sábado, 6 de fevereiro de 2010




Achei meio brutal ter assistido no espaço de uns dias a dois filmes tardios do Paulo Rocha, “O Rio do Ouro” e “Na Raiz do Coração”. Brutal é uma palavra certeira para quase todos os seus filmes, pois é um correlato e resultado da famosa obsessão de PR. O plano sequência, por exemplo, que é o que varre e captura toda a matéria presente no Rio Douro ou na Lisboa alegórica. È qualquer coisa como a delicadeza e doçura de Mizoguchi, mas com a voracidade de um Glauber Rocha (ou coisa que valha, para os dois exemplos). E a chave de tudo isto têm que ser mesmo: matéria (o palpável, o concreto); Paulo Rocha é um devorador esfomeado de matéria, tudo para ele o é, e numa demanda louca vai sempre até ao fundo da propriedades e dos abismos que cada coisa possui singularmente. O seu objectivo será possui-la plenamente no instante em que a escritura actua. Mas atenção, respeitando-lhe os segredos, os mistérios, tudo aquilo que qualquer ser ou coisa têm de opaco e de irrevelável. Era aqui que queria chegar, pois sendo a câmara um objecto febril que responde furiosamente às ânsias e desejos de Rocha, uma das coisas mais desarmáveis e desconcertantes das suas empresas é certamente o pudor com que ele se entrega a certas coisas. Intimidades sobretudo, cenas de sexo em primeiro lugar. Quando estamos próximos disto existe sempre uma distância mais resguardada que o olhar adopta e um corte que produz uma elipse. Isto de modo tão radical como se tivesse sido filmada do modo mais justo ou mais impressionante. E o porquê de Rocha não filmar coisas destas só pode ter uma explicação: se o olhar dele agarra o mundo, a epiderme, a carne e o sangue, com a fome do maior dos famintos, se isso dá aos seus planos e sons uma vibração e uma força próximas do cataclismo e da epifania, jamais o suor e o encaixe dos corpos no acto sexual poderiam aguentar ser assim plasmados para película. Consequência fatal: as bordas do enquadramento e o demais que lá dentro coubesse arrebentariam no paroxismo e o que se notaria seriam somente os estilhaços de uma explosão de energias que prevejo cósmicas. O sexo não será filmável para PR pois nem ele conseguiria aguentar tal libertação de energias nem as técnicas e matérias fílmicas estarão habilitadas a suportar tamanha obsessão e demência. Porque Rocha sempre foi o cineasta do sangue, e o sangue é tudo.

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