quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010


- It feels like... times have changed.
- Times, maybe. Not me.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010


as paredes de Bresson; toda a solidão do mundo mora ali.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O problema de “Avatar” é que está assente e vive numa lógica de equívocos. Por um lado ainda dá para sentir (levemente, mas pronto) a mão de ferro e o saber do homem que transformou “Aliens” e “T2” em objectos seminais; gestos viscerais, possantes, e assim mesmo completamente cristalinos na sua contemplação da acção e do vislumbre do apocalipse. É ainda óbvio que “Avatar”, mesmo ilógico e menor, se distingue completamente das mediocridades infantis de George Lucas. Ou da saga do “Senhor do Anéis”, ou de “Matrix” e “Speed Racer” – filmes ainda sem óculos mas fabricados com a mesma lógica, com a propensão para. O que não aceito (e não compro) em “Avatar” é que sendo formalmente e narrativamente (basicamente “disney”, “pocahontas”; mas o que mais chateia é a literalidade metafórica sobra as guerras e sobre bons e maus) apenas um vislumbre e uma pálida cópia do grande cinema de Cameron, possa ter como caução para uma suposta grandeza e revolução o facto de utilizar a tão propalada terceira dimensão, coisa que mais não é do que uma pomposa palavra – e um brinquedo – que serve apenas para, a cada plano, a cada sequência, ser uma mera demonstração de criatividadezinha e de acumulação (é irritante a quantidade de pormenores e de objectos que muitos ambientes possuem) de efeitos e de “possibilidades” de “magia”; ou seja, um mero catálogo impressionista, um luxo dos “poderosos” e dos “privilegiados” para se fazer de algo que convoca imensos clichés e simplismos, algo singular. Ou seja, a 3º dimensão não serve para absolutamente nada, apenas para chamar a atenção para ela mesma.

Quanto à possível dialéctica entre as narrativas primitivas e a tecnologia de ponta, o velho e o novo, enfim…até poderia ser interessante, isto se realmente não se confundisse primitivismo com maniqueísmo; frescura com exibicionismo. O Mestre Rohmer, com a sua exigência e clarividência, compreendeu isto tão magnificamente, num certo filme tão grande…

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Uma montanha chamada Peckinpah

por Manuel Mozos


Foi no Verão de 1973, numa matinée entre dois gelados do Santini, que vi no antigo Cinema São José, Cascais, Júnior Bonner - O Último Brigão. Eu tinha 14 anos e era o primeiro filme que via de Sam Peckinpah. Gostei do filme, sobre o mundo dos rodeos e o regresso melancólico e nostálgico de um veterano a essas exibições.

Fixei o nome do realizador por achá-lo estranho e engraçado. Só mais tarde soube que Peckinpah era de ascendência índia e que havia uma montanha homónima nos Estados Unidos.Ao longo das décadas de 70 e 80 vi todos os outros filmes de Sam Peckinpah, nas suas estreias em Portugal, em reprises ou nalgumas sessões especiais, em ciclos, na Cinemateca ou cineclubes. Mas vi ou revi quase todos em grandes salas que hoje já não existem: Império, Royal, Éden, Condes, Tivoli, Quarteto, Monumental, etc. Não querendo ser inteiramente irónico, isso até faz sentido: o cinema de Peckinpah só poderia ser visto em ecrãs grandes e magníficos, mesmo se as cópias se partissem, tivessem riscos, faltassem fotogramas e planos ou até cenas inteiras e essas salas já as considerassem obsoletas, com muitos lugares vazios e em vertiginosa decadência, denunciando a passagem do tempo e prenunciando o seu fim com a chegada de outro tempo. Assim são também os filmes de Peckinpah, as histórias dos seus personagens, heróis/anti-heróis crepusculares, resistindo estoica e romanticamente ao seu próprio apagamento e à aniquilação dos seus mundos.

Posso entender que Sam Peckinpah não seja um realizador "agradável", consensual, daqueles que fazem parte das famosas listas dos melhores realizadores do mundo. Percebo que se lhe apontem inúmeros defeitos, algum gosto duvidoso, por vezes abusar de maneirismos, ser excessivo, controverso, truculento, conflituoso, intransigente, ser arrebatado por certos vícios.Mas isso é também como ele é. Não se é bom, nem se é mau, nem melhor, nem pior. Apenas se é. E o que importa é saber isso, essa procura constante de perceber os homens, conhecer os outros e conhecer-se a si mesmo. E é isso, sobretudo, que encontro nos filmes deste tão grande realizador: a integridade e constância na procura da verdade sobre o Homem, com os seus defeitos e as suas qualidades, as suas grandezas e as suas misérias, tão violento e cruel como apaixonado e nobre.

