segunda-feira, 13 de outubro de 2014




Há nuvens negras que se deslocam apressadamente para o sul
há filas de canas que oscilam e fazem ao vento a elegante reverência da vassalagem.
ou pelo menos da boa educação tudo se anima vibra soa na noite
O vento vai vencendo obstáculos dispõe cada vez de maior espaço
anexa pela violência territórios que ainda há pouco lhe opunham certa resistência
ensaia agora a sua vastíssima valsa na ampla sala da noite
canta uiva produz esse inimitável som impossível de procurar nas páginas dos
dicionários

afina a voz para as mais agudas notas do seu canto dilacerador e íntimo
Virá o dia muitos corpos afastarão finalmente da fronte os últimos véus do sono
muitos olhos procurarão a luz sentirei mais minhas as pontas dos pés
o canto quezilento e quebradiço dos pássaros no pátio nas árvores nos beirais
disputará o lugar à voz do vento nos meus ouvidos
Voltarão primeiro um por um depois em bandos os cuidados
as pontas dos cabelos compridos de mulheres jovens entrar-me-ão para a boca
mas é provável é mesmo muito provável que algures nalguma parte profunda e
perdida do meu corpo
continue vazia arejada e arrumada com o pó limpo uma sala exclusivamente reservada à única pessoa verdadeiramente importante
até que um dia eu para sempre me veja disperso no vento e não passe
talvez de um secundaríssimo instrumento na complexa e simples orquestra do
vento

RB

1 comentário:

José Oliveira disse...

Ruy Belo - Em Louvor do Vento‏

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