sexta-feira, 28 de novembro de 2025

 


Ironweed, de Hector Babenco, 1987

Mais das vezes a palavra Sublime é gasta com coisas que não a merecem, mas penso que só se poderá evocar o Ironweed de Hector Babenco sob o prisma dessa palavra. Tudo é duro, depressivo, trágico? Assim, da forma como Babenco olha estes corpos e estas almas, tudo é graça, tudo salvação, tudo é justificado. No final morrem todos os protagonistas e mesmo os que não morrem já estavam mortos? Não, pois não há final nem linha cronológica assim banal, há presenças humanas que irradiaram e irradiam luz e energia por onde passaram e passam e com quem se cruzaram e cruzam e isso permanecerá para sempre. Também estamos sempre nas instâncias dos princípios, mesmo quando parecem finais.

Todos os corpos, almas, presenças e matérias, humanas e inorgânicas, têm o peso da verdade que as torna válidas por si, para lá do bem e do mal, da culpa e da liberdade, numa concentração e rotação entre os Homens e o que os envolve absolutamente primárias e cósmicas – na parte final aparece em grande-plano e via-láctea e a lua e isso é tão natural como o rosto de Jack Nicholson, Meryl Streep ou Carroll Baker.

A grande perda de Nicholson aproxima o conto de O Quarto do Filho de Moretti ou do recente Fechar os Olhos de Víctor Erice, mas é este realismo mágico com a carga dos eventos do mundo e do presente, com a carga ofuscante do passado e da mente, que o conecta com os minutos finais de Dias do Paraíso de Malick – um requim pelo inapagável para lá de qualquer noção temporal puramente terráquea. E, no mesmo instante, longe de qualquer destas referências ou de qualquer referente, tudo no filme de Babenco e naqueles seres, lugares e posta-em-cena é ditado pela substância intrínseca de cada um.   

O embate e a irmandade entre o descarnamento de William Kennedy e o angelical de Babenco deu no sublime, isto é, na comunicação e reconhecimento entre todas as coisas, próximas e distantes, intoleráveis e compreensivas – também temos perdão para todos, como na magnífica cena entre pai e filha, muitos anos depois, ou ainda ontem?, uma das maiores da História do Cinema.

E Babenco a erguer-se ao nível dos maiores dos maiores em todas as artes, numa carreira incrível e absolutamente inaudita, inclassificável, usando filigrana, tripas, vómito e coração. Sublime.

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