Oliveira há muito anos», mas não gosta das suas últimas obras. «Não vejo um filme inteiro dele há algum tempo. Ele faz as coisas como vê. Deve ser da idade.»

Joaquim de Almeida

*além de azedo é um pouco burro, não estamos na América nem somos Americanos. Grazias.

sábado, 24 de maio de 2008

Classe

Classe tous risques, Claude Sautet, 1960. Sereno monumento sublime, a data é decisiva. Um ano depois do cúmulo do cinematógrafo segundo Robert Bresson, no mesmo ano de À bout de souffle – o que equivale a pensar em toda a nouvelle vague – sete anos antes de Le Samouraï de Jean-Pierre Melville, finais do período dourado do classicíssimo de Hollywood, dos grandes noirs, etc…

É uma baliza importante, pois dentro do filme está tudo isto e muito do que viria. É o minimalismo apaixonante e distanciado de Bresson, a doçura de Belmondo ou a implacabilidade de Lino Ventura (qual Bogart), é a depuração máxima e ao mesmo tempo virgem de todas as peças atmosféricas dos noirs – para o lado da sofisticação Hawksiana e da singeleza de Lewis.

É grave, é implacável, é nostálgico e seco. É tudo o que Truffaut falhou em Vivement dimanche! – um cinzelado sobre o blanc et noir que destrói qualquer ideia de género.
Depois, aquela dialéctica entre os dois personagens principais, bem como os percursos contrários e aproximativos, são de uma crueza terrífica – o trabalho sobre os destinos. Melville iria dizer que Sautet era melhor que ele. Não posso comentar coisas destas.

as nossas distribuidoras...

E já agora, nem falo do último, Sang sattawat, (Syndromes and a Century, 2006), mas onde está a Obra-Prima de Apichatpong Weerasethakul, Sud pralad (Tropical Malady), que até ganhou um prémio, num festival famoso há uns anos e que está constantemente a ser arrumado pelos distribuidores, a mudarem a data, a enganarem os cinéfilos, respondam?

E depois pretendem acabar com a pirataria – é obvio, qualquer cinéfilo o vai baixar da Internet, qualidade fabulosa, e assistir logo.
Tenham vergonha e não gozem os cinéfilos, nem sala nem DVD…


I knew people would not understand it. It's a shame people write so many things when they haven't seen it. When you see the film, it makes more sense. It's an art film. It should be playing in museums. It's like an Andy Warhol movie.

Chloë Sevigny

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Romero



Só hoje me pude deslocar ao cinema para ver um filme que muito ansiava, de um dos grandes cineasta vivos: George A. Romero.
Diary of the Dead é um grande filme, um fabuloso filme.
É, primeiro de tudo, o anti-Rec, aqui o dispositivo e a matéria de fundo juntam-se em estado de graça.
Grande filme parábola sobre o estado das coisas e das acções/anseios dos homens; grande metáfora/denuncia/autópsia sobre o killer instint desta nossa raça, e grande filme acerca– só comparável a Redacted, de Brian de Palma – da verdade e a manipulação de todas as imagens e de todos os signos, dando ainda umas potentes alfinetadas ás instituições (ás de cinema, principalmente) e ao desejo, tão inocente e infantil, da possessão e durabilidade de todas as coisas.
Mise en scene sóbria, cientifica, radical e sem nunca se pôr em bicos de pés, Romero nunca por nunca moraliza ou espetaculariza os eventos – é o mais justo e caustico dos filmes.
Sobre o mundo e sobre as imagens, sobre a realidade e sobre a manipulação. Sobre o novo e o velho.

Pró Caralho os gajos das distribuidoras! Só ontem é que soube que estreou um filme de Claude Chabrol, o magnifico Chabrol, o homem que deu, literalmente, a maior lição de realização cinematográfica dos anos 90.
Ainda por cima só numa salinha de Merda em Lisboa, nem o Porto teve direito. O Cinema, o Futebol, a Justiça…é tudo a mesma merda.
Os críticos, esses também se estão a cagar, também é por isso que já ninguém liga, já não se sabe quem é Chabrol, nem se vai saber quem é Garrel, etc, etc…

"ta ta ra ta, ta ta ra". "ta ta ra ta, ta ta ra". "ta ta ra ta, ta ta ra".
Só querem disto, eu também quero, mas e o CHABROL?
"Afinal, passam a vida a dizer que no cinema está tudo demasiado convencional e agora dizem que o filme não é suficientemente convencional..."

S.S

quinta-feira, 22 de maio de 2008

geometria - Plano metáfora...

