quarta-feira, 19 de agosto de 2015

 
 
Um petardo (a joint) como "Chain Lightning" aconteceu muitas vezes no cinema americano, e poderia ter sido muita coisa: propaganda tecnológica ou ideológica em tempos de ressaca e de reconstrução pós-guerra, um pouco de patriotismo puro e simples, veículo para Humphrey Bogart alcançar outros voos, final feliz depois de tanta tortura para animar as hostes, etc. Só que Stuart Heisler, realizador da garra e da contemplação indestrinçáveis, tornou tudo dependente e essencial. Na corrida do Raoul Walsh galopante, sacou o ar de entre os planos, transmitindo-se a pressão de que estão possuídos os protagonistas à massa das formas. Da temperatura do Nicholas Ray do tudo ou nada, esse instante único e inalienável com que alguns dialogam, é coberto da luz e da tensão fatalista, superior a nós mesmos e assim aceite. Ter ajudado John Ford em "The Hurricane" ensinou-lhe o que deve tremer e o que deve ser segredado. O que nos é contado? Supostamente, um amontoado de perdições e de conflitos profissionais e amorosos de um famoso piloto que não domina o seu fogo interior, vencendo o romance sobre o ego e o dinheiro. Só que resumir deste ou de outro modo é reduzir a complexidade fugidia e violenta a esquematismos inúteis. Fugidio pois as opções que Bogart vai tomando no tempo são tão contraditórias e incompreensíveis como o sorriso de felicidade límpido que lhe invade o rosto quando está nas nuvens. Violento porque se percebe da extraordinária (pressão além ciência) catadupa de questões absolutas a que tem de dar resposta. Das linhas estilhaçadas e dos volumes difusos em que se mede com os Deuses, o possível e a morte - cada cena aérea é uma reinvenção das possibilidades físicas e imagéticas do cinematógrafo e da coragem - até à recolocação da perspectiva própria e sentimental, a narrativa é a do instinto e do caos, resguardada na verdade das visões transcendentes - o beijo final como os suicídios inevitáveis. A moral dos duros. O que poderia ter sido e o que realmente é.

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