Ossos, Pedro Costa, 1997
Goodfellas, Martin Scorsese, 1990
Heat, Michael Mann, 1995
The Taste of Cherry, Abbas Kiarostami, 1997
Histoire(s) du cinema, Jean Luc Godard
Saving Private Ryan, Steven Spielberg, 1998
Pulp Fiction, Quentin Tarantino, 1994
Unforgiven, Clint Eastwood, 1992
Crash, David Cronenberg, 1996
Vale Abraão, Manoel de Oliveira, 1993
a seguir:
Clockers, Spike lee, 1995
Escape From L.A, John Carpenter, 1996
Boogie Nights, P.T.Anderson, 1997
Le Bassin de J.W, J.C.Monteiro, 1997
The Thin Red Line, Terrence Malick, 1998
Breaking the Waves, Lars Von Trier, 1996
Bad Lieutenant, Abel Ferrara, 1992
Os Mutantes, Teresa Villaverde, 1998
Seven, David Fincher, 1995
Terminator 2: Judgment Day, James Cameron, 1991
Snake Eyes, Brian de Palma, 1998
Ghost Dog: The Way of the Samurai, Jim Jarmusch, 1999
Chungking Express, Wong Kar Wai, 1994
Little Odessa, James Gray, 1994
Darkman, Sam Raimi, 1990
La Cérémonie, Claude Chabrol, 1995
Fin août, début septembre, Olivier Assayas, 1998
Point Breack, Kathryn Bigelow, 1991
The Straight Story , David Lynch, 1999
Bullet in the Head, John Woo, 1990
The Mission, Johnny To, 1999
Sonatine, Takeshi Kitano, 1993
Fargo, Coens, 1996
Gummo, Harmony Korine, 1997
Kids, Larry Clark, 1995
....
Como era meu desejo iniciar uma corrente, passo o desafio ao Daniel, ao Tiago e ao Luís.
P.S: a minha lista é uma tentativa entre o que foi importante para o desenvolvimento das formas e das narrativas e o que me tocou para além de tudo.
sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
Classicismo…
Pode haver coisas maiores nas obras de dois dos mais furiosos e esfuziantes classicistas, mas duvido que haja objectos mais tocantes e calorosos do que estes; praticamente do mesmo ano, são para mim, dois dos mais impressionantes retratos do humano: em Preminger o fabuloso Dana Andrews – a personagem que mais pode rimar com o Bogart de In A lonely Place – vulcão que tudo leva á frente, mas tão tocante e humano no seu desenvolvimento filme adentro – o acontecimento que tudo muda, a mulher que conhece; parece o filme de Ray, mas é tudo Premingeriano até á medula; a tal arte da sugestão, com o enquadramento a ser fundamental como revelador da acção e do pensamento; e tão sofisticado na sua decoupage que é inimitável;
E que dizer de Beyond the Forest, filme já a caminho de uma modernidade, com a megera mais sublime da história do cinema; espécie de ascensão e queda, tudo ao acelerador, de uma mulher que tudo quer e tudo deseja deixar para trás; momentos antológicos como as cenas do lago, na grande cidade ou o fabuloso final frente ao comboio já não se fabricam. Tudo de uma luminosidade que vale por ela mesma.
É Bette Davis inadjectivavel, forte como a Jennifer Jones de Duel in the Sun; volátil como natalie Wood no Rebel Without a Cause;
Dois filmes que poderiam ser de Ray? Talvez, mas são para mim cumes da arte de cada um destes mestres.
É Bette Davis inadjectivavel, forte como a Jennifer Jones de Duel in the Sun; volátil como natalie Wood no Rebel Without a Cause;
Dois filmes que poderiam ser de Ray? Talvez, mas são para mim cumes da arte de cada um destes mestres.
Todos os filmes são quase filmes de cowboys...
Porque para mim Convoy será sempre o último grande Western crepuscular de Peckimpah, tão violento como Bunch, tão magnificamente paisagístico como Patt Garret, aqui fica a minha homenagem a este filmaço, obra-prima do último dos rebeldes.
P.S: o mais belo poema do mundo serviria para tanta coisa de Hellman, de Penn; de Stallone, o Hatari do Hawks; a Taberna do Irlandês do Ford; até ao último filme de Gray (ai aquelas caçadeiras); ou o último dos Coens
Poema de Brum do canto adaptado pelo meu grande Amigo Luís Carneiro
...
«Todos os filmes são quase filmes de cowboys. Nem todos têm cavalos, nem tiroteios, nem emboscadas pela calada da noite, nem assaltos às carruagens. Quase sempre têm a rapariga, têm o rapaz, têm o mau, têm o bom, perseguissões, pancadaria, telhados a abater, amor à tardinha. Têm aquele ritmo feroz e ofegante, pai de todo o cinema. Violenta, risonha, triste, amável, angustiosa, mas sempre dinâmica, sempre contrastada com a própria essência da vida. »
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
para desmistificar…
…se é que alguém se convenceu mesmo. Gone Baby Gone, estreia na realização de Ben Affleck até é bem razoável, calmo, bem feito, seco e tal…mas não, nada a ver com Clint Eastwood.
Ao começar parece que sim, aqueles bairros, aquela humildade da movimentação da câmara (Estwood, logo Hawks e a recusa de comentar a técnica), personagens sem grandes ambições e tudo muito sombrio.
Sim, parece Mystic River, mas não é, falta a chama e o fogo para as emoções serem gritadas – no caso em comparação, sussurradas – á flor da pele.
Falta a duração e a profusão óssea dentro do plano.
Mas não íamos pedir isso a Affleck logo á primeira, e todo o filme estando longe dessa fasquia, mantêm um ritmo e uma consistência óptimas no seu todo – mesmo as reviravoltas, que poderiam soar espertinhas estão bem orquestradas.
De resto alguns flashs metidos a martelo e tal…
O extraordinário está nos actores, muito bem Casey Afleck, na sua suposta acalmia, mas fervilhante por dentro, mas acima de todas as coisas: Michelle Monaghan, fabulosa na gestão de equilíbrios e das emoções da personagem de Casey…personalidade de aço em corpo de porcelana.
Mas não há que empolar, é apenas um bom filme.
Ao começar parece que sim, aqueles bairros, aquela humildade da movimentação da câmara (Estwood, logo Hawks e a recusa de comentar a técnica), personagens sem grandes ambições e tudo muito sombrio.
Sim, parece Mystic River, mas não é, falta a chama e o fogo para as emoções serem gritadas – no caso em comparação, sussurradas – á flor da pele.
Falta a duração e a profusão óssea dentro do plano.
Mas não íamos pedir isso a Affleck logo á primeira, e todo o filme estando longe dessa fasquia, mantêm um ritmo e uma consistência óptimas no seu todo – mesmo as reviravoltas, que poderiam soar espertinhas estão bem orquestradas.
De resto alguns flashs metidos a martelo e tal…
O extraordinário está nos actores, muito bem Casey Afleck, na sua suposta acalmia, mas fervilhante por dentro, mas acima de todas as coisas: Michelle Monaghan, fabulosa na gestão de equilíbrios e das emoções da personagem de Casey…personalidade de aço em corpo de porcelana.
Mas não há que empolar, é apenas um bom filme.
velocidades dramáticas
Há cineastas, que parecendo a antítese perfeita um do outro, são para mim uma e a mesma coisa.
Falo de dois Americanos: Gus Van Sant e Spike Lee.
Falo de dois Americanos: Gus Van Sant e Spike Lee.
O primeiro têm conseguido mais consensos, mais admiração, é hoje, por exemplo, um dos protegidos máximos dos Cahiers du Cinema.
Spike é complicado, divide sempre, quase sempre, as opiniões, e já não falo dos epítetos mais óbvios que geralmente são lançados á sua obra.
Spike é complicado, divide sempre, quase sempre, as opiniões, e já não falo dos epítetos mais óbvios que geralmente são lançados á sua obra.
Há no entanto um elemento fundamental no cinema, que parecendo distancia-los, os aproxima teoricamente, e faz com que sejam o genial oposto um do outro e a mesma coisa ao mesmo tempo, e dois grandiosos cineastas: velocidades dramáticas; gestão dos tempos pela montagem em comunhão com os propósitos em jogo, com as suas personagens e o turbilhão que lhes perpassa a alma. E é isso que dá o ritmo ao filme, que o acelera e o desacelera.
Para não dispersar, concentro-me em dois filmes, que são para mim o ponto máximo de tudo isto.
Para não dispersar, concentro-me em dois filmes, que são para mim o ponto máximo de tudo isto.
Paranoid Park (de que tanto tenho falado) e que vai recebendo os mais variados elogios, e He Got Game, o mais fabuloso dos fabulosos filmes de Spike, e o mais esquecido. (o facto de nunca ter estreado em Portugal, é um escândalo tremendo)
Histórias simples: no filme de Gus, um jovem Skater iniciante, comete um homicídio involuntário, com a sua prancha, e decide calá-lo, metê-lo para dentro.
He Gote Game conta a história de um homem (Denzel Washington, fabuloso) que está preso por ter assassinado a sua mulher, e que é solto por pouco tempo, para tentar convencer o seu filho, a maior promessa do Basketball americano, a assinar pela equipa cujo proprietário é nada mais, nada menos, que o chefe da prisão.
Histórias simples: no filme de Gus, um jovem Skater iniciante, comete um homicídio involuntário, com a sua prancha, e decide calá-lo, metê-lo para dentro.