Gosto das 14 longas-metragens que realizou. Claro que há umas que gosto muito, como The Ballad of Cable Hogue, Straw Dogs, The Getaway, Bring me the Head of Alfredo Garcia, Cross of Iron. E há os que gosto ainda mais: The Wild Bunch, Pat Garrett and Billy the Kid e Ride the High Country/Guns in the Afternoon. Mas com todas elas fui sempre aprendendo qualquer coisa mais. E aquilo que mais destaco na obra de Peckinpah são os temas, a amizade, a traição, as amizades traídas, a cumplicidade, a integridade, a honra, a perseverança, a nobreza, o pendor sacrificial, o não haver limites, o romantismo e o hiper-realismo, no lado formal o grande trabalho de montagem, o saber do uso de diferentes objectivas, a utilização de zooms, diferentes velocidades de câmara, o slow motion, a dinâmica entre escalas de planos, os diálogos, os personagens na sua eloquente justeza e dignidade, na sua tristeza, melancolia e nostalgia, os brilhantes castings, os fabulosos actores principais e os maravilhosos e competentíssimos actores secundários, ver em fim de carreira tão enormes actores como William Holden, Robert Ryan, Joel McCrea, Maureen O'Hara, Ben Johnson, Randolph Scott, Ida Lupino, Jason Robards, Ed O'Brien, James Mason, Burt Lancaster, ou o trabalho de outros como Warren Oates, Steve McQueen, James Coburn, Kris Kristofferson, Charlton Heston, Richard Harris, David Warner, Emílio Fernandez, Ally McGraw, Ernest Borgnine, John Hurt, Rutger Hauer, Dennis Hopper, L.Q. Jones, Slim Pickens, Harry Dean Stanton, Dustin Hoffman, Bo Hopkins. Ou mesmo ver Bob Dylan, algo canastrão, em Pat Garrett... para o qual compôs a banda sonora, onde se inclui um dos seus mais belos temas: Knockin'on Heaven's door...

Fico contente que a Cinemateca Portuguesa finalmente dedique um ciclo a Sam Peckinpah, pois até aqui só alguns dos seus filmes haviam passado, mas integrados em ciclos temáticos - ou de homenagens a actores (Joel McCrea, Charlton Heston) ou pela escolha dos espectadores da casa, na rubrica regular O que quero ver (Straw Dogs, 2001); ou a escolha de Miguel Esteves Cardoso (para as 3.ªs-feiras clássicas, 1995, The Wild Bunch), o que me surpreendeu e muito me agradou. Tal como agora vejam o ciclo.

domingo, 31 de janeiro de 2010

hoje, domingo

Paulo Rocha em Serralves, com “A Raiz do Coração”; e a continuação do ciclo Rohmer no Campo alegre. Está feito...

sábado, 30 de janeiro de 2010


Doloroso, ríspido e sincero como quem arranca de dentro do peito uma ferida sem limites. Philippe Garrel, Pascal Laperrousaz e Christian Zachariasen, obrigado por não conhecerem as regras de exposição da película e por conhecerem o Warhol, restantes bandidos e o mudo, só isto.
"este cinema que não faz a vida, mas a vida que faz o cinema e que faz presente do presente"

Jean Douchet
algumas notas rabiscadas sobre o filme do Biette.

- A arte de Biette começa por ser a arte da simplicidade, da clareza, da lisibilidade. Uma certa evidência mesmo. Cineasta clássico que no entanto trabalha a luz e a narrativa sempre na direcção da escuridão e da ambiguidade, do desconhecido, permeando todas as superfícies e pontas (de narrativa, de som, de enquadramento) de possibilidades de complot e de farsa.

- Dito assim é evidentemente um parceiro de Rivette. Sendo impossível negá-lo, é possível estendermos as vistas e os raccords para outros tempos e outras famílias, que podem também ser as de Rivette. Dou-me por mim a pensar nos grandes aventureiros clássicos da velhinha Hollywood, os filmes épicos feitos com tostões e um pouco pela calada, série-b absolutamente precisa, livre, sem medo, perdida e logo cósmica devido aos caminhos a que se aventura a percorrer e às normas que manda às urtigas. É esta a Hollywood ainda possível de existir.

