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F1 é sobretudo uma corrida entre dois tempos distantes, duas
épocas distintas, dois mundos completamente díspares: o presente e os anos 90
(que vem dos 80... 70...). Os valores revistos aqui e agora, os supostos bons
costumes e as boas consciências de novos "super-humanos", o pânico
pela indecência, pelo sangue na guelra, embate com a figura de Sonny Hayes -
grande composição de Brad Pitt, com a idade e corpo e a desilusão no ponto
certo - que é todo ele polémica, ressabiamento, escândalo, precipitação, generosidade,
corpo e mente furados pelas convulsões da verdade; piloto genuinamente
grintoso.
F1 até começa como um parente de THE COLOR OF MONEY de Martin Scorsese, pelo regresso aos palcos perigosos de uma velha raposa, da manipulação do novo pelo experimentado, na carregada carga psíquica e subalterna produzida por essas atitudes e dependências. Mas logo se vai transformando - lentamente, ao contrário das corridas sónicas - num western moderno de redenção, onde a sombra de Clint Eastwood se impõe.
Óbvio que o modelo de Hayes é a arrogância e o jogo duvidoso de Michael Schumacher, a loucura de Ayrton Senna, as polémicas de Alain Prost... Como será o lado extravagante, flamboyant e meio punk-rock do Tim Richmond da Nascar, que já tinha servido como modelo para o Tom Cruise de DAYS OF THUNDER. Não se trata só de ganhar a qualquer custo, mas sobretudo de sentir toda a gama de emoções numa pista e colado ao volante, a dominar a combustão e o motor, a gravidade e a vida. Conduzir assim, nos limites e olhando a morte, é a vida, no sentido em que a estrada também a era para Jack Kerouac.
Por isso, tanto se pode dizer que a condução de Hayes é temperamental e perigosa, como cerebral e manipuladora, ou simplesmente espetacular, única e com a beleza das coisas tensas, periclitantes. Assim, o momento mais importante, belo e sensível passa-se na varanda de Las Vegas, com a engenheira da equipa, depois de fazerem um amor proibido: ele escancara o seu passado falhado e constata que o azedume não tem a ver com títulos e recordes não ganhos, mas com a perda de amor pelas corridas, por estar ao volante e sentir as sensações ao limite; ou seja, ele tornou-se azedo, irritado e idiota pois desprezou o seu dom, a sua paixão e encanto primordiais.
O instante (porventura infinito) dento de uma infernal corrida onde tudo fica quieto... o coração desacelera... a tranquilidade chega... e tudo é visto limpidamente... «ninguém nos pode tocar» ... e voa-se... foi isso que Hayes perdeu, a capacidade de transfiguração a favor dos seus pesadelos noturnos.
Joseph Kosinski é um portentoso mestre da ação e das relações, um classicista em luta com o status quo (do cinema e da vida em iguais medidas), e conseguiu aqui um belo libelo pelo individualismo absoluto e pelo compromisso absoluto com os valores que importam para lá dos rótulos.