Ironweed, de Hector Babenco, 1987
Mais das vezes a palavra Sublime é gasta com coisas que não
a merecem, mas penso que só se poderá evocar o Ironweed de Hector
Babenco sob o prisma dessa palavra. Tudo é duro, depressivo, trágico? Assim, da
forma como Babenco olha estes corpos e estas almas, tudo é graça, tudo
salvação, tudo é justificado. No final morrem todos os protagonistas e mesmo os
que não morrem já estavam mortos? Não, pois não há final nem linha cronológica
assim banal, há presenças humanas que irradiaram e irradiam luz e energia por
onde passaram e passam e com quem se cruzaram e cruzam e isso permanecerá para
sempre. Também estamos sempre nas instâncias dos princípios, mesmo quando
parecem finais.
Todos os corpos, almas, presenças e matérias, humanas e inorgânicas,
têm o peso da verdade que as torna válidas por si, para lá do bem e do mal, da
culpa e da liberdade, numa concentração e rotação entre os Homens e o que os
envolve absolutamente primárias e cósmicas – na parte final aparece em
grande-plano e via-láctea e a lua e isso é tão natural como o rosto de Jack
Nicholson, Meryl Streep ou Carroll Baker.
A grande perda de Nicholson aproxima o conto de O Quarto
do Filho de Moretti ou do recente Fechar os Olhos de Víctor Erice,
mas é este realismo mágico com a carga dos eventos do mundo e do presente, com a
carga ofuscante do passado e da mente, que o conecta com os minutos finais de Dias
do Paraíso de Malick – um requim pelo inapagável para lá de qualquer noção
temporal puramente terráquea. E, no mesmo instante, longe de qualquer destas referências
ou de qualquer referente, tudo no filme de Babenco e naqueles seres, lugares e
posta-em-cena é ditado pela substância intrínseca de cada um.
O embate e a irmandade entre o descarnamento de William
Kennedy e o angelical de Babenco deu no sublime, isto é, na comunicação e
reconhecimento entre todas as coisas, próximas e distantes, intoleráveis e compreensivas
– também temos perdão para todos, como na magnífica cena entre pai e filha,
muitos anos depois, ou ainda ontem?, uma das maiores da História do Cinema.
E Babenco a erguer-se ao nível dos maiores dos maiores em
todas as artes, numa carreira incrível e absolutamente inaudita, inclassificável,
usando filigrana, tripas, vómito e coração. Sublime.

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