quarta-feira, 14 de outubro de 2015


"House of Strangers" raspa a preto e a branco e um homem sai da prisão, não por ter morto outro homem ou coisa parecida, sim por causa do seu Pai e dos seus três irmãos, do Banco milionário e anárquico dessa família, da importância de cada um e, claro, do dinheiro. Max, o irmão estampado na desgraça, foi sempre o favorito do falecido Pai - chefe à antiga, complexo e de justiça bem mais sofisticada e primária do que à primeira vista pode parecer - e largado à bicharia, clama vingança por todos os poros. Esses, os irmãos, ou os estranhos, como arruma o sucinto título, nunca perceberam que o Pai agiu segundo a natureza e a atitude de cada um; que se aproveitou da terra prometida e da liberdade como o canino esfomeado que acha um pasto de ossos; e tenham alguma ou nenhuma razão, decidem fazer-lhe a folha. Só que.. um homem que deita o dinheiro no lixo, é um problema. Um problema. De rajada, Max vai ver como estão os antigos lugares e afectos, começa a perder-se por corredores, túneis, vazios, ciclones, o tempo desenrola-se. Longa recordação que ocupa quase toda a duração do filme. Mas não toda a tensão. O presente continua em grande-plano, e depois de o passado lhe passar pela cabeça e pela alma, como dizem que passa tudo ligeiramente antes de se morrer, torna-se novo. Vê, entre tantas coisas inadivinháveis, que ninguém teve culpa e ninguém teve desculpa, verdadeiramente. E a escrita do genial e subtilíssimo Philip Yordan jorra descontroladamente, os jogos de palavras que são tudo menos jogos, despistes e feridas, coisas certas com palavras erradas e o seu oposto, a propensão sempre falha do confronto verbal em demonstração. Nessa massa de dizeres, olhares, prenúncios, bailados, dito e não dito na sombra e na luz, nasce; como assim só e tanto se nasceu no Cinema Americano passado.

Max toma a mais radical das decisões e dos volte-faces: do homem que atira o dinheiro para a lixeira, volve-se o homem que ama o que importa amar: a mulher que o esperou: torna-se Ele, como a Mãe um dia disse ao Pai que sentia saudades: sermos apenas nós no nosso cantinho. E a moral, o gesto, ou se tornou atómico e tudo levou, ou pelo menos salvou um. Belíssimo final, trágico e ruminante. Joseph L. Mankiewicz, o sonhador e desbravador por uma arte total - imagem e som e palavra e sentimentos a valer o mesmo - concentrou aqui a história na íntegra, dos amantes primeiros até Caim e Abel, dos Imperadores das arenas até aos Colombos, aquela Nova Iorque de todos e a Itália deles, dos Donos do Mundo até Rimbaud. Tudo isso ele faria depois coralmente e cosmicamente, mas já se encontra aqui, 1949, em documento e em ideal ultra concentrado no quadro final - esse horizonte incandescente e o confronto com ele. Total e íntimo, incompreensível e luminoso, estilhaçado e pacificado, como a Cleopatra.

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