...ou o formalismo que logo se dilui.

The Man Who Knew Too Much, Alfred Hitchcock, 1956

toda uma gigantesca diferença...

Fabuleux, Two lovers, tourné en un an par James Gray qui d'habitude met sept ans pour faire un film. On va faire court, et pourtant il y a énormément à dire sur ce film excentrique. Vivement qu'on y revienne. Joaquin Phoenix (lourd, tout de guingois, génial. Vraiment : génial) tombe amoureux de sa voisine, tandis qu'il se laisse aimer par une autre fille. C'est bizarre, lui est bizarre, maladroit, presque comique, mais entièrement dans ce qu'il fait, quand il dit « I love you » par exemple, il le dit 15 fois. Ce pourrait être une anti-comédie-romantique, mais ce n'est pas vraiment ça, ça bouge de l'enthousiasme jusqu'au renoncement tragique, il y a l'ombre d'un détraquement mental, mais de l'anomalie du personnage Gray ne tire aucun effet de poésie à la noix (l'épouvante du genre « film de débile léger », façon Punch-drunk love). C'est encore un peu La Nuit nous appartient, mais côté mélo, encore une fin sublime, un peu funèbre, heureuse aussi, mais si, c'est un paradoxe et ça tient : un enterrement qui est aussi, en même temps, la naissance de l'amour. Il y a deux regards-caméra déchirants, des plans à tomber (avec un style : discret, qui travaille en retrait), des envolées monumentales et, bref, on en est fou.

Jean-Philippe Tessé

D’une beauté fracassante, le film « Two Lovers » confirme le parcours sans faute de James Gray. Un grand cinéaste, un grand film.

Fracassante de beauté, l’ouverture du film dans un crépuscule de plomb sur un pont survolé par des oiseaux noirs, porte en elle toute la puissance du fatum. Comme toujours chez Gray, l’épilogue du film répond en sourd écho à son prologue, encadre l’histoire pour lui insuffler de la force. C’est là aussi la beauté et la supériorité du cinéma ou de l’art sur le monde réel : trouver une logique, un sens à la vie quand il n’y en n’a pas toujours dans la réalité.

Delphine Valloire

.........

Filmado com uma gravidade que por vezes soa ridícula, Two Lovers é um dramazinho em que o perfume de tragédia não esconde um permanente cheiro a água de rosas.

EURICO DE BARROS, em Cannes

....

este (Eurico de Barros, sim, é um festivaleiro excitadinho...havia os casamenteiros, agora existem os festivaleiros, tudo areia do mesmo saco, o ridículo é que julgam ter piada.)
Quantas vezes vou insistir? Quantas forem precisas!

quarta-feira, 21 de maio de 2008

- entre Kiarostami e Rohmer -


Há um curioso link entre dois dos filmes que mais gosto, Close-Up de Abbas Kiarostami e Conte d'automne de Eric Rohmer.
Por um lado aquilo que tenho vindo a insistir, ou seja, ao ritmo do cinema, estas duas obras impõe o ritmo da vida. Como são tão importantes os percursos nos dois filmes, tão fulminantes de vida: o carro e a mota, a mota ou o carro.
Em Kiarostami pensemos no plano sobre a mota em que o som vai falhando, em Rohmer nos créditos finais colocados sobre o baile até ao último segundo. Uma e a mesma coisa: uma espécie de negação filmica em direcção à corroboração da realidade como principal fonte de qualquer construção de cinema.
Depois, no espaço oco ou invisível, as pontas de cinema, mais como ditério do que outra coisa qualquer.
Em Close-Up havia o suspense Hitchcokiano da cena em que o impostor é identificado e preso, toda a linguagem utilizada ia nesse sentido.
Em Conte d'automne o que mais se destaca é uma espécie de utilização de secantes paralelas que se vão detonar a certa altura, já não no sentido de Griffith, sim qualquer coisa a ver com o sentido quase pós moderno, muito anos 90.
Na soma ou na ressaca, o que fica é a insuflação da vida, e é por isto que o cinema destes é algo tão simples e ao mesmo tempo intricado.

Chega! Chega! Chega!

"James Gray, cineasta que é capaz de suscitar fervores amorosos que têm a mesma intensidade das energias que o rejeitam, quebrou a sua série de filmes sobre a família e a mafia (o último dos quais foi Nós Controlamos a Noite) com Two Lovers, filme sobre... a família. Ficam de fora os gangsters (e a fixação em O Padrinho), está cá dentro a história de um rapaz (Joaquin Phoenix) obcecado por uma loura (Gwyneth Paltrow) enquanto a família dele quer que ele se case com outra."

