-''Mal visto, mal falado''.
sábado, 31 de maio de 2008
verdade/salada/mundo
-''Mal visto, mal falado''.
Conte d'hiver, de 1992, o segundo dos filmes de Eric Rohmer dedicados ás estações do ano (printemps, été e automne são obviamente os restantes) é aquele que mais ódios e amores me desperta. Ou seja: faz-me confusão a forma um tanto indelicada e exagerada como o Francês urde a teia entre a rapariga sem muita cultura, que aprende com a vida e fala com o coração, e a intelectualidade literal dos que a rodeiam, a amam ou ignoram. Aquela questão do tempo, quase uma elipse de contos de fadas, em que Félicie perde Charles têm algo de Capriano que não esperávamos e…comove.
Mas o que gosto bastante é a maneira quase em ebulição, um fervilhando sagaz e complexo, do modo como Rohmer mostra os eventos e causas das viagens, das derivações da protagonista.
É a glória à função ontológica da maquineta de filmar, e da função ordenadora e rítmica/gravítica da montagem…enfim do primitivismo do cinema.
Coisa que de tão simples que parece faz limpar muitas coisas. Da maneira como Resnais faz parecer Honoré uma criança fascinada, também Rohmer dá umas lições a Assayas e faz evidente a sua fonte.
De facto, e por muito que goste do cinema de Olivier, a serena velocidade (que supera a sensação) imprimida por Rohmer nas tais deslocações, são outra louça, e só demonstra que de facto o ritmo está na concentração, e não na pirotecnia.
E aquele momento em que Charles lê para a sua amada é um momento que o pequeno Honoré haveria de ver e rever.
sexta-feira, 30 de maio de 2008
Stallone na Cinemateca
Ambos tão centrados no humano e nas suas crenças, nos seus códigos. Tão orientais.
Michael Mann é o cineasta da realidade total, em bruto, descarnada, no cinema americano.
Em Thief o dialogo na prisão e a decisão final. Em Collateral, os diálogos existencialistas no táxi e a perseguição final.
Para lá dos impulsos viscerais, dos socos de Ferrara, Mann é o outro grande neo-realista Americano.
aquele Plano...
João Bénard da Costa
Como não tenho dúvidas que é neste fabuloso longo plano – reparem na data do filme, reparem – que, como disse um colega meu, Straub se apaixonou…é neste plano que vivem os planos de Costa (nas barracas ou fora delas), apaixonando-se também…um plano que em plena euforia da Nouvelle Vague já lhe indicaria um rumo. É preciso ver sempre este plano.
É esta a ordem de peso presente na banalíssima e tão fundamental conversa há beira-rio e entre dois charutos que a vida vive e que o cinema se salva. Questão de raccords.
quinta-feira, 29 de maio de 2008
Lisboa é cinema, o resto é paisagem
Continuo com esta opinião, mas…mais violenta ainda. Uma semana passada da estreia do filme de Chabrol, somente em Lisboa, o que é que eles fazem? Metem-no noutra sala em…Lisboa, orgulhosamente. O resto que se lixe, é paisagem.
Cinemateca no Porto, já!
quarta-feira, 28 de maio de 2008
justo
Era o neo-realismo de Rossellini e os tempos de Ozu, dizia eu enquanto estudante…já não me interessa.
Desta vez resolvi revê-lo sem legendas, em Farsi original, uma dessas loucuras que gosto de fazer com filmes orientais e italianos.
Garanto: ganha-se muito. Não só podemos apreciar a paisagem pela janela, estar mais atentos aos sons, cheios de vida, ás acções dos trabalhadores, a um mundo…como dá para ficar muito mais próximo da angústia conformista, dos silêncios suicidas (Yuki, justamente) do protagonista. Dá para sentir, de forma bem mais aguda e terminal, o rosto fechado, a respiração, o despegamento às coisas e a paz de quem já nada receia.
Lembro-me que no final da sessão, onde vi o filme pela primeira vez, uns idiotas não perceberam o final. Bom: é ético e é o mais justo do mundo: como adivinhar ou registar a decisão do humano em pôr fim à vida? como resolver tamanho empreendimento de animo leve e de uma penada? Como?
Kiarostami estilhaçou a ficção e agravou ainda mais o que está para trás. Pensem em Mizoguchi, em Rosselini ou Antonioni, em qualquer cineasta ético e tirem conclusões…
…é por isto que eu digo que não acredito sequer que este tipo de filmes existiram…apesar de os ter visto.
Como é que o cinema foi aquilo e agora é isto?