He Gote Game conta a história de um homem (Denzel Washington, fabuloso) que está preso por ter assassinado a sua mulher, e que é solto por pouco tempo, para tentar convencer o seu filho, a maior promessa do Basketball americano, a assinar pela equipa cujo proprietário é nada mais, nada menos, que o chefe da prisão.
E são as pulsões interiores, as indecisões, os ferimentos, mágoas, pressão do tempo, etc…que vão ditar o ritmo dos dois filmes, e que os académicos poderão utilizar a palavra (que eu adoro) desequilibrados.
Em Spike, as acelerações vertiginosas (como nesse também fabuloso Clockers), bem como o exagero cromático, advêm sempre da pressão que o facto de ter rapidamente de fazer uma escolha impõe, a acalmia está reservada para os confrontos familiares, ou então para a pura contemplação do jogo em questão, do bailado; e neste aspecto as duas velocidades quando entram em choque, bem como a utilização de banda sonora tão dispare como os Public Enemy ou o classicismo de Aaron Copland produzem os seus próprios efeitos e fissuras, implodem subtilmente o próprio filme e fazem-no entrar em puro êxtase.
No filme de Van Sant, fixemo-nos no primeiro plano: uma cidade a fervilhar, acelerada; depois entramos na história do rapaz que calou um crime; e será sempre nesse confronto, entre o interior deprimido e desesperado do miúdo, e a cidade que não para, que um choque de velocidades e ritmos entrarão em confronto.
O ritmo interior do rapaz é quase sempre dado ao retardador e é ele que impõe o próprio ritmo do filme; a normalidade bem do meio ou dos que fazem o seu trabalho – o policia; a namorada, ou o mais importante: o mundo lá fora que não pára.
Reparemos então na música, tão contrastante e tão apropriada a cada situação.
No filme de Van Sant, fixemo-nos no primeiro plano: uma cidade a fervilhar, acelerada; depois entramos na história do rapaz que calou um crime; e será sempre nesse confronto, entre o interior deprimido e desesperado do miúdo, e a cidade que não para, que um choque de velocidades e ritmos entrarão em confronto.
O ritmo interior do rapaz é quase sempre dado ao retardador e é ele que impõe o próprio ritmo do filme; a normalidade bem do meio ou dos que fazem o seu trabalho – o policia; a namorada, ou o mais importante: o mundo lá fora que não pára.
Reparemos então na música, tão contrastante e tão apropriada a cada situação.
E pronto: para mim são uma e a mesma coisa: são os ritmos dos personagens e o que em jogo está, que nos dois cineastas, são os responsáveis pela duração, pelo ritmo. E isso é a especificidade do cinema. A Montagem. Caro Godard dixit.
Além de serem formalistas arrebatadores, la “mise-en-scène”, pois claro, as angulações, o que está in, etc. a jogarem papel decisivo…
Além de serem formalistas arrebatadores, la “mise-en-scène”, pois claro, as angulações, o que está in, etc. a jogarem papel decisivo…
*para os desatentos estou no campo das formas.
porque me apetece…
…porque prometi a mim próprio que ia conseguir ver todo o John Ford (já pouco falta, felizmente) aqui deixo umas imagens do que mais me impressionou nos últimos tempos.
E não escrevo nada, está tudo e mais alguma coisa no livro do Bénard da Costa.
P.S: Mida Filmes, tá na altura de editarem o 7 Woman.
*They Were Expendable, 1945
*Sergeant Rutledge, 1960
*7 Women, 1966
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
arte da mise-en-scène
«…como verdadeiro social-democrata, e profundamente secular, achava ultrajante que uma tão maravilhosa “mise-en-scène” pudesse estar ao serviço de um assunto tão inútil.»
J.L.G
Estas ideias de Bazin referem-se a “Shadow of a doubt” e a “Notorious”…eu penso mais em”
The Lady Vanishes” ou “Life Boat”, puros gestos estilísticos, ou como lhe prefiro chamar: a arte da mise-en-scène, que muitos julgam não bastar por si.
Ainda ontem, em conversa com um grande cinéfilo, nos lembramos de como João Lopes, ao considerar Casino, de Scorsese, o melhor filme dos anos 90; ou como em qualquer outro lado ele defendia o “Ocean´s 11”, de Soderbergh, como uma portentosa lição de mise-en-scène, precisamente, dizendo qualquer coisa como: «quando Picassso pintava uma peça de fruta, todos achavam uma obra-prima” (cito de cor); ou de como ligava o mesmo Casino á obra, precisamente de Hitchcock ou de Godard: “Repor a ordem no caos que é este mundo”.
A minha opinião é esta: hoje em dia haverá, ainda mais que no período clássico, um elemento que têm que prevalecer junto da pura mise-en-scène ou exercício estilístico: a duração; ou gravidade.
É o que separa, por exemplo, os excepcionais planos do filme dos Coen, dos planos dos anúncios dos perfumes, ou do Moulin Rouge.
A arte da duree. De fazer durar uma imagem, de a ligar com a seguinte, com uma lógica intrínseca.
E se estes filmes, que tanto amo, do Hitch, como amo o Notorious, os propósitos, ou o assunto não tem a gravidade ou a vertigem de objectos como “Vertigo”, ou mesmo coisas mais lúdicas como “Correspondente de Guerra”, valem pelo absoluto domínio da arte mais primordial do cinema: pôr em cena (ambos começam com monumentais planos sequência; e o beijo mais virtuoso que o cinema já produziu no filme de 1946) ; bem como daquilo que o distingue das outras artes: a montagem, o trabalho sobre o tempo. E são filmes preciosos e monumentais.
Mas é preciso o génio, o génio, para quê? Para que não resvale para a palhaçada inútil.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
Michael Mann e “Miami Vice” como ponto de chegada
No tempo em que Rohmer e Rivette eram ainda somente analistas, ou seja, pelos anos 50, na pré Nouvelle Vague, na pré modernidade absoluta do cinema, diziam eles que na história do cinema havia somente dois cineastas que transformaram a forma no tema principal das suas obras, que ao a elevarem, ás formas, a proporções nunca antes imaginadas reverteram todos os pressupostos – o trabalho sobre as formas transformava-se no conteúdo.
Falavam de Eisenstein e de Hitchcock.
A propósito de Miami Vice de Michael Mann têm-se escrito coisas parecidas, têm-se exaltado a forma, diz-se que é cinema futurista, obra-prima das novas técnicas visuais e sonoras, e é impossível não concordar.
Diz-se ainda – e neste ponto chega-se ainda mais perto das formulações de Rohmer e Rivette – que Miami Vice é de tal maneira trabalhado, estilizado na sua forma, a violência e revolução da forma, claro está – as movimentações impossíveis da câmara, a montagem cortante, etc. – e que é precisamente esta violentação executada através dos mais modernos materiais e das novas técnicas, dos instrumentos nunca antes aplicados ao cinema que nasce uma matéria em que a «malaise» e os medos das sociedades modernas aparecem sobre o ecrã a uma luz nunca antes experimentada – por isso a revolução, mais do que isso a revelação.
E neste ponto também nada a objectar, é das coisas mais fascinantes, de facto.
Mas acontece que se fosse só por isso que o filme fosse extraordinário – e não seria pouco – poderia surgir o fantasma da desconfiança.
Que desconfiança? É que Mann sempre foi um cineasta que dividiu opiniões, mais do que isso sempre gerou mal entendidos, os seus detractores proclamam precisamente o atrás referido, que em Mann, cineasta dito obsessivo, ultra controlador, só a técnica interessa, só a utilização do novo e do revolucionário, desprezando os actores e a substancia – «style over substance» gritaram algumas vozes.
E mesmo nas suas obras máximas essas vozes defenderam a sua – em “Heat”, o seu filme mais poético, lancinante, verdadeiro épico das crenças e das obsessões, filmado com uma precisão tal que paradoxalmente se libertava de todos os pressupostos e se transformava em algo, apetece dizer «Antonioniano», deste modo reforçando a importância da cidade e da noite na obra do cineasta, a cidade como revelação da contemporaneidade, dos fluxos e do ar do tempo, a noite como reflexo das suas sombras, ambiguidades e solidões.
Neste fresco trágico moderno muito viram no duelo de monstros entre Pacino e De Niro como um pretexto para Mann elaborar um jogo banal e gratuito de inovação formal.
O mesmo se passaria pelo menos em duas grandes obras seguintes.
Em “The Insider” o que foi uma cruzada pelo liberalismo jornalístico, muito anos 70 (ao jeito de Pakula ou Lumet) – funcionando a questão do tabaco quase como um «mcguffin» – pelo direito á verdade, a toda a verdade, aproximando-se o cinema do americano do radicalismo de Lang ou de Chabrol no que a esta questão diz respeito, com um Russel Crowe frágil e comovente – a rimar com o Farrel de Miami Vice – as mesmas vozes falaram de filme moralista em que a quase invenção de uma linguagem e estética insólita aplicada ás flutuações psicológicas dos protagonistas foi vista como simples e fútil pirueta estilística.
Passaram uns anos e Mann, o poeta da cidade, apostou em filmar a história de um assassino que se passeia por Los Angeles dentro de um táxi com a função de terminar algumas vítimas.
Tudo filmado com as mais recentes câmaras de alta definição, para deste modo conseguir um tal nível de ultra realismo e de sujidade que servissem o pretexto e reforçasse o universo e a obsessão de Mann pela grande metrópole e pelas personagens dúbias.