Vasco Câmara em Cannes

...

Isto já vai para além da ignorância e teimosia, chamem-lhe o que quiserem…a mística falsa comparação já mete nojo, cheira mal e fede.

Duel


...também continuo sem nunca ter visto nada assim. 3 words: Concreto, desesperado, selvagem.
O mais belo filme do mundo, a mais possante interpretação feminina ever. Bem como não tenho dúvidas em afirmar que dá 100-0 a Johnny Guitar, outro dos filmes mais belos do mundo. Sem aspas ou itálicos. Tout Court.

terça-feira, 20 de maio de 2008

It's All True


É perguntar aos professores da Escola de Cinema…que desviam os olhos quando reconhecem o jovem apaixonados que eles um dia foram. E aos broncos das televisões públicas e privadas. Aos ministros e aos políticos que promovem os negócios dos poderosos e matam à nascença os pequenos produtores e os primeiros filmes. Restam os casos: um rapaz, uma rapariga. Conheço alguns. Ficarão sozinhos e perdidos. Não farão as publicidades. Vão viver com pouco dinheiro. São uns selvagens. Não vão ter estabilidade profissional, nem mais saídas, nem encomendas nenhumas. Não vão acreditar que "o cinema é uma linguagem e tem a sua gramática". Tem os seus riscos e é um trabalho feito passo a passo. Eu tenho fé. A juventude tem sede de sangue.

Pedro Costa

Parabéns Senhor OLIVEIRA II

Maravilhoso constatar que é no Brasil, do outro lado do Atlântico, que prestam estas homenagens - escrevem sobre o seu cinema apaixonadamente - ao Senhor Manoel de Oliveira (o cineasta que está muito para lá de uma ideia única de Cinema), aqui...

(Um filme Falado, foi o meu primeiro Oliveira, e nunca me esquecerei)

segunda-feira, 19 de maio de 2008

my blade without runner III

Estonteante delírio este cruzamento entre a anarquia de Carpenter e os bailados (muito cinema clássico americano, muito pintura, no sentido que Tarantino referiu) ala John Woo. A cena junto á ponte, em pleno Bronx, vale 100 Blade Runner´s.
“cheap, bricolé, simple, maniable.” É a estes filmes, feitos com muito amor e sem riqueza alguma, que estas frases haveriam de ser aplicadas, e não a objectos que custam para cima de 100 milhões de dólares, mesmo que sejam muito bons.

ainda Oliver Stone

Quanto a JFK nunca tive dúvida alguma – um dos grandes filmes dos anos 90, um dos grandes filmes sobre a América, e, principalmente, sobre uma ideia e uma mitologia americana, puramente americana. Além de todo esse lado humano, politico, etc…era redefini dor de toda uma ideia de mise en scene e de montagem (violenta, furiosa, sofisticada, sem dúvida) que não mais fazia do que reencontrar-se com o fundo filmico, ou seja, defender uma perspectiva, um ponto de vista, até ao infinito. E era fabuloso, e era tocante, no final, o falso apaziguamento tinha a força da acalmia que vêm depois das tempestades. Assustou muita gente, mas as coisas são como são.

Worl Trade Center, o filme sobre um brutal acontecimento recente, tinha ainda mais tendência a assustar. Por minha parte continuava a admirar, principalmente o facto de Stone ter apagado muitas das suas marcas e sinais do seu cinema recente – Any Given Sundey é o caso exemplar – e ter construído um filme no escuro, sobre o escuro. A maneira quase Bressoniana como tratou o espaço e o tempo (uma surdina transcendente, tudo a durar o que precisava de durar) reflectida naqueles magníficos fades que funcionavam como apagador de todo o espectáculo televisivo, de todas as imagens e sons, que parecia tornar impossível sacar uma nova imagem. Foi neste trabalho contrário que Stone erigiu, que o impossível se tornou possível.
Mas confesso: duvidava ainda de um lado que me parecia um pouco literal, o melodramático das cenas familiares, um flanco que me precisa pretensiosamente espiritual, a puxar á lágrima, etc…
Enfim, foi este texto que me limpou as dúvidas e desconfianças. O filme não é directo e literalizado, é um reflexo de um império e das suas tomadas de posição, Stone filma sempre o que está ao lado, nos vazios e nos espaços ocos, e é magnífico, vibrante. Todas as explicações estão nas palavras de João Mário Grilo.