- “Trois ponts sur la rivière” é então um inolvidável filme de aventuras e de viagens digno de um Tourneur ou de um Walsh, de um Lewis ou de um Dwan. Biette é um cineasta resolutamente materialista, conciso, exacto, mas tudo isto passa muito por ser um método bastante prático e justo de resolver as situações e de se adaptar às imprevisibilidades de um cinema completamente aberto à vida, ao mundo, ao imprevisto. A mise-en-scène surge como um princípio que, no imponderável e nos percalços dos percursos e das derivas, permite observar e captar tudo o que surge pela frente com o mais límpido e sereno dos olhares . Permite olhar o mundo na sua essência e claridade (ou obscuridade), coisa que muitos se esqueceram que o cinema pode fazer, de um modo simples e frontal (e formalmente "desarmado") que já nem se pensa que o cinema o pode assim ver porque o vemos assim diariamente (vemos?). Ou seja, é o contrário da dispersão e da falta de um olhar, o contrário das falsas velocidades e dos maneirismos histéricos dos cineastas medíocres. O mais próximo de uma ideia de filme b, que inventa um método e idioma próprio e não copiável.

- Obra de paradoxos e ambiguidades. Obra que na sua aparente linearidade narrativa logo resvala para uma espécie de esboço libertário e incerto (que se autoriza a perder, como naquelas maravilhosas viagens em que não ligámos aos mapas e vamos ao sabor do vento) que permite lançar dois seres às feras e à abstracção da realidade, à jornada paris-lisboa-porto e a uma constatação do caos e dos segredos. Coisa feérica, muito mais próxima dos abismos e do negrume do Tourneur dos zombies e dos feitiços do que qualquer suposta reflexão filosófica que a maior parte viu. Num certo sentido é também um filme fantástico, esotérico, em que ao lado (e por detrás, por dentro, por cima, por baixo, impregnado) das aparências e das lisuras surgem assombramentos e fantasmas (e há por lá muito zombie e muito fantasma feito pessoa, e não me refiro só à Isabel Ruth vinda de “O Sangue”) que estilhaçam qualquer ideia feita sobre qualquer coisa e qualquer “normalidade”. O escuro que invade muitos dos planos, tanto os intimistas como o que aparentemente poderiam ser “turismo”, são só indícios das possibilidades das trevas que ficarão sempre em suspenso nas demarches dos protagonistas. Também por isso o filme parte da cidade da luz para a luz de Lisboa e logo para a escuridão do Porto.

- O que suponho que deve ser um cinema “divertido” e gratificante de ser feito; como nas viagens, descobrir coisas novas e adoptar um olhar. Deixar-se surpreender e fazer jus a essas dádivas. Ter que estar à altura do acontecimento. Era coisa que gostava de fazer.

Jean-Claude Biette é simplesmente a maior descoberta que fiz desde hà muitooooo tempo, incluindo o ano transacto todo. Este “Trois ponts sur la rivière” é sublime, único, especial.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

É certo que não é o Clint de “Invictius” que mais me interessa, e em algumas partes o filme cede realmente a alguns facilitismos e demagogias – falo cinematograficamente – pois o que realmente gosto é quando ele é mais “pequeno” e instintivo – se possível, um homem, uma casita e um bairro qualquer – mas também é absolutamente indesmentível que a câmara de Clint nunca, mas por nunca, se descola da sua vocação primitiva - e aqui já falo de ética, coisa anacrónica por estes dias; quero dizer que está sempre à altura daqueles indivíduos e daquelas massas, daqueles sentimentos; sem décalages ou histerismos, é isso que interessa.
As coisas mais medonhas, ridículas e parolas que hoje em dia se podem dizer sobre um filme é: “aí está um filme que consegue conciliar arte e público”; “ser comercial sem menosprezar a inteligência da audiência”; ou então aquelas tretas sobre o cinema português “comercial” e o “artístico”; os das notas e os do umbigo...

E é o que lamentavelmente mais de 90% dos jornalistas que em Portugal lhe deram (ou foram lá colocados à força) para escrever sobre cinema fazem. Sim, porque a palavra “critica” têm que ser aqui palavra proibida. Era o que faltava confundir tais coisas...

