segunda-feira, 10 de outubro de 2011


"Nós sempre fazemos o que consideram impossível.
Vamos continuar!"

Vales, colinas e montanhas...alguns precipícios à espreita...o céu como guia, oxigénio, luz ou infinitude que tapa e destapa. A terra nos pés...inevitabilidade. Chuvas, ventos, despojos de toda a ordem, mosquitos que dão sangue ao rosto...pântanos pegajosos de águas sedentas...fogos de supremos desejos de destruição...o homem atravessa tudo e faz-se herói...galga íngremes passagens e realiza caminhadas inauditas com pernas partidas, suores nunca vistos, balas cravadas na carne, óbvias alterações e espírito reinventado. Em "Northwest Passage" o pelotão do Major Rogers tem de ir de um ponto a outro e nesse desconhecido hiato escapar-se aos horrores dos índios e dos inimigos franceses da jovem América. Pequenas pesadas canoas montanha acima como depois no Herzog... esforços sobre-humanos..cordões de homens banhados que tentam suprimir a potência avassaladora dos rios que violam...remadas exaustivas...fome de morte...demências e alucinações...desesperos e uivos...canibalismos e consequentes suicídios..Está claro, há ganhos e perdas, laivos de ternura e actos medonhos. Gestos iniciáticos, regressos de milésimos à infância e recordações de uma mulher...mas também vergonha das vergonhas, racismos e traições, fúrias incontidas, chacinas e holocaustos. Sorrisos e transportes sobre os ombros mas também cara fechada de disparos sem remorsos.

Complexas e ambiguas relações quando se está perante o que deve ser o inferno – vai-se de uma extremidade à outra e já não se sabe a diferença.

O homem também pode desistir e desiste e os que ultrapassam limites.
King Vidor vai ao todo e jamais separa os homens do meio que o envolve, o acaricia, o salva ou o come. O mais ténue suspiro ou um pelotão incontável faz sempre eco singular nas paredes do universo e é preciso sabê-lo, é preciso amarrá-lo. Um todo imenso e o incomensurável fogueiro de dependências, sentimentos, relações mutuas. De modo uno, Vidor jamais construiria e não constrói um único plano vazio, na imensidão deste cosmos que é a terra sempre lá nós presentes. Nem um plano de enfeito ou contemplação, mesmo as casas estão cheias de gente e criação, mesmo os escalpes nas árvores espetados são rastros não só físicos mas de ódio e de violência. Comunhão, aliança, organismo camaleónico - fontes de querelas. Com tamanha condensação, pressão, falta de ar no aparentemente aberto e logo a inteligência dialéctica de que temos o mundo todo e assim a eternidade e a beleza de cada coisa...plano a plano, som a som, movimento a movimento De uma só vez une-se a força humana, a força da natureza e a força da câmara de Vidor, sem separação. Maior elogio às forças telúricas e às forças do cinema é impossível.

Filme em plano sequência, não se corta como o olhar firme não dispersa. Não só de cinema é isto.

Oposto da contradição é que "Northwest Passage" é pois a mais contemplativa das obras e as metáforas enunciadas existem materialmente em cada aparição. Do mínimo que abana ao tremor irreparável tudo é centro ou segredo elíptico.

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