FILMES:
– Ferrari, de Michael Mann
Ferrari é um monumento ao poder dos Homens, à sua
racionalidade tantas vezes irracional, irrazoável, que os faz avançar. Um
parceiro perfeito, e igualmente da família do sublime calado, discreto, em
filigrana, complexo, do Bobby Deerfield de Sydney Pollack, a quem o filme
também é dedicado. [texto completo aqui]
- Juror #2, de Clint Eastwood
Clint, depois dos noventa anos, convoca Fiódor Dostoiévski e
Serguei M. Eisenstein para presidirem aos pesos e contrapesos da consciência e
da persistência da memória. Os demónios clamantes da nossa química e a montagem
estraçalhante dos nossos fantasmas. Só o cinema.
- The Iron Claw, de Sean Durkin
Todo o percurso libertário, feliz e passional que os anjos
do filme de Durkin encontram na morte foi-lhes vedado em vida. Mas Durkin faz
ver que aquilo a que chamamos morte pode ser a vida, livre, feliz, amorosa,
cheia de laços e de espaço. A mão e o olhar angelicais de Durkin, terno, livre,
frontal, tocado pela evidência protetora e desprendida do amor, rima com
Eurípides. Durkin filma à luz e com a luz do poeta Grego que talvez erroneamente
é considerado trágico - «Quem sabe dizer se a vida não é o que chamam de morte
e a morte não é o que chamam de vida?» Dedico a minha visão deste milagre de Carl
Theodor Dreyer a João Bénard da Costa.
- Bowling Saturno, de Patricia Mazuy
«O pensamento serve para nos transformar em animais.»,
parafraseando Immanuel Kant. E, declinando a pari passu, o medo da
memória, também.
- Megalopolis, de Francis Ford Coppola
O fundamental (logo no genérico): Uma Fábula. Um rabisco de
criança. Uma birra. Um sorriso. Uma troça. Um pesadelo sem interpretação. Um
sonho fugidio. Borrão tosco como capela perfeita. Uma pretensão simples. Antes
do cinema. Das regras. Da linguagem. De nos conhecermos.
- Not Like
Us, de Dave Free e Kendrick Lamar
Mesmo que a prole de Lamar e de Free, uma das poucas que
trabalha e pensa 24/dia, desconhecesse Serguei M. Eisenstein - o que não é
verdade, sei-o - inventaria tudo o que ele inventou, de graça, e com toda a
graça, sagrada e cómica - dialéticas entre desejo e justiça, o outro e Eu,
falsos brilhos e vulcões interiores. Cem anos depois as massas humanas
(pulsionais, orgânicas, animalescas) e as massas invisíveis (mentais) de
Eisenstein agigantam-se.
(RE)
DESCOBERTAS:
– My
Kingdom for..., de Budd Boetticher, 1985
Um filme caseiro, amador, livre, comprometido. Todos os
grandes são amadores e artesanais, mesmo com todos os meios. E Budd, um pequeno
mestre de Hollywood, pegou no que havia mais à mão - em 1985, entre outras
coisas, o vídeo caseiro em protótipo - e registou as suas paixões suicidárias e
com elas todas as vivificantes. Alguém que teve de fazer um filme seja lá como
for, caso contrário, morria.
- Routine
Pleasures, de Jean-Pierre Gorin, 1986
Velhos cowboys e velhos intelectuais absolutamente despidos
pelas paixões. Fica-lhes bem as lamentações (siderantes) do imenso David Lynch:
«Adoro o imaginário das crianças porque há imenso mistério. Algo tão simples
como uma árvore pode não fazer sentido. Quando és criança não entendes as
regras e quando nos tornamos adultos achamos que entendemos as regras, mas o
que realmente vivenciamos é uma diminuição da imaginação.» Apenas crianças, no
paraíso terrestrial do cinematógrafo e dos comboios, irmãos de ferro e de
sangue - Gorin, Farber e os outros.
- The Heart Is a Lonely Hunter, de Robert Ellis Miller, 1968
Um projétil surdo na terra que fala com todos os projéteis
cósmicos que só vislumbramos finamente pela imaginação ou pelo pressentimento. Asteroides
infantes, novíssimos idiomas, paixões
cifradas. Cada não-dito, cada silêncio, uma manifestação invisível de amor e de
morte, que voltam igualados.
LIVROS:
– O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati, 1940
Os sonhos destruídos da juventude. Vilipendiados....
Acobardados… E o imenso adeus, o imenso desfile de uma consciência que nos pode
apaziguar. Lá longe, esfumados... mas pode?
- Eleven Rings, de Phil Jackson, 2015
Sem comentários apropriados. Uma promessa. O Tao de Phil, a
selva de Kipling - irmãos?
- Directed
By Yasujiro Ozu, de Shiguehiko Hasumi, 2024
A simples descrição. E todas as filosofias e formas
possíveis.
DISCOS:
- GNX, de Kendrick Lamar
Violência e paixão. Matar-se a cada verso. A cada suspiro. E
ressuscitar para a morte seguinte. Para a salvação de um mundo. Alguém que teve de
fazer um álbum seja lá como for, caso contrário, morria.
EVENTOS:
– Nick Cave
and the Bad Seeds, Meo Arena, 27 de outubro
Uma missa catártica, como disse um dos parceiros de concerto. Ressurreição e parto em evolução, em directo, como num milagre, do pai, do filho, do espírito.
– Festival Fatela
Sónica, Fatela/Fundão, 20-23 de setembro
Espíritos livres e revoluções sónicas protegidos pelo amor =
punk.
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