Jornalistas esses que mais nada praticam do que publicidade, tanto ou mais quanto os bonecos das distribuidoras…

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

«Tout bon film est un Bresson»
Ford já me fez muitas destas, para dizer a verdade, com quase cada um dos seus filmes ou das suas palavras. Desta vez foi “The Long Gray Line” que me abanou. Começa logo por ser um dos gestos mais apaixonados de que me apercebi no cinema, qualquer coisa que de facto permite múltiplos espelhamentos entre a vida e os sentimentos de Marty Maher que o filme mostra e o que do próprio Ford conhecemos. Um gesto de amor e de reconhecimento que, como escreveu Luís de Pina, “evita o sentimentalismo em nome do sentimento”; “a pieguice pelo acto da verdade”. E é inacreditável que passando-se tudo entre a academia militar e a sua casa que fica logo ao lado, entre os seus interiores e os seus escassos mas majestosos exteriores, nos apareça de fronte e em tamanho tão gigante como a largura do scope, todo um indizível e inumerável desfilar cósmico de tudo o que terá a ver com o homem, a sua natureza, o mundo e os segredos. Toda esta concentração espacial, toda a mestria com que a vida de Marty vai sendo enquadrada e desvelada – elipses assim tão significantes como sensíveis, na forma como os saltos temporais vão produzindo sentidos e ligações, tão óbvios e inescapáveis como enigmáticos e incompreensíveis – num arco tão aparentemente perfeito como implacavelmente sinuoso e doloroso – o cumulo é Marty a acabar sozinho mas com os “seus” – só mesmo por alguém que acreditava e se interessava totalmente pela capacidade dos homens, da sua humanidade, è o tal lado mítico da crença. No hiato de tempo em que seguimos a entrega do instrutor, passando-se tudo e mais alguma coisa fora dali, guerras mundiais, todos os tipos de guerra, Ford elide tudo isso, todo o possível “espectáculo”, e fica a apontar a sua enorme câmara para aquele ser tão comovente e para tudo o que à sua volta gravita. Do fora só lhe chegam os estilhaços, os “seus” soldados feridos e notícias muito más, por exemplo, mas também luminosidades como a sua família da Irlanda, daí também o porquê de eu achar que naquelas duas horas e pouco que a fita dura se possa vislumbrar o absoluto. Mas obviamente que para se acreditar assim e para se entregar assim, Ford sabia, como nunca ninguém soube, que é preciso capturar tudo o que ele capta com todo o esforço e saber possíveis que isso merece, daí que cada plano, cada composição, cada pormenor, pareçam ter levado uns mil anos a serem erguidos. E, e…já alguma vez se viu cenas de engate como as de Tyrone Power a Maureen O'Hara, a bela?

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Paulo Rocha…

….que é tão grande e singular como qualquer outro dos grandes. E faz-me confusão estar a dizer isto, muita confusão, mas o pessoal – sempre com a ânsia da “Grande História” e das modas – parece estar constantemente a esquecer-se disso. Impossível, pois o sangue, o irracional, a loucura e uma fúria indescritível e desmedida que as imagens e sons do PR possuem jamais alguém fará esquecer…

Agora, toca a pôr na rede o “Mudar de vida” e “A Ilha dos Amores”. Só para começo de conversa…
"Os verdes Anos " do Paulo Rocha no KG

...milagre! para a festa ser completa só faltava alguém lá meter o "Xavier" do Mozos...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

INÉDITOS: LOUIS SKORECKI, OS FILMES E UMA CARTA BRANCA

[terça, 26; quarta, 27; quinta, 28 - Com a presença de Louis Skorecki]