Apareceu então o epíteto de cinema do futuro, do formalismo aplicado a um vilão que proclamava filosofia existencial gratuita, de um final á “Terminator”, de inovação injustificada e frívola – mas o que passou ao lado foi outra vez uma visão assustadoramente real e complexa sobre o Grande: grande cidade e grande escuridão, das personagens, da paisagem – grande ambiguidade sobretudo.
E do Pequeno dentro do grande: o espaço claustrofobico do táxi onde grande parte da acção se desenrola, o clube de Jazz, o metro, etc…
Grande e pequeno orquestrado de forma significante, da maneira como o homem é absorvido e condicionado pelas grandes metrópoles – tudo isto apareceria em “Miami Vice” sublimado.
E aqui, como em Miami Vice, o ultra realismo surge investido de um assustador paradoxo – por um lado quer-nos fazer ver nitidamente toda uma nova realidade, por outro lado esse nível de nitidez é tal, já não há a subtileza da película para ninguém, que o que vemos já é outra coisa, já é pura abstracção sobre uma tela que é o ecrã, pintura do real, difusa e anti maniqueísta – cinema das imagens, do lado de Eisenstein se quisermos simplificar.
Voltando atrás, Miami Vice é inquestionavelmente um filme de inovações, uma coisa absolutamente nova, em estado nascente, e o trabalho sobre a forma já valeria por si, bem como a assombrosa utilização das novas câmaras de altíssima definição, mais do que isso, da sua violentação…
Violentação? Sim, no sentido em que as câmaras utilizadas – a famosa Thompson Viper, que Fincher também utilizou de maneira oposta em “Zodiac” – é sobretudo, e ainda, pelas suas dimensões, pelo seu peso, etc. uma câmara de estúdio, tanto para cinema como para televisão.
Ora o que Mann fez, foi leva-la para a rua, literalmente e em todos os sentidos – tirar a câmara do seu ainda meio original, da maneira controlada e subtil, e praticamente imóvel como em estúdio é utilizada, e puxa-la a todos os extremos, usa-la da mesma maneira como se usam as mais modernas, leves e flexíveis câmaras de película Panavision. No fundo, submeter o peso da câmara de alta definição, da mesma maneira, ou ainda mais além, sem dúvida, como trabalhou nos seus filmes em película, em “Heat”, por exemplo.
Não há dúvida, que estilisticamente, o tão famoso trabalho de câmara do cinema de Mann, nunca como em “Miami Vice” foi tão vigoroso, dinâmico e febril mesmo, um trabalho de uma puissance inexcedível.
Mas não dá para deitar fora o resto e dizer que Mann é o mais brilhante cineasta de acção contemporâneo, o maior estilista sobre superfícies planas, espécie de Don Siegel do século XXI ou coisa parecida – é redutor, como redutor seria não considerar Siegel um dos grandes cineastas do seu tempo.
È que por dentro ou a par do que nunca antes foi visto existe um duplo movimento que importa reter e que é das coisas mais emocionantes que o cinema, americano ou não, captou ultimamente, é o centro do filme, o eixo sobre o qual tudo gira: por um lado os dois agentes vagueiam numa utopia diria também ela moderna, acreditando sucessivamente que conseguirão lutar contra algo que os ultrapassa, que os esmaga, algo avassalador e sem fim á vista – o mundo da criminologia, do tráfico de drogas, as infiltrações, a corrupção, etc…
No sentido contrário não podem dispensar obviamente o seu lado humano, as relações e as paixões – como amar alguém na mais profunda instabilidade? Como sair da flutuação que o mundo onde estão inseridos obriga terminantemente? Como garantir um futuro ao lado de alguém?
E é nesta dialéctica que o filme se engrandece e se torna comovedor, se por um lado o “eu” dos agentes têm a necessidade de continuar a cruzada contra todos os males, a jogar contra isto está a necessidade dos afectos, a necessidade do amor, do mais básico e necessário dos sentimentos.
São movimentos opostos, passíveis de se autodestruírem, de chocarem constantemente, e é por eles que nascem das coisas mais vibrantes, de puro êxtase a um tempo carnal e sensorial – os olhares magoados e desesperados que transportam a consciência das coisas que não duram, personagens intimamente esgazeadas e torturadas pelo facto de não conseguirem ter um controlo aceitável sobre as próprias vidas.
È a espiral que já é tão profunda, com tantas voltas, que dificilmente vislumbram uma saída rumo a algo – vida pessoal, intima – que não seja as sombras e a negridão onde estão inseridos.
Filme de homens obcecados pelo seu trabalho – como em “Heat”, em “The Insider” – que nesse campo são determinadíssimos, duros e implacáveis, os melhores, mas que nas relações extra-trabalho, já não conseguem chegar a algo, manter algo, uma estabilidade – tudo isso escorrega sempre, por aí as superfícies espelhadas que Mann filma de maneira prodigiosa a funcionar como metáfora.
E tenho que voltar á personagem de Colin Farrel, a mais comovente, explorada e significante – no limite, o filme todo está no desespero dos seus olhos e na sua busca quimérica pelo afecto feminino.
Nicholas Ray escreveu um dia: “A câmara é um microscópio que detecta a melodia do olhar”. E a maneira como Mann filma os olhos da personagem de Farrel, decisivo e inflexível no seu trabalho, mas comovente e desesperado nas afecções e nas relações com a mulher, vai precisamente nesse sentido – detectar as sensações e estados de espírito com que Sonny varia entre os dois pólos opostos, trabalho e afecções necessárias.
Logo na cena inicial, em que juntamente com o seu parceiro, está no centro de uma operação anti-tráfico, a sequência em que este vai ter com a empregada da discoteca – personagem interpretada pela Portuguesa Ana Cristina Oliveira – perguntando-lhe o nome, onde nasceu, entre outras coisas, e acaba com um: “Vemo-nos mais logo Rita”, é claramente demonstrativa da sua natureza e do seu estado actual. Está ali um homem que no meio do caos, de toda a loucura e perigo que a sua vida acarreta, têm necessidade da mulher, nem que seja por breves instantes, nem que seja para lhe dizer que depois se encontrarão.
Este movimento irá ser claramente ampliado, até a uma infinitude insuportável mais á frente, na relação impossível com a personagem de Gong Li, mulher que trabalha para um dos mais poderosos traficantes de droga.
No meio de um acto suicida de infiltração policial em que Sonny Crockett e Ricardo Tubbs (Jamie Foxx) se encontram, é precisamente a essa mulher, Isabella, que Sonny se irá, num acto impulsivo e visceral, dirigir, é a esta mulher que a personagem de Sonny se dirige para satisfazer as suas necessidades opostas ao trabalho, e acaba por encontrar algo mais do que isso.
E logo uma espécie de destino imposto pelo seu estatuto, pela sua condição – quanto mais o homem e a mulher se vão conhecendo e envolvendo, mais agudo o sentimento de impossibilidade da relação futura se evidenciará – e tudo isto aparece vincadamente nos olhos e nos rostos – o pequeno – em relação aos meios grandiosos onde se inserem, por onde viajam.
Sempre o grande e o pequeno em Mann, o homem e a cidade que o avassala – neste caso esta ampliação vai bastante além da cidade.
As cenas de sexo estão imbuídas desta consciencialização tranquila e desesperante que irá desembocar no mais indefinido dos finais – a mulher que descobre a real condição do homem, a ampliação, mais do que isso, a verificação total da impossibilidade de um futuro entre os dois.
Reparemos na personagem de Ricardo Tubbs, o parceiro de Sonny, homem que puxou para dentro do seu trabalho e das suas tarefas o amor necessário – a sua companheira trabalha com ele.
E o que lhe irá acontecer, acabando estilhaçada numa cama de hospital, é algo que reflecte a condição deste homens e das tais vidas puxadas a limites além de qualquer ideia de razoabilidade.
É um estudo dos comportamentos e da complexidade das emoções em situações limite, no trabalho e no amor, que Mann se propõe. E aí os actores são admiráveis, na construção psicológico ultra subtil, já não como faziam os actores do método (Brando, Dean, Clift, etc.), arrebatadoramente explosivos e neuróticos, mas com a tal sensibilidade e sentido de pertença a muitos lugares próprias do mundo moderno.
É então a relação de companheirismo e de cumplicidade extrema entre os dois policias que aparece como a mais segura, homens obcecados pela crença de que podem mudar um pouco o mundo, e que nada os travará na sua missão – por aqui vislumbra-se a relação estabelecida com o cinema do Francês Jean-Pierre Melville, o homem com uma missão e códigos próprios inabaláveis. Raccord possível com “Le Samourai”?
Relação com o cinema de Hawks? Os filmes de companheirismo e amizade masculina transpostos para a modernidade em relação com os novos males? Raccord das perseguições de carro em Miami com as de perseguições a animais em “Hatari!”?
Tudo isto sim, mas acima de tudo, devedor dos grandes filmes policiais, que surgiram um pouco á margem na Hollywood a partir dos anos 50, a série-b, do lado de Siegel ou de Fuller acima de tudo.
Um parêntesis, para estabelecer linhagens e pensar um pouco em termos estéticos a maneira de pôr em cena de Mann.
É o policial seco, implacável, directo ao assunto, em que os polícias vão sempre ao fundo da questão, e em que os realizadores não fazem uma única concepção á sua natureza nem á história que contam.
