segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Estava a ver “André Valente”, a primeira longa-metragem da Catarina Ruiva. Digo desde já que o filme é bom. Trata-se de um olhar sobre uma fatia de tempo na vida de uma criança e do que a rodeia. Olhar elíptico, austero, delicadamente poético e ao mesmo tempo…livre. Daqueles paradoxos que só o são nos compêndios escolares. Geralmente aprende-se é com quem sabe e Catarina Ruivo aprendeu com um dos que sabe mais, Alberto Seixas Santos (eu poderia andar mil anos neste mundo que não lhe chegaria aos calcanhares…) nomeadamente na montagem desse meteoro chamado “Mal”. Curioso como tanta coisa passou, o que já referi e ainda uma atenção e interesse pelo real, pelas matérias, um todo pensante e de respiração própria e singular habilmente trabalhado pela montagem. Montagem montagem e não simples ligar de imagens e de planinhos. O tempo sente-se e passa, passa mesmo, as coisas mudam, basta estar atento aos pormenores da personalidade da criança.
É interessante e forte, sem dúvida, mas depois dei por mim a pensar: porque é que um filme como “Mal”, já que estou nesta de transversalidades, ou então, outros olhares marcantes sobre a infância, pensei em “O Sangue” (injusto, pensar nisto é pensar no máximo), mas poderia ser coisas da Teresa Villaverde, etc., ficaram a ressoar infinitamente (até hoje) em mim, e o tempo do filme de Catarina Ruivo bater foi quase só durante a projecção? É evidente que a virulência cósmica, infernal, do filme de Seixas Santos é em grande parte assim devido aos temas em que se detém e às personagens que faz viver; é claro que o filme de Pedro Costa está mais do lado dos sonhos e dos pesadelos, das fantasias, dos medos e das revelações, menos interessado no real em bruto. Mas em qualquer um destes dois existe aquilo que penso ser uma transcendência, em sentido lato e grave, qualquer coisa da ordem do segredo, do perigo mesmo. Impossível identificar e cercar tal transcendência. E com isto não estou a meter, como já disse, “André Valente” no terreno do anódino, ou a querer as características dos referidos filmes neste, longe disso. Então, “águas mornas”, “pão simples”? Acho que falta algo, algo a ver com o enigma e o melindroso, algo que adense as superfícies e extravase as bordas. Um odor qualquer. Um ressoar. Um vislumbre ou um contra campo que rasgue o conforto da poesia e da ternura simples. Pelo menos eu sinto isso, faz-me falta que o filme fique, que mexa.

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