quarta-feira, 11 de março de 2020

para Richard Jewell




O velho e o novo ou o espectáculo mediático mata mais do que qualquer vírus.

Um portentoso homem que sempre quis ser rei – o Michael Johnson dos recordes olímpicos de Atalanta 1996 – e um perfeito comum, mais do que rechonchudo mas de olhos e ouvidos bem abertos. Um maquinismo trabalhado para ser perfeito e o menino da mamã que à semelhança de muitas crianças antes e depois dele sonhou ser policia, vigilante, proteger pessoas. Mundos opostos, e um encontro óbvio.

É assim que Clint Eastwood sintetiza o choque essencial neste seu último contra-relógio, tentativa de reverter a novíssima humanidade feita justiça de facebook: o mundo é uma corrida, viver é uma corrida, onde todos os pormenores e detalhes contam (à semelhança do velhadas de “The Mule” que implorava para largarem os telemóveis e olharem para os semelhantes, mesmo que Mexicanos), onde o acto global desse deus do Olimpo na terra e o acto perplexo daquele insignificante protector de milhões de almas são feitos nunca ousados, assim inéditos no conhecimento da humanidade. Clint, mais surpreendido nesta terra do que nunca, junta as paralelas de David W. Griffith com as danças de Sergei M. Eisenstein, as provas de facto com a beleza retumbante, o irreconciliável com o cosmos único e indivisível.

Essa magistral sequência lançada (como um tiro de partida) pelos olhos de Richard no seu sofá caseiro da estupefacção láctea aglutina o super-homem Texano com os singelos advogados incrédulos a descobrirem a verdade não pelas aparências mas antes pela ciência. Sequência de cortes precisos, díspares e contíguos: uma e outra corrida possuem a sua própria veracidade, sem margem para dúvidas, encontrando-se ambas no final ou algures no caminho. Sequência que dura aproximadamente 100 segundos e que permite endireitar os eixos empenados pelo espectáculo da mentira mediática conveniente. 

“Vamos lá ajudar este rapaz”, decide então o pulsante advogado, anjo da guarda e cronometrista gélido. Richard Jewel, iremos ver, não é a imagem da perfeição, mas na prova de fogo a que se propôs, ao acaso ou tendo-se para ela preparado durante toda a vida, não vacilou. E Clint, como o advogado e a sua assistente, jamais poderão deixar passar essa corrida em branco, devolvendo-lhe a mesma estética e a mesma ética, a mesma grandeza e a mesma candura do ouro do rei Johnson. Clint na vanguarda humana e estética.

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