Filmes em que toda a forma cinematográfica vigente é sempre posta em causa, para chegar sempre a uma verdade que derive da singularidade de cada filme, cada história, cada personagem.
Mais vincadamente, homens como Fuller, Siegel, Hellman ou Scorsese tornaram as formas suas, são inimitáveis, como Mann é no actual cinema americano inigualável, e quem o quiser imitar concretamente, irá dar-se mal…
Os filmes de Fuller, Siegel – poderíamos acrescentar noutros registos, Monte Hellman, Sam Peckimpah e mais á frente outro herdeiro deste património, Martin Scorsese – em muitos casos implementaram um desvio e uma alteração á forma e aos códigos dos géneros sobre o qual trabalhavam. Isto pela tal obsessão, pela singularidade única de cada história, por outro lado pelo carácter conhecido de cada um destes autores.
Se quisermos uma relação directa com um filme, termo de comparação, pensemos em “Madigan” de Siegel, onde temos uma dupla que está imbuída de uma missão que quer completar a todo o custo, e que esse objectivo vai destruindo e abalando a intimidade e as estruturas da vida particular de um dos policias.
Formalmente diferente do filme de Mann – haverão alguns, como “Cogan´s Bluff”, aproximáveis em termos estilísticos – mas tematicamente, e sobretudo na tal maneira seca e dura com que é realizado, e sem par em qualquer dos casos (filmes singulares), que se traça a tal heritage que enunciei.
E se podemos objectar que os policiais série-b dessa altura custavam “meia dúzia de tostões”, eram feitos rapidamente e quase á socapa dos grandes estúdios, muitas das vezes com embates terríveis entre realizador e estúdio, ao contrario dos meios e dos milhões do filme de Mann – mais uma vez o que está em causa é uma visão e um ponto de vista autoral, completamente único, singular e indestrutível.
E note-se no tal aspecto avant-garde de “Miami Vice”: custando milhões, mais de cem dias de rodagem, vários países, etc. – tudo parece quase experimental (no sentido de algo absolutamente cândido, como uma primeira vez), filme de trovões e vento nas árvores, paradoxalmente assustador e sensualista, aterrorizante e erótico… mas sempre seco e sem balofo, sem gordura, duríssimo no empreendimento – o espírito do filme série-b.
Série-b com milhões, da mesma maneira como Spielberg faria do seu cinema, inspirado pelo caso fundador de “Moonfleet” ou dos serials e «matinés de sábado á tarde» que inspiraram a saga de Indiana Jones e outros empreendimentos? Penso que sim.
E depois, além das dramaturgias da mise en scene muitíssimo há maneira de Don Siegel, talvez a maior das influencias visuais/estilísticas/plásticas, mesmo sonoras do cinema de Mann (analisarei esta linhagem no final do texto com comparações entre imagens) há sem dúvida nenhuma, um lado neo-realista aplicado a esta modernidade, na maneira como Mann filma sempre em locais reais, nunca em estúdio.
Filma in loco, onde as coisas contadas realmente se passam, e isso dramaturgicamente é urgente e essencial.
É a verdade dos locais reais que está então em causa, das texturas de algo que está lá, do imprevisto que a natureza e a realidade proporcionam sempre, deixar entrar vida e os imprevistos na grande máquina do cinema, algo que em estúdio nunca seria possível.
São as ambiências, as atmosferas, os cromatismos presentes no meio real – só dai a extraordinária captação, com o meio indispensável da alta definição, dos laranjas, dos verdes, amarelos e dos azuis que fazem as noites do filme, uma crueza e uma rugosidade tal que nunca seria possível em estúdio, nem gerado por qualquer computador de ultima geração – onde o filme está a ser filmado, que torna o método Mann completamente invulgar no cinema americano de hoje em dia, em que o hiper controlo das filmagens nos estúdios, ou a sobre carga de efeito especiais (vulgo CGI) fazem a grande parte dos restantes filmes, e contribuem para o artificialismo bacoco.
Pensemos na construção rítmica do filme no seu todo: a aceleração e desaceleração constante do filme. Em que as cenas de acção ou de tensão são executadas (filmadas, montadas) de uma maneira feroz, explosiva e imensamente enérgica. Quanto ás sequências, por exemplo da relação de Sonny com Isabella, ou de Ricardo Tubbs com a sua companheira, tudo é filmado e orquestrado com uma imensa acalmia e sensibilidade.
Mais uma vez a devolução da função ontológica original que pertence á câmara de filmar, e á especificidade da montagem, com que Mann gere de maneira única no cinema americano as dramaturgias do que está a construir – é o contrário do cinema de Michel Bay, entre muitos outros exemplos que poderia dar.
E têm que se falar obrigatoriamente do som nos filmes destes cineasta, e que mais uma vez, é neste filme que atinge o cume da sua arte sonora. Como em “Heat”, a mistura explosiva entre o som directo, captado nas locações, e um elaboradíssimo tratamento/manipulação em pós produção, dá ao filme uma sensação brutal de profundo realismo, deixando completamente o espectador á nora, espectador que não está por norma habituado a tamanho investimento e visceralidade da banda-som. Se o trabalho ao nível da câmara e da montagem é arrebatadoramente explosivo, nervoso, etc…o trabalho com o som é-o da mesma maneira – um investimento tal que parece ter como fasquia colocar o espectador no meio da acção, transporta-lo para dentro do filme, Mann acredita nisso e o som é fundamental para o máximo da suspensão da descrença além da imagem.
Mann vai até ao fundo nesta obsessão, e o cúmulo máximo é sem duvida o tiroteio final, portento absoluto da arte sonora, ao raccord, mais uma vez, com a cena do assalto ao banco em “Heat”.
E como o som, a banda sonora é indispensável na criação de uma ambiência ultra sensorial, uma leveza que combina com o vento e as atmosferas de Miami ou das viagens de lancha, uma sensualidade, ás vezes grave, que poderemos apreciar numa linhagem recente que investe sobre fluxos e sobre as relações modernas que vai desde Hsiao-hsien Hou até ao cinema transcontinental do francês Olivier Assayas.
Dois momentos ilustradores da importância da musica na criação de toda a arte atmosférica: a tal viagem de Lancha de Miami para cuba, indispensável para a criação rítmica, pura coreografia sensual, onde o suor emerge com a musica.
E nos momentos finais, em que descoberta a verdade, por parte da personagem de Gong Li, da personagem de Farrel, quando este a transporta para uma casa privada – o vento nas arvores, a potencia do carro ou o mar, combinado com o poder de uma grande utilização musical tornam a experiência arrepiante – e aqui tout court.
Dito isto voltemos ao conteúdo do filme.
Existe então, em todo o filme, uma angustiante percepção entre o provisório e o absoluto que faz com que os corpos, os rostos e os olhares, num movimento contínuo ou aleatório entre ambos escorreguem constantemente para um limbo existencial – fugir para onde? Fazer o que? É o lado do desespero do cinema de Antonioni, para além do enquadramento de função estética, que Mann herdou.
E são estes mesmos corpos que se movimentam e materializam por assim dizer uma espécie de «thriller geográfico» em que esses mesmos corpos já não pertencem a lado algum, e ao mesmo tempo a todos os lados, assemelhando-se muitas vezes a fantasmas, espectros atrás de uma ilusão, por todas as direcções e fronteiras.
Grande reflexão sobre circulações – dos corpos, da droga, do dinheiro…
E a jogar com isto Mann reinventa, apetece gritar, uma dialéctica musical nova, no sentido Eisensteiniano, do choque, sobre a musica, literalmente – reparemos nas cenas de dança entre Farrel e Gong Li, em Havana, começam com a música cubana que logo de repente é cortada para o mais moderno dos sons, é a evidencia de que naqueles homens e mulheres de hoje já não existem limites, geográficos, físicos – pertencem a uma crença e ao mundo sem fronteiras.
E Mann é um grande autor, apetece em jeito provocatório dizer que se não fosse Godard, Truffaut e os outros, Hitchcock ou Hawks provavelmente teriam demorado muito tempo a serem reconhecidos como mestres – apetece fazer o mesmo em relação a Mann.
Falavam de Eisenstein e de Hitchcock.
A propósito de Miami Vice de Michael Mann têm-se escrito coisas parecidas, têm-se exaltado a forma, diz-se que é cinema futurista, obra-prima das novas técnicas visuais e sonoras, e é impossível não concordar.
Diz-se ainda – e neste ponto chega-se ainda mais perto das formulações de Rohmer e Rivette – que Miami Vice é de tal maneira trabalhado, estilizado na sua forma, a violência e revolução da forma, claro está – as movimentações impossíveis da câmara, a montagem cortante, etc. – e que é precisamente esta violentação executada através dos mais modernos materiais e das novas técnicas, dos instrumentos nunca antes aplicados ao cinema que nasce uma matéria em que a «malaise» e os medos das sociedades modernas aparecem sobre o ecrã a uma luz nunca antes experimentada – por isso a revolução, mais do que isso a revelação.
E neste ponto também nada a objectar, é das coisas mais fascinantes, de facto.
Mas acontece que se fosse só por isso que o filme fosse extraordinário – e não seria pouco – poderia surgir o fantasma da desconfiança.
