sexta-feira, 11 de novembro de 2011

"In tremendous extremities human souls are like drowning men; well enough they know they are in peril; well enough they know the causes of that peril;Mnevertheless, the sea is the sea, and these drowning men do drown."

Herman Melville

7 comentários:

José Oliveira disse...

1.

- o acontecimento cinematográfico do ano em portugal, para mim dos últimos 12 anos, aconteceu no festival do estoril/lisboa por estes dias e as últimas palavras dessa obra irrompem já nos créditos finais e ditas pelo próprio cineasta; fazem parte do "Pierre" de Melville; livro esse que há altura os "especialistas" chamaram de megalómano ou pretensioso ou maldito ou...faz lembrar alguma coisa não é..o filme, esse, não tem paralelo nem para trás nem para a frente, sem pais nem filhos, e quem for por tais caminhos está-se mesmo a ver que se vai queimar...são quase três horas em que Carax torna a versão de "Pola X" mais encorpada, romanesca, bruta, assexuada, incendiária, terrível, terrorista, porca, terna, feérica, suicida, sublime...começa no mundo dos mortos com nevoeiro densíssimo e pedras deformadas, passa por casas afundadas tais aquários com bonecas a nadar...peixes gigantes em poços pequenos que devoram quem lá ousa mexer...regressa aos mortos e...impossível descrever...apenas que a pulsão, o crescendo, os mistérios e fantasmas que se adensam e que tudo comem até à explosão final, tem a voragem kamikase das grandes fatalidades e a ameaça é implacavél como os mares de Melville...Uma longa doença, uma longa convalescença ou uma peste medonha sem volta a dar que alastra por toda a película do primeiro ao ultimo flash.

- Idílico inicial minado / cancro da floresta negra que advém do verde pérola do plano inicial.

- Sem saída.

José Oliveira disse...

2.

Mas a imprensa aqui do paizinho prefere favorecer as coutadas, os malandros e os medíocres. É ver os Seabras, os Câmaras e os Mourinhas a promoverem e a darem prémios, a pôr o mundo a seus pés a uma coisa – sim, porque jamais cinema – como o filme de Gonçalo Tocha, "É na Terra não é na Lua". Que é um longo publicitário a viagens, a carros ou a parvoíce. Que nem a dignidade e a modéstia do bilhete-postal consegue alcançar. Que tem a lógica de imagens e de sons e de aleatório de um casamento filmado pelo mais medíocre dos "casamenteiros" – imagens e imagens e imagens, sons e sons e sons, e corte e costura para disfarçar...Porque torna o mais belo dos mundos no mais banal deles – questão de formas, sempre. Que não tem fé alguma porque goza com a fé de uma linda e crente senhora numa igreja, deixando uma cena durar até ao público idiota se rir até mais não. Porque não sabe o que é um plano, a ligação entre eles, a tal da montagem, porque a voz-off embarca igualmente na onda do engraçado e do supostamente original e "fora". Porque aproveita a dádiva do gorro para novas macacadas e gozações...porque se auto denuncia e porque basta ter olhos e ouvidos para perceber o nulo absoluto...jamais perto de alguma coisa que um dia se chamou cinema, tudo o que ele prometeu. Ponto.

José Oliveira disse...

- Que mais se pode dizer sobre o exemplo acabado de um produto audiovisual ainda por cima muito mal executado, displicente, feio no pior dos modos? Que é ainda pior do que o universo de João Nicolau. Porque Nicolau filma os seus e o seu mundinho, e mesmo que constrangedor não põe em causa quem o vê ou não pretende representar os "outros" do modo mais lato e pretencioso, apenas a sua tribo peculiar. Mesmo que cinematograficamente risível.
Gonçalo Tocha vai para longe, quer filmar tudo, "cada pedra, cada casa...", o desconhecido, o exótico, e como quase sempre – salvo as nobres e gigantescas excepções – quem se atira ao que não conhece e ao que não é seu e quem olha de cima e não tem a mínima sensibilidade e paciência para os outros, só se pode mesmo lixar. Porque não são por si 200 horas de filmagens que tudo podem nos dar e mostrar sobre o homem e a sua envolvência natural, mítica, transcendental...a banalização que ali se faz da imagem, filmar tudo ao calhas, da mesma maneira, zoom para ali travelling para acolá, jamais lhe concede o direito à imagem e ao outro, coisa ética e ultra complexa, para deixarmos a poesia de fora. Pensemos num Ford, ou num Costa, ou em alguém mais "pequeno" como Kaurismäki, em que num único plano construído com os alicerces e a modelação do tudo ou nada, num único, repito, todo o filme, o que vale dizer – galáxias de sentidos. Constelações.

