sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Os Melhores Momentos de 2024

 


FILMES:

 

Ferrari, de Michael Mann

 

Ferrari é um monumento ao poder dos Homens, à sua racionalidade tantas vezes irracional, irrazoável, que os faz avançar. Um parceiro perfeito, e igualmente da família do sublime calado, discreto, em filigrana, complexo, do Bobby Deerfield de Sydney Pollack, a quem o filme também é dedicado. [texto completo aqui]

 

- Juror #2, de Clint Eastwood

 

Clint, depois dos noventa anos, convoca Fiódor Dostoiévski e Serguei M. Eisenstein para presidirem aos pesos e contrapesos da consciência e da persistência da memória. Os demónios clamantes da nossa química e a montagem estraçalhante dos nossos fantasmas. Só o cinema.

 

- The Iron Claw, de Sean Durkin

 

Todo o percurso libertário, feliz e passional que os anjos do filme de Durkin encontram na morte foi-lhes vedado em vida. Mas Durkin faz ver que aquilo a que chamamos morte pode ser a vida, livre, feliz, amorosa, cheia de laços e de espaço. A mão e o olhar angelicais de Durkin, terno, livre, frontal, tocado pela evidência protetora e desprendida do amor, rima com Eurípides. Durkin filma à luz e com a luz do poeta Grego que talvez erroneamente é considerado trágico - «Quem sabe dizer se a vida não é o que chamam de morte e a morte não é o que chamam de vida?» Dedico a minha visão deste milagre de Carl Theodor Dreyer a João Bénard da Costa.

 

- Bowling Saturno, de Patricia Mazuy

 

«O pensamento serve para nos transformar em animais.», parafraseando Immanuel Kant. E, declinando a pari passu, o medo da memória, também.

 

- Megalopolis, de Francis Ford Coppola

 

O fundamental (logo no genérico): Uma Fábula. Um rabisco de criança. Uma birra. Um sorriso. Uma troça. Um pesadelo sem interpretação. Um sonho fugidio. Borrão tosco como capela perfeita. Uma pretensão simples. Antes do cinema. Das regras. Da linguagem. De nos conhecermos.


- O Mal Não Está Aqui, de Ryûsuke Hamaguchi

 

Quando não sabemos se a natura oferece a música ou se é ela mesmo música. Um movimento cristalino. E ainda os homens ancestrais a vociferarem verdades ancestrais aos falsos modernos.

 

- Not Like Us, de Dave Free e Kendrick Lamar

 

Mesmo que a prole de Lamar e de Free, uma das poucas que trabalha e pensa 24/dia, desconhecesse Serguei M. Eisenstein - o que não é verdade, sei-o - inventaria tudo o que ele inventou, de graça, e com toda a graça, sagrada e cómica - dialéticas entre desejo e justiça, o outro e Eu, falsos brilhos e vulcões interiores. Cem anos depois as massas humanas (pulsionais, orgânicas, animalescas) e as massas invisíveis (mentais) de Eisenstein agigantam-se.

 

(RE) DESCOBERTAS:

 

My Kingdom for..., de Budd Boetticher, 1985

 

Um filme caseiro, amador, livre, comprometido. Todos os grandes são amadores e artesanais, mesmo com todos os meios. E Budd, um pequeno mestre de Hollywood, pegou no que havia mais à mão - em 1985, entre outras coisas, o vídeo caseiro em protótipo - e registou as suas paixões suicidárias e com elas todas as vivificantes. Alguém que teve de fazer um filme seja lá como for, caso contrário, morria.

 

- Routine Pleasures, de Jean-Pierre Gorin, 1986

 

Velhos cowboys e velhos intelectuais absolutamente despidos pelas paixões. Fica-lhes bem as lamentações (siderantes) do imenso David Lynch: «Adoro o imaginário das crianças porque há imenso mistério. Algo tão simples como uma árvore pode não fazer sentido. Quando és criança não entendes as regras e quando nos tornamos adultos achamos que entendemos as regras, mas o que realmente vivenciamos é uma diminuição da imaginação.» Apenas crianças, no paraíso terrestrial do cinematógrafo e dos comboios, irmãos de ferro e de sangue - Gorin, Farber e os outros.

 

- The Heart Is a Lonely Hunter, de Robert Ellis Miller, 1968

 

Um projétil surdo na terra que fala com todos os projéteis cósmicos que só vislumbramos finamente pela imaginação ou pelo pressentimento. Asteroides infantes, novíssimos idiomas, paixões cifradas. Cada não-dito, cada silêncio, uma manifestação invisível de amor e de morte, que voltam igualados.

 

LIVROS:

 

O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati, 1940

 

Os sonhos destruídos da juventude. Vilipendiados.... Acobardados… E o imenso adeus, o imenso desfile de uma consciência que nos pode apaziguar. Lá longe, esfumados... mas pode?

 

- Eleven Rings, de Phil Jackson, 2015

 

Sem comentários apropriados. Uma promessa. O Tao de Phil, a selva de Kipling - irmãos?

 

- Directed By Yasujiro Ozu, de Shiguehiko Hasumi, 2024

 

A simples descrição. E todas as filosofias e formas possíveis.

 

DISCOS:

 

- GNX, de Kendrick Lamar

 

Violência e paixão. Matar-se a cada verso. A cada suspiro. E ressuscitar para a morte seguinte. Para a salvação de um mundo. Alguém que teve de fazer um álbum seja lá como for, caso contrário, morria.

 

EVENTOS:

 

Nick Cave and the Bad Seeds, Meo Arena, 27 de outubro

 

Uma missa catártica, como disse um dos parceiros de concerto. Ressurreição e parto em evolução, em directo, como num milagre, do pai, do filho, do espírito.


 Festival Fatela Sónica, Fatela/Fundão, 20-23 de setembro

 

Espíritos livres e revoluções sónicas protegidos pelo amor = punk.