Que desconfiança? É que Mann sempre foi um cineasta que dividiu opiniões, mais do que isso sempre gerou mal entendidos, os seus detractores proclamam precisamente o atrás referido, que em Mann, cineasta dito obsessivo, ultra controlador, só a técnica interessa, só a utilização do novo e do revolucionário, desprezando os actores e a substancia – «style over substance» gritaram algumas vozes.
E mesmo nas suas obras máximas essas vozes defenderam a sua – em “Heat”, o seu filme mais poético, lancinante, verdadeiro épico das crenças e das obsessões, filmado com uma precisão tal que paradoxalmente se libertava de todos os pressupostos e se transformava em algo, apetece dizer «Antonioniano», deste modo reforçando a importância da cidade e da noite na obra do cineasta, a cidade como revelação da contemporaneidade, dos fluxos e do ar do tempo, a noite como reflexo das suas sombras, ambiguidades e solidões.
Neste fresco trágico moderno muito viram no duelo de monstros entre Pacino e De Niro como um pretexto para Mann elaborar um jogo banal e gratuito de inovação formal.
O mesmo se passaria pelo menos em duas grandes obras seguintes.
Em “The Insider” o que foi uma cruzada pelo liberalismo jornalístico, muito anos 70 (ao jeito de Pakula ou Lumet) – funcionando a questão do tabaco quase como um «mcguffin» – pelo direito á verdade, a toda a verdade, aproximando-se o cinema do americano do radicalismo de Lang ou de Chabrol no que a esta questão diz respeito, com um Russel Crowe frágil e comovente – a rimar com o Farrel de Miami Vice – as mesmas vozes falaram de filme moralista em que a quase invenção de uma linguagem e estética insólita aplicada ás flutuações psicológicas dos protagonistas foi vista como simples e fútil pirueta estilística.
Passaram uns anos e Mann, o poeta da cidade, apostou em filmar a história de um assassino que se passeia por Los Angeles dentro de um táxi com a função de terminar algumas vítimas.
Tudo filmado com as mais recentes câmaras de alta definição, para deste modo conseguir um tal nível de ultra realismo e de sujidade que servissem o pretexto e reforçasse o universo e a obsessão de Mann pela grande metrópole e pelas personagens dúbias.
Apareceu então o epíteto de cinema do futuro, do formalismo aplicado a um vilão que proclamava filosofia existencial gratuita, de um final á “Terminator”, de inovação injustificada e frívola – mas o que passou ao lado foi outra vez uma visão assustadoramente real e complexa sobre o Grande: grande cidade e grande escuridão, das personagens, da paisagem – grande ambiguidade sobretudo.
E do Pequeno dentro do grande: o espaço claustrofobico do táxi onde grande parte da acção se desenrola, o clube de Jazz, o metro, etc…
Grande e pequeno orquestrado de forma significante, da maneira como o homem é absorvido e condicionado pelas grandes metrópoles – tudo isto apareceria em “Miami Vice” sublimado.
E aqui, como em Miami Vice, o ultra realismo surge investido de um assustador paradoxo – por um lado quer-nos fazer ver nitidamente toda uma nova realidade, por outro lado esse nível de nitidez é tal, já não há a subtileza da película para ninguém, que o que vemos já é outra coisa, já é pura abstracção sobre uma tela que é o ecrã, pintura do real, difusa e anti maniqueísta – cinema das imagens, do lado de Eisenstein se quisermos simplificar.
Voltando atrás, Miami Vice é inquestionavelmente um filme de inovações, uma coisa absolutamente nova, em estado nascente, e o trabalho sobre a forma já valeria por si, bem como a assombrosa utilização das novas câmaras de altíssima definição, mais do que isso, da sua violentação…
Violentação? Sim, no sentido em que as câmaras utilizadas – a famosa Thompson Viper, que Fincher também utilizou de maneira oposta em “Zodiac” – é sobretudo, e ainda, pelas suas dimensões, pelo seu peso, etc. uma câmara de estúdio, tanto para cinema como para televisão.
Ora o que Mann fez, foi leva-la para a rua, literalmente e em todos os sentidos – tirar a câmara do seu ainda meio original, da maneira controlada e subtil, e praticamente imóvel como em estúdio é utilizada, e puxa-la a todos os extremos, usa-la da mesma maneira como se usam as mais modernas, leves e flexíveis câmaras de película Panavision. No fundo, submeter o peso da câmara de alta definição, da mesma maneira, ou ainda mais além, sem dúvida, como trabalhou nos seus filmes em película, em “Heat”, por exemplo.
Não há dúvida, que estilisticamente, o tão famoso trabalho de câmara do cinema de Mann, nunca como em “Miami Vice” foi tão vigoroso, dinâmico e febril mesmo, um trabalho de uma puissance inexcedível.
Mas não dá para deitar fora o resto e dizer que Mann é o mais brilhante cineasta de acção contemporâneo, o maior estilista sobre superfícies planas, espécie de Don Siegel do século XXI ou coisa parecida – é redutor, como redutor seria não considerar Siegel um dos grandes cineastas do seu tempo.
È que por dentro ou a par do que nunca antes foi visto existe um duplo movimento que importa reter e que é das coisas mais emocionantes que o cinema, americano ou não, captou ultimamente, é o centro do filme, o eixo sobre o qual tudo gira: por um lado os dois agentes vagueiam numa utopia diria também ela moderna, acreditando sucessivamente que conseguirão lutar contra algo que os ultrapassa, que os esmaga, algo avassalador e sem fim á vista – o mundo da criminologia, do tráfico de drogas, as infiltrações, a corrupção, etc…
No sentido contrário não podem dispensar obviamente o seu lado humano, as relações e as paixões – como amar alguém na mais profunda instabilidade? Como sair da flutuação que o mundo onde estão inseridos obriga terminantemente? Como garantir um futuro ao lado de alguém?
E é nesta dialéctica que o filme se engrandece e se torna comovedor, se por um lado o “eu” dos agentes têm a necessidade de continuar a cruzada contra todos os males, a jogar contra isto está a necessidade dos afectos, a necessidade do amor, do mais básico e necessário dos sentimentos.
São movimentos opostos, passíveis de se autodestruírem, de chocarem constantemente, e é por eles que nascem das coisas mais vibrantes, de puro êxtase a um tempo carnal e sensorial – os olhares magoados e desesperados que transportam a consciência das coisas que não duram, personagens intimamente esgazeadas e torturadas pelo facto de não conseguirem ter um controlo aceitável sobre as próprias vidas.
È a espiral que já é tão profunda, com tantas voltas, que dificilmente vislumbram uma saída rumo a algo – vida pessoal, intima – que não seja as sombras e a negridão onde estão inseridos.
Filme de homens obcecados pelo seu trabalho – como em “Heat”, em “The Insider” – que nesse campo são determinadíssimos, duros e implacáveis, os melhores, mas que nas relações extra-trabalho, já não conseguem chegar a algo, manter algo, uma estabilidade – tudo isso escorrega sempre, por aí as superfícies espelhadas que Mann filma de maneira prodigiosa a funcionar como metáfora.
E tenho que voltar á personagem de Colin Farrel, a mais comovente, explorada e significante – no limite, o filme todo está no desespero dos seus olhos e na sua busca quimérica pelo afecto feminino.
Nicholas Ray escreveu um dia: “A câmara é um microscópio que detecta a melodia do olhar”. E a maneira como Mann filma os olhos da personagem de Farrel, decisivo e inflexível no seu trabalho, mas comovente e desesperado nas afecções e nas relações com a mulher, vai precisamente nesse sentido – detectar as sensações e estados de espírito com que Sonny varia entre os dois pólos opostos, trabalho e afecções necessárias.
Logo na cena inicial, em que juntamente com o seu parceiro, está no centro de uma operação anti-tráfico, a sequência em que este vai ter com a empregada da discoteca – personagem interpretada pela Portuguesa Ana Cristina Oliveira – perguntando-lhe o nome, onde nasceu, entre outras coisas, e acaba com um: “Vemo-nos mais logo Rita”, é claramente demonstrativa da sua natureza e do seu estado actual. Está ali um homem que no meio do caos, de toda a loucura e perigo que a sua vida acarreta, têm necessidade da mulher, nem que seja por breves instantes, nem que seja para lhe dizer que depois se encontrarão.
Este movimento irá ser claramente ampliado, até a uma infinitude insuportável mais á frente, na relação impossível com a personagem de Gong Li, mulher que trabalha para um dos mais poderosos traficantes de droga.
No meio de um acto suicida de infiltração policial em que Sonny Crockett e Ricardo Tubbs (Jamie Foxx) se encontram, é precisamente a essa mulher, Isabella, que Sonny se irá, num acto impulsivo e visceral, dirigir, é a esta mulher que a personagem de Sonny se dirige para satisfazer as suas necessidades opostas ao trabalho, e acaba por encontrar algo mais do que isso.
E logo uma espécie de destino imposto pelo seu estatuto, pela sua condição – quanto mais o homem e a mulher se vão conhecendo e envolvendo, mais agudo o sentimento de impossibilidade da relação futura se evidenciará – e tudo isto aparece vincadamente nos olhos e nos rostos – o pequeno – em relação aos meios grandiosos onde se inserem, por onde viajam.
Sempre o grande e o pequeno em Mann, o homem e a cidade que o avassala – neste caso esta ampliação vai bastante além da cidade.
As cenas de sexo estão imbuídas desta consciencialização tranquila e desesperante que irá desembocar no mais indefinido dos finais – a mulher que descobre a real condição do homem, a ampliação, mais do que isso, a verificação total da impossibilidade de um futuro entre os dois.