E como Tocha nem se aproxima das grandes excepções dos cineastas viajantes, porque não é cineasta e porque não sabe, não tem tal dom e pronto, ou seja, o Renoir da índia, o Camus do Brasil, o Rouch de África ou o Rossellini de "Stromboli", o que fica é o olhar oportunista, desperdiçador, foleiro de alguém que, volto à história do gorro, construiu o filme todo estruturado nessa premissa, para no final o ego se impor e ficar um plano de contraluz, na discoteca que ele tantas gargalhadas lamentáveis para trás extraiu, condensando uma bela imagem do filme – "a estrela sou eu".

José Oliveira disse...

- Também se pode dizer, e se calhar é mais produtivo, que Tocha e os outros que tais, não tem culpa nenhuma ou não a tem toda. Piores, muito piores e muito mais nocivos são os tais que têm por missão - para que a coisa continue a andar para a frente, para que os festivais sejam cada vez mais festivos, para que a sua profissão se mantenha - descobrir a tal obra-prima semanal e o seu respectivo novo génio. Mesmo que à custa de tudo.

José Oliveira disse...

"Podemos ridicularizar alguém e, ao mesmo tempo, ter ternura. Podemos até
trata-lo de uma maneira aparentemente muito cruel. A ternura é a verdadeira
posição moral. Não sei reconhecer como forma artística alguma coisa que não tenha ternura. Ora, nesse filme, não há ternura visto que é o acaso que conduz tudo. O que é que me enerva, o que é que me irrita no mundo actual? O mundo actual é um mundo demasiado cruel e é-o em vão. A crueldade é ir violar a personalidade de alguém, é pôr alguém em condição de fazer uma confissão total e gratuita. Se fosse uma confissão com vista a um fim determinado, aceitá-la-ia, mas é o exercício de um "voyeur", de um vicioso, isto é: é cruel. Reagi violentamente a isso, visto que acredito firmemente que a crueldade é sempre uma manifestação de infantilismo, sempre. Toda a arte de hoje se torna de dia para dia mais infantil. Cada um tem o desejo louco de ser o mais infantil possível. Não digo ingénuo: infantil. Por causa do infantilismo, caímos no mais baixo da escala humana Passamos ao macaco antropomórfico, em breve estaremos na rã e na enguia. É isso que me irrita. É essa falta total de pudor (...) chegamos à vaidade total."



Roberto Rossellini (enviado pelo Mário, outro grande "apreciador" dessa coisa feita pelo Gonçalo Tocha que está a varrer os festivais e a excitar os jornalistas. Mais apropriado não poderia ser...mas não só para ele, sim igualmente para tantos e tantos bem-intencionados medíocres protegidos pela mensagem ou tema ou esse tal do "real". Ou, "o outro...", que lindo... )

Anónimo disse...

como disse, eu já os cheiro ao longe....

José Oliveira disse...

"Three seconds in John Ford is three thousand years. Any young video artist has to work very hard if they want to tell their story in three seconds (...) Because it’s like Proust, or Kafka: it takes a century to tell just one second. And that’s very hard work in film."


Pedro Costa, no documentário do Craig Keller, "Finding the Criminal" (belo titulo para estas palhaçadas e caução para as dolorosas empreitadas de ter que mamar com tanta porcaria)