sábado, 12 de fevereiro de 2011

Hawks/Vidor

Alguma coisa tem forçosamente de acontecer e de ser vista para além do abalo da tela quando se assiste a "Today We Live" de Howard Hawks e "The Big Parade" de King Vidor um a seguir ao outro e em ecrãs de jeito.

Hawks une-se a Faulkner. As ambiguidades sexuais, os desejos e a disseminação das normas e das farsas são ultrapassadas a cada impulso. Um trio onde dois são irmãos, o outro vem tão de trás que irmão parece e o desconhecido que chega de longe e rouba o coração ao vértice ou ao vórtice que tudo despoleta e que tudo reordena.
Muito ou o que interessa se passa nas águas nos ares e nos tempos e lugares onde aquela mulher não pertence ou onde os ecos continuam a ecoar. Tinha que ser ou assim foi mesmo, uma tragédia.

Ficando assim é provavelmente um dos cúmulos do lirismo do romantismo e da beleza celeste de todos os Hawks, onde o olhar parece olhar de um lugar próximo ao éden ou onde tudo era ainda possível e essas refrações esse imaculado faz-se coisa tão poderosa e visível e sensível como qualquer um dos duelos que ele orquestraria mais lá para a frente pelos velhos oestes. Tantos anjos e tanta leveza e peso como os anjos com asas e os sem asas daquele filme que todos sabemos...


King Vidor é King Vidor. Como sabemos que uma árvore é uma árvore. O amor é o amor e o idiota mimado que nem trabalhar queria e muito menos ir para a guerra foi saber o que ele é em terras e em manejos que não os seus. Fez-se homem e sentiu o que sei que nunca antes tinha sentido. Vidor nota-se tinha sede de tudo tinha sede de amor e irracional pulsões terra água sangue e aqueles céus como no esplendoroso final do reencontro ou do milagre.

E essa sede conjuga-se e faz-se igual à sede e à fome devoradora que o americano sente pela francesa. A despedida que para sempre parece é individual e sufocante, mas algo disto: eles comem-se qual animais, esfolam-se, fodem com os olhos e o toque as unhas e a latência aquela vibração que não pode explodir a não ser por esse olhar pelos nervos pelo sangue pelo resto que sabemos. Atiram-se botas, pedaços de sei lá o quê, cuspe suor cabelos pêlos tudo. Vidor esfomeado, Vidor que filma uma mãe a dizer ao filho - que a cabeça no colo dela tem - para ele percorrer montes vales e montanhas o que for preciso para não deixar escapar o que mais ama como a perna lhe escapou. Vidor sem medo da infância essa inocência regresso assombrado, Vidor sem medo das emoções ou do patético que jamais o será.


Hawks a borrifar-se como sempre para os efeitos de assinatura maneirismos e a chegar à mais acabada serena cândida das belezas.

Vidor foi à guerra - em todos os sentidos como Fuller - à guerra da vida guerra mítica das paixões guerra mesmo, e vibra sobre a película como essa arte prometia vibrar tão de dentro.

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