Reparemos na personagem de Ricardo Tubbs, o parceiro de Sonny, homem que puxou para dentro do seu trabalho e das suas tarefas o amor necessário – a sua companheira trabalha com ele.
E o que lhe irá acontecer, acabando estilhaçada numa cama de hospital, é algo que reflecte a condição deste homens e das tais vidas puxadas a limites além de qualquer ideia de razoabilidade.
É um estudo dos comportamentos e da complexidade das emoções em situações limite, no trabalho e no amor, que Mann se propõe. E aí os actores são admiráveis, na construção psicológico ultra subtil, já não como faziam os actores do método (Brando, Dean, Clift, etc.), arrebatadoramente explosivos e neuróticos, mas com a tal sensibilidade e sentido de pertença a muitos lugares próprias do mundo moderno.
É então a relação de companheirismo e de cumplicidade extrema entre os dois policias que aparece como a mais segura, homens obcecados pela crença de que podem mudar um pouco o mundo, e que nada os travará na sua missão – por aqui vislumbra-se a relação estabelecida com o cinema do Francês Jean-Pierre Melville, o homem com uma missão e códigos próprios inabaláveis. Raccord possível com “Le Samourai”?
Relação com o cinema de Hawks? Os filmes de companheirismo e amizade masculina transpostos para a modernidade em relação com os novos males? Raccord das perseguições de carro em Miami com as de perseguições a animais em “Hatari!”?
Tudo isto sim, mas acima de tudo, devedor dos grandes filmes policiais, que surgiram um pouco á margem na Hollywood a partir dos anos 50, a série-b, do lado de Siegel ou de Fuller acima de tudo.
Um parêntesis, para estabelecer linhagens e pensar um pouco em termos estéticos a maneira de pôr em cena de Mann.
É o policial seco, implacável, directo ao assunto, em que os polícias vão sempre ao fundo da questão, e em que os realizadores não fazem uma única concepção á sua natureza nem á história que contam.
Filmes em que toda a forma cinematográfica vigente é sempre posta em causa, para chegar sempre a uma verdade que derive da singularidade de cada filme, cada história, cada personagem.
Mais vincadamente, homens como Fuller, Siegel, Hellman ou Scorsese tornaram as formas suas, são inimitáveis, como Mann é no actual cinema americano inigualável, e quem o quiser imitar concretamente, irá dar-se mal…
Os filmes de Fuller, Siegel – poderíamos acrescentar noutros registos, Monte Hellman, Sam Peckimpah e mais á frente outro herdeiro deste património, Martin Scorsese – em muitos casos implementaram um desvio e uma alteração á forma e aos códigos dos géneros sobre o qual trabalhavam. Isto pela tal obsessão, pela singularidade única de cada história, por outro lado pelo carácter conhecido de cada um destes autores.
Se quisermos uma relação directa com um filme, termo de comparação, pensemos em “Madigan” de Siegel, onde temos uma dupla que está imbuída de uma missão que quer completar a todo o custo, e que esse objectivo vai destruindo e abalando a intimidade e as estruturas da vida particular de um dos policias.
Formalmente diferente do filme de Mann – haverão alguns, como “Cogan´s Bluff”, aproximáveis em termos estilísticos – mas tematicamente, e sobretudo na tal maneira seca e dura com que é realizado, e sem par em qualquer dos casos (filmes singulares), que se traça a tal heritage que enunciei.
E se podemos objectar que os policiais série-b dessa altura custavam “meia dúzia de tostões”, eram feitos rapidamente e quase á socapa dos grandes estúdios, muitas das vezes com embates terríveis entre realizador e estúdio, ao contrario dos meios e dos milhões do filme de Mann – mais uma vez o que está em causa é uma visão e um ponto de vista autoral, completamente único, singular e indestrutível.
E note-se no tal aspecto avant-garde de “Miami Vice”: custando milhões, mais de cem dias de rodagem, vários países, etc. – tudo parece quase experimental (no sentido de algo absolutamente cândido, como uma primeira vez), filme de trovões e vento nas árvores, paradoxalmente assustador e sensualista, aterrorizante e erótico… mas sempre seco e sem balofo, sem gordura, duríssimo no empreendimento – o espírito do filme série-b.
Série-b com milhões, da mesma maneira como Spielberg faria do seu cinema, inspirado pelo caso fundador de “Moonfleet” ou dos serials e «matinés de sábado á tarde» que inspiraram a saga de Indiana Jones e outros empreendimentos? Penso que sim.
E depois, além das dramaturgias da mise en scene muitíssimo há maneira de Don Siegel, talvez a maior das influencias visuais/estilísticas/plásticas, mesmo sonoras do cinema de Mann (analisarei esta linhagem no final do texto com comparações entre imagens) há sem dúvida nenhuma, um lado neo-realista aplicado a esta modernidade, na maneira como Mann filma sempre em locais reais, nunca em estúdio.
Filma in loco, onde as coisas contadas realmente se passam, e isso dramaturgicamente é urgente e essencial.
É a verdade dos locais reais que está então em causa, das texturas de algo que está lá, do imprevisto que a natureza e a realidade proporcionam sempre, deixar entrar vida e os imprevistos na grande máquina do cinema, algo que em estúdio nunca seria possível.
São as ambiências, as atmosferas, os cromatismos presentes no meio real – só dai a extraordinária captação, com o meio indispensável da alta definição, dos laranjas, dos verdes, amarelos e dos azuis que fazem as noites do filme, uma crueza e uma rugosidade tal que nunca seria possível em estúdio, nem gerado por qualquer computador de ultima geração – onde o filme está a ser filmado, que torna o método Mann completamente invulgar no cinema americano de hoje em dia, em que o hiper controlo das filmagens nos estúdios, ou a sobre carga de efeito especiais (vulgo CGI) fazem a grande parte dos restantes filmes, e contribuem para o artificialismo bacoco.
Pensemos na construção rítmica do filme no seu todo: a aceleração e desaceleração constante do filme. Em que as cenas de acção ou de tensão são executadas (filmadas, montadas) de uma maneira feroz, explosiva e imensamente enérgica. Quanto ás sequências, por exemplo da relação de Sonny com Isabella, ou de Ricardo Tubbs com a sua companheira, tudo é filmado e orquestrado com uma imensa acalmia e sensibilidade.
Mais uma vez a devolução da função ontológica original que pertence á câmara de filmar, e á especificidade da montagem, com que Mann gere de maneira única no cinema americano as dramaturgias do que está a construir – é o contrário do cinema de Michel Bay, entre muitos outros exemplos que poderia dar.
E têm que se falar obrigatoriamente do som nos filmes destes cineasta, e que mais uma vez, é neste filme que atinge o cume da sua arte sonora. Como em “Heat”, a mistura explosiva entre o som directo, captado nas locações, e um elaboradíssimo tratamento/manipulação em pós produção, dá ao filme uma sensação brutal de profundo realismo, deixando completamente o espectador á nora, espectador que não está por norma habituado a tamanho investimento e visceralidade da banda-som. Se o trabalho ao nível da câmara e da montagem é arrebatadoramente explosivo, nervoso, etc…o trabalho com o som é-o da mesma maneira – um investimento tal que parece ter como fasquia colocar o espectador no meio da acção, transporta-lo para dentro do filme, Mann acredita nisso e o som é fundamental para o máximo da suspensão da descrença além da imagem.
Mann vai até ao fundo nesta obsessão, e o cúmulo máximo é sem duvida o tiroteio final, portento absoluto da arte sonora, ao raccord, mais uma vez, com a cena do assalto ao banco em “Heat”.
E como o som, a banda sonora é indispensável na criação de uma ambiência ultra sensorial, uma leveza que combina com o vento e as atmosferas de Miami ou das viagens de lancha, uma sensualidade, ás vezes grave, que poderemos apreciar numa linhagem recente que investe sobre fluxos e sobre as relações modernas que vai desde Hsiao-hsien Hou até ao cinema transcontinental do francês Olivier Assayas.
Dois momentos ilustradores da importância da musica na criação de toda a arte atmosférica: a tal viagem de Lancha de Miami para cuba, indispensável para a criação rítmica, pura coreografia sensual, onde o suor emerge com a musica.
E nos momentos finais, em que descoberta a verdade, por parte da personagem de Gong Li, da personagem de Farrel, quando este a transporta para uma casa privada – o vento nas arvores, a potencia do carro ou o mar, combinado com o poder de uma grande utilização musical tornam a experiência arrepiante – e aqui tout court.
Dito isto voltemos ao conteúdo do filme.
Existe então, em todo o filme, uma angustiante percepção entre o provisório e o absoluto que faz com que os corpos, os rostos e os olhares, num movimento contínuo ou aleatório entre ambos escorreguem constantemente para um limbo existencial – fugir para onde? Fazer o que? É o lado do desespero do cinema de Antonioni, para além do enquadramento de função estética, que Mann herdou.
E são estes mesmos corpos que se movimentam e materializam por assim dizer uma espécie de «thriller geográfico» em que esses mesmos corpos já não pertencem a lado algum, e ao mesmo tempo a todos os lados, assemelhando-se muitas vezes a fantasmas, espectros atrás de uma ilusão, por todas as direcções e fronteiras.