Estreamos em Janeiro uma nova rubrica regular na programação da Cinemateca, "Inéditos", de título perfeitamente descritivo: nela tentaremos apresentar mensalmente pelo menos um filme nunca visto em Portugal em salas de cinema ou, quando fizer sentido, que nunca tenha sido visto na Cinemateca.
Costuma-se falar em "chaves de ouro" quando se trata de fechar alguma coisa em beleza. Mas desta vez a "chave de ouro" serve para abrir. Dificilmente começaríamos melhor esta rubrica do que com a descoberta, em presença do autor, dos filmes de Louis Skorecki, em especial dos seus mais célebres títulos, os da série dos CINÉPHILES, que começou por ser um díptico, depois uma trilogia, e finalmente se transformou em tetralogia, a mais aprofundada, mais crítica, mais terna e mais severa abordagem filmada da cinefilia como fenómeno cultural (e psicológico).
Esse mundo, Skorecki conheceu-o bem. Trata-se de um dos últimos grandes nomes daquela geração da crítica de cinema francesa que ainda se banhou nas águas da cinefilia clássica e fundadora, a dos anos 50/60. Contemporâneo e amigo de Serge Daney, um dos seus primeiros trabalhos de monta para os Cahiers du Cinéma (onde escreveu entre o princípio dos anos
60 e o final dos anos 70) foi uma viagem a Hollywood de onde voltaram (ele, que ainda assinava com o pseudónimo Jean-Louis Noames, e Daney) com reportagens e entrevistas feitas a Howard Hawks, Raoul Walsh, Samuel Fuller e outros cineastas americanos, textos e documentos que se lêem hoje como um dos primeiros grandes impulsos para uma "história oral" do cinema clássico americano.
Tal como Daney, também Skorecki se mudou para o Libération no princípio da década de 80, não sem antes deixar publicado nos Cahiers, em 1978, o seu mais célebre e discutido artigo, "Contre la Nouvelle Cinephilie", que fortemente associava a cinefilia à experiência da sala e à coexistência de um determinado grupo de pessoas no mesmo sítio, durante o mesmo tempo e perante o mesmo filme – mais tarde Skorecki ensaiou uma versão filmada deste artigo, que também vamos ver. No Libération Skorecki dedicou-se essencialmente a uma pequena crónica diária sobre filmes encontrados na programação das televisões francesas. Estas pequenas crónicas, muito curtas mas buriladas na perfeição, tornaram-se objecto de um culto que se expandiu (mundialmente, pode-se dizê-lo) a partir do momento em que o "online" deixou o Libération disponível nos quatro cantos da Terra. Num estilo inconfundível que casava a teoria e a emoção, o saber e as idiossincrasias do gosto, a altivez e o sentido de humor, estas crónicas (de que foi publicada, no final dos anos 90, uma compilação em livro, Les Violons ont Toujours Raison) perfazem uma espécie de súmula da crítica (e da poética) de Skorecki, havendo aliás vários
ecos em comum entre elas e os seus filmes. Skorecki saiu do Libération em 2007, na sequência do processo conturbado que o jornal atravessou. Fez disso o assunto (ou o pretexto) do seu último filme, SKORECKI DÉMÉNAGE.
E já que o tínhamos aqui na Cinemateca para mostrar os seus "inéditos", demos-lhe uma "carta branca". Para começar, Hawks e Walsh, dois cineastas da sua especial predilecção (sobre Walsh tem um belíssimo ensaio publicado em livro, Raoul Walsh et Moi). O resto das suas escolhas, e porque o calendário ditou que assim fosse, fica para Fevereiro.

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LES CINÉPHILES 1: LE RETOUR DE JEAN
de Louis Skorecki
com Marie Nester, André Nouhaem, Pierre Léon, Vladimir Léon
França, 1988 - 70 min / legendado electronicamente em português

LES CINÉPHILES 2: ERIC A DISPARU
de Louis Skorecki
com Sébastien Clerger, Noémie Lvovsky, Nathalie Joyeux, Pierre Léon
França, 1988 - 54 min / legendado electronicamente em português

Com estes dois filmes, rodados por ordem inversa da sua numeração, se iniciou aquilo que cerca de vinte anos mais tarde se veio a tornar uma série, ou antes, e nas palavras de Skorecki, uma “saga”, sobre “as baboseiras de uma tribo de cinéfilos, e sobre os seus costumes (poéticos, téoricos, sexuais)”. O elenco foi recrutado entre autênticos “cinéfilos”, frequentadores dedicados e obsessivos das salas de cinema parisienses, uma delas a da Cinemateca Francesa (em cujas imediações, autenticidade “oblige”, alguns planos foram filmados). Com as suas cenas assentes em diálogos (nem todos sobre cinema; muitos sobre os relacionamentos dentro da “tribo”),
formando e desfazendo pares de personagens à medida dos encontros e desencontros, LES CINÉPHILES fala da cinefilia e da disposição (psicológica) para a cinefilia, em seriedade e irrisão, num humor crescentemente percorrido por uma espécie de tristeza. Sem falsas modéstias, Skorecki afirmou que o único outro filme que trata verdadeiramente da cinefilia é o LES SIÈGES DE L’ALCAZAR de Luc Moullet.