Não quero ser retrógrada nem nostálgico, mas…porra, tenho que ser, o cinema é Yuki, é Ingrid a subir um vulcão, é Kramer com a sua câmara, é Monteiro a percorrer Alfama…Godard têm razão.
O Incomensurável
O filme é imenso. Desde a sua duração (4 horas e meia) até ao seu conteúdo, este espalha-se por territórios raramente trilhados por algum autor cinematográfico. Nunca o Cinema se aproximou tanto do Homem, logo da Vida, logo da Verdade. Ou melhor, da busca da Verdade. Kramer filma o bom do Homem, o mau do Homem, mas de uma maneira tão sensível e terrena que juízos de valores são, desde o princípio, logo excluídos. Do filme ficam os sentimentos, as pessoas encontradas ao longo da viagem, os verdadeiros Estados Unidos vistos pela câmara de filmar (e, numa perspectiva de Vertov, a câmara de filmar como um verdadeiro olho humano) de um realizador, de um autor que nunca recusou a realidade tal como ela o é: complexa porque ninguém consegue perceber quão simples são as pessoas. Porque ninguém consegue perceber quão simples é esta busca impossível da Verdade. Porque ninguém consegue perceber o verdadeiro sentido do Cinema.
Rogério Feitor
Kramer, Kramer, Kramer
Francisco Ferreira
terça-feira, 27 de maio de 2008
entre Kenji, Roberto e António
Pedro Costa
...
por vezes deparo-me com raccords que me fazem andar de lado. Vejo dois dos filmes que mais amo e...lembrava-me destas frases de Costa, tinham que estar em algum lado, tinham, e estavam...é assim.
Impossível, isto é impossível ter sido construído…
.....
Eu sei que o Improvável não é Impossível, mas momentos destes são Impossíveis, sim, visionei-os mas não acredito…
Nas Nuvens…
Miguel: continua a mesma merda ou pior...
Fizeste o Conservatório com gosto e entusiasmo?
Miguel Gomes: Não, não, fiz a escola com uma enorme frustração. Como é que se ensina alguém a fazer filmes? O que eu queria mesmo era fazer filmes. Não sei como é que as coisas estão agora, mas naquele tempo havia uma indeterminação entre o que deve ser um curso técnico - nas quatro áreas de formação: som, imagem, montagem e produção - e outra coisa, que tinha mais a ver com a realização. Essa outra coisa era a que me interessava. Tive o Paulo Rocha e o Seixas Santos (excelente a dar a cadeira de História do Cinema do primeiro ano) entre os professores e a ideia que guardo é que, ou por cansaço ou por descrença no futuro do cinema em Portugal, eles não acalentavam grandes perspectivas ou esperanças para os novos que ali estavam e que, justamente, se estavam ali era porque queriam fazer filmes neste país. Nessa medida, o curso foi frustrante para mim e para os meus colegas.
isto...é isto!
Robert Kramer sobre Route
(o "filme dos filmes", o filme da vida, o filme dos Homens e do Mundo)
segunda-feira, 26 de maio de 2008
Route One USA
Acabo de assistir á versão de 255 minutos de Route One USA, O filme de Robert Kramer. Se bem que não é um filme (embora o vá tratar por filme…), nem é cinema, são imagens e sons, é a câmara a entrar na vida e a vida a entrar na câmara.
Não vou dizer que é o maior filme de todos os tempos (são tramadas estas coisas…), mas sim que é o filme que eu gostava de ter realizado: em toda a HISTÒRIA do cinema.
Mas sempre digo mais qualquer coisinha: o mais bonito e minimal filme do mundo, realizado no maior império do mundo; o mais avassalador objecto em que o centro são as margens, e quando não o são, o resto só serve para as reforçar.
E uma coisa que para mim, neste momento, é indiscutível: depois de John Ford, Robert Kramer, cronologicamente como o maior dos realizadores Americanos. Nem anos 70, nem Malick, nem Tarantinos, nadinha!
Sublime momento em reverso do resto do filme.
domingo, 25 de maio de 2008
Doce
"Não tenhas medo e não ligues ao que dizem sobre ti, a maior parte não tem noção. És belo, por isso acredita nas coisas bonitas e grandes de que és capaz."