Grande reflexão sobre circulações – dos corpos, da droga, do dinheiro…
E a jogar com isto Mann reinventa, apetece gritar, uma dialéctica musical nova, no sentido Eisensteiniano, do choque, sobre a musica, literalmente – reparemos nas cenas de dança entre Farrel e Gong Li, em Havana, começam com a música cubana que logo de repente é cortada para o mais moderno dos sons, é a evidencia de que naqueles homens e mulheres de hoje já não existem limites, geográficos, físicos – pertencem a uma crença e ao mundo sem fronteiras.
E Mann é um grande autor, apetece em jeito provocatório dizer que se não fosse Godard, Truffaut e os outros, Hitchcock ou Hawks provavelmente teriam demorado muito tempo a serem reconhecidos como mestres – apetece fazer o mesmo em relação a Mann.
next stage
Objectos crepusculares, homens velhos no meio de algo a finalizar, valores prestes a entrar em anacronia com o que está á porta, a chegada do novo, a paisagem, os galos ou a música de Dylan como sinalizadora de algo pré No Country: estamos então, com o filme dos Coen, na etapa seguinte – o crepúsculo já se foi.
*Cockfighter, Monte Hellman, 1974
*Pat Garrett & Billy the Kid, Sam Peckimpah, 1973
*Cockfighter, Monte Hellman, 1974
*Pat Garrett & Billy the Kid, Sam Peckimpah, 1973
Fantas Porto II
No Country for Old Men
Não é que eu tivesse muito excitado com a estreia do filme dos Coen, já era o meu 3º visionamento.
Mas arrumando já a questão: é o melhor filme dos Irmãos Coen.
Não é que eu tivesse muito excitado com a estreia do filme dos Coen, já era o meu 3º visionamento.
Mas arrumando já a questão: é o melhor filme dos Irmãos Coen.
Sucinto, right to the point, e sem os maneirismos dos últimos filmes, é uma obra-prima de um radicalismo que já não julgava possível no cinema americano – o sangue e o niilismo, que serão o foco do filme, irão estourar muitas vezes.
São de factos dois mundos, dois pólos distintos, um numa ponta e outro do lado oposto – o velho e o novo.
E esse confronto, entre os homens que executam o que é preciso, lacónicos, quase sem palavras ou expressões, frios e letais, falando sempre a verdade – por mais verdadeira e sinalizadora dos tempos que correm – e os velhos do Oeste, carregados de valores, que estão a ver algo de novo – “quem adivinharia isto há 20 anos” – é tratado com a sabedoria e a classe dos objectos perfeitos.
E esse confronto, entre os homens que executam o que é preciso, lacónicos, quase sem palavras ou expressões, frios e letais, falando sempre a verdade – por mais verdadeira e sinalizadora dos tempos que correm – e os velhos do Oeste, carregados de valores, que estão a ver algo de novo – “quem adivinharia isto há 20 anos” – é tratado com a sabedoria e a classe dos objectos perfeitos.
Ou também, simplesmente: os grandes espaços do Oeste, uma espécie de larguíssimo scope, seco – a não musica é um achado – e os prédios frios das grandes corporações, os elevadores, etc…
E essa dicotomia vai percorrer o filme todo, não só a personagem de Bardem e a sua presa, como já dentro do próprio País de velhos – o confronto entre Lee Jones e o jovem ávido de fazer coisas é tratado com uma ironia e um humor, que contém, também, todas as marcas do melhor cinema dos Coen.
E o filme é isto – seco, quase sem palavras e com muitas acções, o que equivale a dizer – rasto de sangue e procedimentos que aniquilam o país dos valores, dos velhos homens do Western.
Duas personagens para ficar, e que resumem o filme: Bardem, mistura entre Nosferatu e o Exterminador de Cameron – aí aquele canhão – glacial, sem qualquer sinal de tradicionalismo, é o mais do que novo, com uma filosofia incompreensível, muito própria, que só pode pertencer ao presente mais do que puro.
E Jones, velha raposa, Cowboy de um Oeste já utópico, cheio dos valores que fizeram uma América que parece já não ser possível.
E essa dicotomia vai percorrer o filme todo, não só a personagem de Bardem e a sua presa, como já dentro do próprio País de velhos – o confronto entre Lee Jones e o jovem ávido de fazer coisas é tratado com uma ironia e um humor, que contém, também, todas as marcas do melhor cinema dos Coen.
E o filme é isto – seco, quase sem palavras e com muitas acções, o que equivale a dizer – rasto de sangue e procedimentos que aniquilam o país dos valores, dos velhos homens do Western.
Duas personagens para ficar, e que resumem o filme: Bardem, mistura entre Nosferatu e o Exterminador de Cameron – aí aquele canhão – glacial, sem qualquer sinal de tradicionalismo, é o mais do que novo, com uma filosofia incompreensível, muito própria, que só pode pertencer ao presente mais do que puro.
E Jones, velha raposa, Cowboy de um Oeste já utópico, cheio dos valores que fizeram uma América que parece já não ser possível.
Para finalizar, o lado, por vezes metafísico, ou meta-qualquer-coisa do filme, são as acções e as filosofias incompreensível, um qualquer Nietzche, e o acaso que aparece aqui tratado em hipérbole – aquela perseguição que parece ir contra a própria natureza…o jogo da moeda que é enervante, e muito mais enervante quando fica em elipse, o tal jogo cerebral mais gelado do que os graus negativos, e certos pormenores quase Biblicos – que animal era aquele que aparece pelos binóculos de Brolin? – bem como uma atmosfera que parece já mudar com a acção dos homens novos.
Repito: é o melhor dos Coen, cinematograficamente potente, genialmente fotografado e com uma gestão dos tempos e dos espaços absolutamente apurada.
E que não se esqueça o também fabuloso Brolin, talvez a mais típica personagem do universo dos Coen.
E a finalizar: é necessário conhecer o que está para trás, pois o filme está recheado de subtis lançamentos e referências para os seus filmes anteriores, o que me provocou o riso antecipado muitas das vezes.
Fantas Porto I
Abertura
De muito positivo, por vezes emocionante, foi a homenagem ao grande actor Max Von Sydow. De uma humildade que pode servir de exemplo aos organizadores do festival, fez um discurso lacónico e subtil: “tive no lugar certo, é muitas vezes isso o que interessa…de resto há tanta gente com talento mas que muitas vezes não consegue, ou não têm a sorte de estar no lugar certo” (cito de cor).
De resto comportou-se como se estivesse em Cannes e isso ampliou a homenagem.
A seguir viria o peditório costumeiro com um lamentável discurso de Beatriz Pacheco Pereira: mais um ano, as mesmas coisas, apesar da passadeira vermelha.
Mas pior: lançou ataque aos festivais mais pequenos – que segundo ele só aceitam cassetes e dvd – tipo, o nosso é que é o melhor e ninguém o conhece – quando poderia pôr o ponto numa programação interessante em muitos aspectos.
Lançando críticas a tudo e mais alguma coisa, só se esqueceu do principal motivo do festival: o cinema. O que disse qualquer um o dizia. E mais não digo.
De muito positivo, por vezes emocionante, foi a homenagem ao grande actor Max Von Sydow. De uma humildade que pode servir de exemplo aos organizadores do festival, fez um discurso lacónico e subtil: “tive no lugar certo, é muitas vezes isso o que interessa…de resto há tanta gente com talento mas que muitas vezes não consegue, ou não têm a sorte de estar no lugar certo” (cito de cor).
De resto comportou-se como se estivesse em Cannes e isso ampliou a homenagem.
A seguir viria o peditório costumeiro com um lamentável discurso de Beatriz Pacheco Pereira: mais um ano, as mesmas coisas, apesar da passadeira vermelha.
Mas pior: lançou ataque aos festivais mais pequenos – que segundo ele só aceitam cassetes e dvd – tipo, o nosso é que é o melhor e ninguém o conhece – quando poderia pôr o ponto numa programação interessante em muitos aspectos.
Lançando críticas a tudo e mais alguma coisa, só se esqueceu do principal motivo do festival: o cinema. O que disse qualquer um o dizia. E mais não digo.
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
far far away
With George Clooney it’s always the same thing, whether he looks tired or not (and in the role of MICHAEL CLAYTON he looks very tired). What same thing is good old George up to? Salt and pepper hair, white shirt, apologetic but in good form, cool charisma, the man seems always to be preparing for a night out or coming back from one. Whether it’s going to the Oscars or coming back, going to a conference to give a speech to democrats or coming back. Always dressed to the hilt, looking sharp even when the evening is a flop, the Oscar having been awarded to someone else or the democrats once more lagging behind the republicans. That’s pretty much the story of MICHAEL CLAYTON: what can Clooney do when everything is going badly, even for him?
by Emmanuel Burdeau
...
Escrito pelo Burdeau em Veneza, é mais uma prova do seu sentido de humor, e está engraçado…mas como escrevi em baixo, o “very tired” cai como uma luva no seu personagem desencantado e á espera da oportunidade para mudar de vida, far far away, como o fabuloso plano final nos mostra…
by Emmanuel Burdeau
...
Escrito pelo Burdeau em Veneza, é mais uma prova do seu sentido de humor, e está engraçado…mas como escrevi em baixo, o “very tired” cai como uma luva no seu personagem desencantado e á espera da oportunidade para mudar de vida, far far away, como o fabuloso plano final nos mostra…
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
Michael Clayton
Entrei para a sala desconfiado, isto porque os anos 70 do cinema americano são para mim fundamentais e tocam-me particularmente, e até no cartaz se notava que o filme tinha cheiro desse tempo.