Sala Dr. Félix Ribeiro
Ter. [26] 21:30


RIO BRAVO

Rio Bravo
de Howard Hawks
com John Wayne, Dean Martin, Ricky Nelson, Angie Dickinson, Walter Brennan
Estados Unidos, 1959 141 min / legendado em espanhol

Um dos mais famosos westerns de sempre, e a obra-prima de HowardHawks, que o fez em resposta a HIGH NOON de Zinnemann. Um grupo de homens com uma missão a cumprir é o tema geral dos filmes de aventuras de Hawks, neste caso a de manter a ordem numa pequena cidade, e levar a julgamento um assassino. Mas é também, como todos os filmes do realizador, uma fabulosa variação sobre a “guerra dos sexos”, com um fabuloso duelo verbal entre Wayne e Angie Dickinson.

Sala Dr. Félix Ribeiro
Qua. [27] 19:00


LES CINÉPHILES 3: LES RUSES DE FRÉDERIC
de Louis Skorecki
com Julien Naveau, Axelle Ropert, Louis Rostain
França, 2006 - 32 min / legendado electronicamente em português

LE RETOUR DES CINÉPHILES
de Louis Skorecki
com Axelle Ropert, Nathanaëlle Viaux, Sarah Hams
França, 2008 - 52 min / legendado electronicamente em português

CONTRE LA NOUVELLE CINÉPHILIE
de Louis Skorecki
com Xavier Villetaird, Edouard Waintrop
França, 1984 - 70 min / legendado electronicamente em português

Quase vinte anos depois, e com o objectivo de estabelecer uma trilogia para a edição DVD da série dos CINÉPHILES, Louis Skorecki acrescentou um terceiro tomo, LES RUSES DE FRÉDERIC. É um estilo diferente (mais “téorico”) do dos dois primeiros, e muito marcado pelos temas da transmissão e da passagem. Com o que “sobrou” deste terceiro filme e ficou de fora da montagem final concebeu Skorecki um quarto episódio, LE RETOUR DES CINÉPHILES. A sessão fecha com CONTRE LA NOUVELLE CINEPHILIE, que Skorecki descreve como a “demolição” do seu célebre artigo homónimo escrito para os Cahiers du Cinéma em finais dos anos 70. “Alguma coisa de inteligível sobrevive ao desastre? Eu acho que sim”.

Sala Dr. Félix Ribeiro
Qua. [27] 21:30


L’ESCALIER DE LA HAINE
de Louis Skorecki
com Pierre Brody, Thérèse Giraud, Joseph Morder, Louis Skorecki
França, 1982 - 41 min / legendado electronicamente em português

SKORECKI DÉMÉNAGE
de Louis Skorecki e Raphael Girault
com Louis Skorecki, Louis Rostain
França, 2009 - 63 min / legendado electronicamente em português

“O mais pessoal dos meus filmes (e o preferido do meu amigo Daney)”, diz Skorecki de L’ESCALIER DE LA HAINE, espécie de fábula (Skorecki interpreta a personagem de um rato…) sobre um grupo de personagens que habita o mesmo espaço acreditando que os outros não estão lá. Se este é uma fábula, SKORECKI DÉMÉNAGE, último título acrescentado à filmografia skoreckiana, é uma efabulação em torno dos acontecimentos que precipitaram a sua saída do Libération, para onde escrevia desde o princípio da década de 80.

Sala Dr. Félix Ribeiro
Qui. [28] 19:00


LES PIEDS DANS LES NUAGES (ET LA T TE DANS LA LUNE)
de Louis Skorecki
com Laura Matthews de Saint-Phalle, Emmanuel Crimail
França, 1966 - 20 min / legendado electronicamente em português

EUGÉNIE DE FRANVAL
de Louis Skorecki
com Françoise Grimaldi, Cécile Le Bailly, Elisabeth Boland, Louis Skorecki
França, 1974 - 105 min / legendado electronicamente em português

Louis Skorecki descreve EUGÉNIE DE FRANVAL (adaptação de Sade) como o seu filme “mais formalista, o único a ter circulado nas cooperativas de cinema experimental”, assente num conflito entre a banda de imagem e a banda de som. LES PIEDS DANS LES NUAGES foi, “sob a influência do BANDE À PART de Godard”, a sua primeira aventura como realizador de cinema.