Ana Moreira
*é a mais bela, com a inocência na cara...mas é infinitamente mais lúcida, perspicaz, sábia e doce, do que a star Joaquim de Almeida.
inteligente, directo
Quentin Tarantino
*bastante inteligente, e Quentin sendo Americano, diz precisamente o contrário da simplicidade e ignorância de Almeida. It´s all about movies.
azedo
No entanto, defende que Manoel de Oliveira «deve fazer filmes até aos 120 anos, mas com o dinheiro que ganha em França e dos muitos prémios que recebe». Em jeito de confissão, o actor diz que é «amigo de Manoel de Oliveira há muito anos», mas não gosta das suas últimas obras. «Não vejo um filme inteiro dele há algum tempo. Ele faz as coisas como vê. Deve ser da idade.»
Joaquim de Almeida
*além de azedo é um pouco burro, não estamos na América nem somos Americanos. Grazias.
sábado, 24 de maio de 2008
Classe
É uma baliza importante, pois dentro do filme está tudo isto e muito do que viria. É o minimalismo apaixonante e distanciado de Bresson, a doçura de Belmondo ou a implacabilidade de Lino Ventura (qual Bogart), é a depuração máxima e ao mesmo tempo virgem de todas as peças atmosféricas dos noirs – para o lado da sofisticação Hawksiana e da singeleza de Lewis.
É grave, é implacável, é nostálgico e seco. É tudo o que Truffaut falhou em Vivement dimanche! – um cinzelado sobre o blanc et noir que destrói qualquer ideia de género.
Depois, aquela dialéctica entre os dois personagens principais, bem como os percursos contrários e aproximativos, são de uma crueza terrífica – o trabalho sobre os destinos. Melville iria dizer que Sautet era melhor que ele. Não posso comentar coisas destas.
as nossas distribuidoras...
E depois pretendem acabar com a pirataria – é obvio, qualquer cinéfilo o vai baixar da Internet, qualidade fabulosa, e assistir logo.
Tenham vergonha e não gozem os cinéfilos, nem sala nem DVD…
sexta-feira, 23 de maio de 2008
Romero
Só hoje me pude deslocar ao cinema para ver um filme que muito ansiava, de um dos grandes cineasta vivos: George A. Romero.
Diary of the Dead é um grande filme, um fabuloso filme.
É, primeiro de tudo, o anti-Rec, aqui o dispositivo e a matéria de fundo juntam-se em estado de graça.
Grande filme parábola sobre o estado das coisas e das acções/anseios dos homens; grande metáfora/denuncia/autópsia sobre o killer instint desta nossa raça, e grande filme acerca– só comparável a Redacted, de Brian de Palma – da verdade e a manipulação de todas as imagens e de todos os signos, dando ainda umas potentes alfinetadas ás instituições (ás de cinema, principalmente) e ao desejo, tão inocente e infantil, da possessão e durabilidade de todas as coisas.
Mise en scene sóbria, cientifica, radical e sem nunca se pôr em bicos de pés, Romero nunca por nunca moraliza ou espetaculariza os eventos – é o mais justo e caustico dos filmes.
Sobre o mundo e sobre as imagens, sobre a realidade e sobre a manipulação. Sobre o novo e o velho.
Ainda por cima só numa salinha de Merda em Lisboa, nem o Porto teve direito. O Cinema, o Futebol, a Justiça…é tudo a mesma merda.
Os críticos, esses também se estão a cagar, também é por isso que já ninguém liga, já não se sabe quem é Chabrol, nem se vai saber quem é Garrel, etc, etc…
"ta ta ra ta, ta ta ra". "ta ta ra ta, ta ta ra". "ta ta ra ta, ta ta ra".
Só querem disto, eu também quero, mas e o CHABROL?
quinta-feira, 22 de maio de 2008
geometria - Plano metáfora...
...ou o formalismo que logo se dilui.
The Man Who Knew Too Much, Alfred Hitchcock, 1956
toda uma gigantesca diferença...
Jean-Philippe Tessé
D’une beauté fracassante, le film « Two Lovers » confirme le parcours sans faute de James Gray. Un grand cinéaste, un grand film.
Fracassante de beauté, l’ouverture du film dans un crépuscule de plomb sur un pont survolé par des oiseaux noirs, porte en elle toute la puissance du fatum. Comme toujours chez Gray, l’épilogue du film répond en sourd écho à son prologue, encadre l’histoire pour lui insuffler de la force. C’est là aussi la beauté et la supériorité du cinéma ou de l’art sur le monde réel : trouver une logique, un sens à la vie quand il n’y en n’a pas toujours dans la réalité.
Delphine Valloire
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Filmado com uma gravidade que por vezes soa ridícula, Two Lovers é um dramazinho em que o perfume de tragédia não esconde um permanente cheiro a água de rosas.
