sábado, 12 de julho de 2014

 
 
Por “The Racket” rodopia muita mentira, muita corrupção, mascarada, remoinhos armadilhados e visões turvas, em compromissos e subversões de que esta raça nunca se irá livrar, teia funérea onde um ou dois loucos que detestam tudo isso fazem figura de atrasados. Produzido no início dos anos cinquenta por Howard Huges para a sua RKO é um pequeno tabuleiro de relações humanas e de crenças que se vai complexificando na sua naturalidade, no seu quotidiano apanhado pelo rosto, presente fatal sem efeitos de espectáculo que não os do piso com as pulsões combinado. Começa e acaba na mesma rua, sem dar para perceber o crepúsculo e a aurora, e parece durar o dia da eternidade. A narrativa ou a sua confusão não é o mais importante, sim o que teima em manter-se de pé quando tudo resvala à volta. Tratado sobre o medo, o indestrutível tronco Robert Mitchum é o homem de qualidade acompanhado pelo fiel – há sempre alguém que acompanha – Johnson de William Talman, esses que sabem que tal condição se paga com o esquecimento. Esquecimento dos amanhãs, das mulheres em casa, dos filhos, da paz. Ruptura com a danada da vaidade e do outro orgulho. E o mais bonito de tudo é a cantora loira que aparece como a fatalista de um noir, aquela que vai desferir todos os pesadelos, suores e clamar a gadanha da morte, e que progressivamente tem a sorte de se meter com aquilo que sempre lhe deu asco, a honestidade. Então o azar que sempre a acompanhou cai e tal mancha consegue ver a luz que ilumina a sua parte adormecida do bem e do amor, naquele tipo de despertar e salvação que vale a teimosia de manter a humanidade. Numa obra discretíssima que faz disso e da ambiguidade e segredo de raros a sua força, onde o principal creditado na realização é o respeitável John Cromwell, gostaria de acreditar que onde Nicholas Ray (no primeiro encontro com Mitchum mais ou menos pelo tempo de “Macao” e com o mau Robert Ryan, em que apalpou terreno para os pungentes encontros futuros: Mitchum tentaria regressar a casa outra vez em “The Lusty Men”, Ryan queimar-se-ia cada vez mais na sua dilaceração interior rumo a uma ascese delicada nas noites e nas neves de “On Dangerous Ground”) meteu a mão foi na parte em que tudo começa a tremer e então urge a decisão. A violência das decisões. Vence o absoluto do efémero, esse no qual Mitchum coloca em dúvida o descanso de uma suposta vitória pois no dia seguinte volta tudo novamente. Tudo novamente… Depois de ter discorrido sobre a justiça, essa que tarda pois muitos lhe fazem frente, estando assim a discorrer sobre o centro de tudo o que importa, o tempo. Tão forte como a magistral e atónita cena em que a porta se fecha na cara da esposa de Johnson para o encontrar sem vida. Johnson que morreu no mais elevado dos altares, para o parceiro, mulher, criação. Duas cenas que rimam como a abertura e o fecho a que já aludi, nestes eternos-retornos onde permanece quem acredita.

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