Sala Luís de Pina
Qui. [28] 22:00


BAND OF ANGELS
A Escrava
de Raoul Walsh
com Clark Gable, Yvonne de Carlo, Sidney Poitier
Estados Unidos, 1957 125 min / legendado electronicamente em português

BAND OF ANGELS, situado num contexto semelhante ao de GONE WITH THE WIND, conta a história de uma mulher branca que descobre, quando lhe morre o pai, que a mãe era negra. É vendida como escrava a um aventureiro. A escrava e o seu senhor terão de assumir o seu passado para conquistar a liberdade.

Sala Dr. Félix Ribeiro
Sex. [29] 21:30

domingo, 24 de janeiro de 2010




Ángel Díaz’s documentary The Lost Sorrows of Jean Eustache (1997; May 14 at 7 p.m. and May 15 at 9 p.m.) concentrates on Eustache as cinematic thinker and archivist of his own life. Actors read texts written by Eustache, including the following reflection: “The role of the author in cinema should be one of non-intervention.” This sentence reminds us that he belongs to the greatest of film traditions (he cites Griffith, Renoir, Dreyer, and Lang as his models), the one that sees cinema as a matter of placing the camera in front of reality and capturing it ardently, precisely, and without tricks.

sábado, 23 de janeiro de 2010



(...)

Hoje parece-nos precisamente o contrário. My Darling Clementine, no seu assombroso classicismo, é um dos momentos mais altos do mito do Oeste Americano, com o profundo enraizamento dos homens na terra e nos grandes espaços e com a poesia suprema em que o muito complexo emerge, como sempre sucede nas grandes sagas, do mais simples e linear. Evidentemente, o filme que vamos ver nada tem de “desmistificador” e separa-se claramente do chamado “western psicológico” tão em voga na década seguinte. Mas como pedir desmistificação a um homem que acreditava no mito e sobretudo no mito do homem livre, independente e visceralmente íntegro, a que, para sempre, na obra de Ford, o rosto de Fonda – em westerns ou não – ficou ligado?

(...)

Mas, se o filme é um filme sobre Fonda, a sua darling Clementine e o seu odiado Clanton, nenhum dos outros personagens é abandonado ao esquematismo. Victor Mature, que tantos consideraram um “canastrão”, é, como “Doc” Holliday, e, sobretudo por contraposição a Fonda, a criatura de dilacerações e da divisão, homem de muitas imagens frente à imagem una de Fonda. Linda Darnell, em breves apontamentos, é uma das grandes figuras de mulher da história do Oeste americano, tão mítica como os homens que a rodeiam. E a sua oposição a Clementine será tudo menos maniqueísta ou simplista. E nenhum maniqueísmo ou simplismo, mas antes a densidade da suprema poesia, assiste aos múltiplos secundários, tão arquetípicos como renovados e originais: repare-se apenas no fabuloso personagem da não menos fabulosa sequência do “To be or not to be”.

(...)

JOÃO BÉNARD DA COSTA

..........

(o tal western que traz o cheiro das flores do deserto; de facto maior, muito maior, do que o grande ecrã)

Era Lisandro Alonso quem deveria ter realizado “The Road”, ou então José Nascimento. (neste caso dispensaria alguém com celulóide nas veias - Carpenter, por exemplo – e preferiria alguém que mandasse lixar o “cinema”)
E acho que o filme nem é nenhuma excrescência. Excrescência tipo “Children of Men”, digo. Até porque lá dentro – no meio das convenções da decoupage, da narrativa e da música – existem pequenos pedaços atmosféricos bem esgalhados, e que só não ascendem a outros voos pois a máquina industrial não permite que o tempo e a duração se sintam, se façam matéria, se deixem ficar e perder. Liberdade e perdição, é o que falta. A liberdade da perdição.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Pedro Costa (filmes da década)


Tous les films de Danièle Huillet et Jean-Marie Straub

Presque tous les films de Jean-Luc Godard

Va et vient, João César Monteiro, 2003

M/Other, Nobuhiro Suwa, 2000

Platform / In Public, Jia Zhang-ke, 2000/2001

Fengming: chronique d`une femme chinoise, Wang Bing, 2007-2009

Numéro Zéro, Jean Eustache, 1971 (sorti en 2003)


(agora sim, lista correcta, faltava o Bing)