EURICO DE BARROS, em Cannes
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este (Eurico de Barros, sim, é um festivaleiro excitadinho...havia os casamenteiros, agora existem os festivaleiros, tudo areia do mesmo saco, o ridículo é que julgam ter piada.)
Quantas vezes vou insistir? Quantas forem precisas!
quarta-feira, 21 de maio de 2008
- entre Kiarostami e Rohmer -
Por um lado aquilo que tenho vindo a insistir, ou seja, ao ritmo do cinema, estas duas obras impõe o ritmo da vida. Como são tão importantes os percursos nos dois filmes, tão fulminantes de vida: o carro e a mota, a mota ou o carro.
Em Kiarostami pensemos no plano sobre a mota em que o som vai falhando, em Rohmer nos créditos finais colocados sobre o baile até ao último segundo. Uma e a mesma coisa: uma espécie de negação filmica em direcção à corroboração da realidade como principal fonte de qualquer construção de cinema.
Em Close-Up havia o suspense Hitchcokiano da cena em que o impostor é identificado e preso, toda a linguagem utilizada ia nesse sentido.
Em Conte d'automne o que mais se destaca é uma espécie de utilização de secantes paralelas que se vão detonar a certa altura, já não no sentido de Griffith, sim qualquer coisa a ver com o sentido quase pós moderno, muito anos 90.
Na soma ou na ressaca, o que fica é a insuflação da vida, e é por isto que o cinema destes é algo tão simples e ao mesmo tempo intricado.
Chega! Chega! Chega!
Vasco Câmara em Cannes
...
Isto já vai para além da ignorância e teimosia, chamem-lhe o que quiserem…a mística falsa comparação já mete nojo, cheira mal e fede.
Duel
...também continuo sem nunca ter visto nada assim. 3 words: Concreto, desesperado, selvagem.
O mais belo filme do mundo, a mais possante interpretação feminina ever. Bem como não tenho dúvidas em afirmar que dá 100-0 a Johnny Guitar, outro dos filmes mais belos do mundo. Sem aspas ou itálicos. Tout Court.
terça-feira, 20 de maio de 2008
It's All True
É perguntar aos professores da Escola de Cinema…que desviam os olhos quando reconhecem o jovem apaixonados que eles um dia foram. E aos broncos das televisões públicas e privadas. Aos ministros e aos políticos que promovem os negócios dos poderosos e matam à nascença os pequenos produtores e os primeiros filmes. Restam os casos: um rapaz, uma rapariga. Conheço alguns. Ficarão sozinhos e perdidos. Não farão as publicidades. Vão viver com pouco dinheiro. São uns selvagens. Não vão ter estabilidade profissional, nem mais saídas, nem encomendas nenhumas. Não vão acreditar que "o cinema é uma linguagem e tem a sua gramática". Tem os seus riscos e é um trabalho feito passo a passo. Eu tenho fé. A juventude tem sede de sangue.
Pedro Costa
Parabéns Senhor OLIVEIRA II
(Um filme Falado, foi o meu primeiro Oliveira, e nunca me esquecerei)
segunda-feira, 19 de maio de 2008
my blade without runner III
“cheap, bricolé, simple, maniable.” É a estes filmes, feitos com muito amor e sem riqueza alguma, que estas frases haveriam de ser aplicadas, e não a objectos que custam para cima de 100 milhões de dólares, mesmo que sejam muito bons.
ainda Oliver Stone
Worl Trade Center, o filme sobre um brutal acontecimento recente, tinha ainda mais tendência a assustar. Por minha parte continuava a admirar, principalmente o facto de Stone ter apagado muitas das suas marcas e sinais do seu cinema recente – Any Given Sundey é o caso exemplar – e ter construído um filme no escuro, sobre o escuro. A maneira quase Bressoniana como tratou o espaço e o tempo (uma surdina transcendente, tudo a durar o que precisava de durar) reflectida naqueles magníficos fades que funcionavam como apagador de todo o espectáculo televisivo, de todas as imagens e sons, que parecia tornar impossível sacar uma nova imagem. Foi neste trabalho contrário que Stone erigiu, que o impossível se tornou possível.
Mas confesso: duvidava ainda de um lado que me parecia um pouco literal, o melodramático das cenas familiares, um flanco que me precisa pretensiosamente espiritual, a puxar á lágrima, etc…
Enfim, foi este texto que me limpou as dúvidas e desconfianças. O filme não é directo e literalizado, é um reflexo de um império e das suas tomadas de posição, Stone filma sempre o que está ao lado, nos vazios e nos espaços ocos, e é magnífico, vibrante. Todas as explicações estão nas palavras de João Mário Grilo.