É evidente que é Tony Gilroy virado para o cinema liberal e politico do anos 70, cinema rude e de denúncia.
Também logo fica evidenciado que não estamos inseridos nos fulgores do cinema de Pakula – que parece ser tanto a referência deste argumentista, agora virado realizador, como de Fincher ou algumas coisas de Soderbergh – disto isto, Michael Clayton é um óptimo filme, útil e cheio de grandes interpretações.
A forma como Gilroy dispersa o argumento, não evidenciando muita coisa, existem mesmo umas elipses narrativas interessantíssimas, mantém uma carga de tensão e suspense até ao fim - as confusões e mistérios empresariais a funcionar como catalizador narrativo e formal.
E se Clooney tem muitos méritos, não só passa o filme todo com um ar cansadíssimo, homem abatido á espera de sair do aprisionamento (o papel de produtor executivo também é de ressalvar), espécie de um dos últimos clássicos, um Cary Grant desencantado, e se Wilkinson está perfeito no homem desequilibrado e fora de controle que finalmente caí em si, quanto a mim é Tilda Swinton o melhor do filme.
Notável a maneira como encarna a mulher fria, de aço, com uma mascara que tudo esconde, esfíngica, no meio do caos.
De resto, fotografia fria e triste como os propósitos, do grande Elswitt, sim o mesmo que trabalha com P.T.A, uma montagem que sabe lidar bem com as durações dramáticas, e que nunca se evidencia ou se deixa atabalhoar como acontecia no horrível Syriana.
É o contrário desse filme, muito mais seco e sem os maneirismos manipulativos e exibicionistas.
Nada de obra-prima, falta os abismos absolutos de um filme como "Parallax View" por exemplo, mas um muito bom filme
É evidente que é Tony Gilroy virado para o cinema liberal e politico do anos 70, cinema rude e de denúncia.
Também logo fica evidenciado que não estamos inseridos nos fulgores do cinema de Pakula – que parece ser tanto a referência deste argumentista, agora virado realizador, como de Fincher ou algumas coisas de Soderbergh – disto isto, Michael Clayton é um óptimo filme, útil e cheio de grandes interpretações.
A forma como Gilroy dispersa o argumento, não evidenciando muita coisa, existem mesmo umas elipses narrativas interessantíssimas, mantém uma carga de tensão e suspense até ao fim - as confusões e mistérios empresariais a funcionar como catalizador narrativo e formal.
E se Clooney tem muitos méritos, não só passa o filme todo com um ar cansadíssimo, homem abatido á espera de sair do aprisionamento (o papel de produtor executivo também é de ressalvar), espécie de um dos últimos clássicos, um Cary Grant desencantado, e se Wilkinson está perfeito no homem desequilibrado e fora de controle que finalmente caí em si, quanto a mim é Tilda Swinton o melhor do filme.
Notável a maneira como encarna a mulher fria, de aço, com uma mascara que tudo esconde, esfíngica, no meio do caos.
De resto, fotografia fria e triste como os propósitos, do grande Elswitt, sim o mesmo que trabalha com P.T.A, uma montagem que sabe lidar bem com as durações dramáticas, e que nunca se evidencia ou se deixa atabalhoar como acontecia no horrível Syriana.
É o contrário desse filme, muito mais seco e sem os maneirismos manipulativos e exibicionistas.
Nada de obra-prima, falta os abismos absolutos de um filme como "Parallax View" por exemplo, mas um muito bom filme
melhores 2007
Porque um top é quando um homem quiser, aqui ficam os melhores filmes de 2007, faltará um ou outro que não vi, mas penso que está o essencial:
«Flags of Our Fathers: As Bandeiras dos Nossos Pais»/«Cartas de Iwo Jima», Clint Eatwood
Porque um é o contra campo do outro, e as forças circulam perfeitamente entre os dois; porque os flashes das máquinas fotográficas de flags são tão violentos como a autodestruição dos Japoneses, e porque nunca depois de Ford assisti a algo tão crepuscular.
«Paranoid Park», de Gus Van Sant
Por todas as razões que expliquei mais abaixo e mais algumas, e porque Van Sant soube reinventar-se com um filme paradoxalmente tão simples e tão ultra complexo.
«À Prova de Morte» , Quentin Tarantino
Tarantino até pode tar a fazer mais do mesmo (o que não concordo), mas eu sou da equipe do Bénard, e digo que um autor faz sempre o mesmo filme e nunca o mesmo filme.
Filme sobre os filmes de meio tostão, sobre os seu próprios filmes, lição monumental de mise en scene, portento na banda som…e carta de amor ás mulheres.
«Promessas Perigosas», David Cronenberg
Por tudo o que também escrevi abaixo, insisto: Cronenberg continua a filmar o mesmo que filmava há duas décadas; mas com um apuro, um ambiente e uma dureza que só em Lang me lembro.
«Climas», Nuri Bilge Ceylan
Basta ir uns posts abaixo.
«Zodiac» David Fincher
Grandioso painel sobre a obsessão e o medo, com uma realização prodigiosa – mistura entre o totalitarismo de Kubrick e a precisão cortante de Hitchcok – é fundamental na mistura do clássico e da utilização subliminar do moderno como forma de fazer avançar a narrativa.
Que actores.
«Rocky Balboa», Sylvester Stallone
Porque foi o gesto mais tocante do ano, filme crepuscular e de reposição de uma verdade: o humanismo e a secura inicial.
Sem pretensões, tão simples e belo como a humildade do corpo e do rosto de Stallone.
Agora sou EU.
«Belle Toujours», Manoel de Oliveira
Um Oliveira tão simples e tão grave, num filme que vale por si, apesar dos ecos e das rimas com Bunuel.
«Planeta Terror», Robert Rodriguez
O maior divertimento do ano. É aquela coisa: não serve para nada a não ser para estar o filme inteiro num outro mundo que não este.
Nada a ver com a classe e o apuro de tarantino, mas a marca Rodriguez é também esta.
«Control», Antoin Corbjin
Nos limites do insuportável é um biopic foragido hás regras habituais, actor fabuloso, peça atmosférica inclassificável.
Mistura entre o minimalismo em surdina, o distanciamento e a ausência de psicologia de Bresson e uma maneira de fazer irromper a musica muito á Jarmusch foi uma das preciosidades do ano.
«Flags of Our Fathers: As Bandeiras dos Nossos Pais»/«Cartas de Iwo Jima», Clint Eatwood
Porque um é o contra campo do outro, e as forças circulam perfeitamente entre os dois; porque os flashes das máquinas fotográficas de flags são tão violentos como a autodestruição dos Japoneses, e porque nunca depois de Ford assisti a algo tão crepuscular.
«Paranoid Park», de Gus Van Sant
Por todas as razões que expliquei mais abaixo e mais algumas, e porque Van Sant soube reinventar-se com um filme paradoxalmente tão simples e tão ultra complexo.
«À Prova de Morte» , Quentin Tarantino
Tarantino até pode tar a fazer mais do mesmo (o que não concordo), mas eu sou da equipe do Bénard, e digo que um autor faz sempre o mesmo filme e nunca o mesmo filme.
Filme sobre os filmes de meio tostão, sobre os seu próprios filmes, lição monumental de mise en scene, portento na banda som…e carta de amor ás mulheres.
«Promessas Perigosas», David Cronenberg
Por tudo o que também escrevi abaixo, insisto: Cronenberg continua a filmar o mesmo que filmava há duas décadas; mas com um apuro, um ambiente e uma dureza que só em Lang me lembro.
«Climas», Nuri Bilge Ceylan
Basta ir uns posts abaixo.
«Zodiac» David Fincher
Grandioso painel sobre a obsessão e o medo, com uma realização prodigiosa – mistura entre o totalitarismo de Kubrick e a precisão cortante de Hitchcok – é fundamental na mistura do clássico e da utilização subliminar do moderno como forma de fazer avançar a narrativa.
Que actores.
«Rocky Balboa», Sylvester Stallone
Porque foi o gesto mais tocante do ano, filme crepuscular e de reposição de uma verdade: o humanismo e a secura inicial.
Sem pretensões, tão simples e belo como a humildade do corpo e do rosto de Stallone.
Agora sou EU.
«Belle Toujours», Manoel de Oliveira
Um Oliveira tão simples e tão grave, num filme que vale por si, apesar dos ecos e das rimas com Bunuel.
«Planeta Terror», Robert Rodriguez
O maior divertimento do ano. É aquela coisa: não serve para nada a não ser para estar o filme inteiro num outro mundo que não este.
Nada a ver com a classe e o apuro de tarantino, mas a marca Rodriguez é também esta.
«Control», Antoin Corbjin
Nos limites do insuportável é um biopic foragido hás regras habituais, actor fabuloso, peça atmosférica inclassificável.
Mistura entre o minimalismo em surdina, o distanciamento e a ausência de psicologia de Bresson e uma maneira de fazer irromper a musica muito á Jarmusch foi uma das preciosidades do ano.
em 2006 foram estes...
na altura escrevi assim:
top
E pronto lá tem que ser, como não havia grande coisa para fazer cá estão não os meus 5, nem 10 filmes favoritos de 2006, mas sim os 15 – como aqui e aqui.
Só tenho uma certeza irrefutável, o numero 1, de resto acho que se poderiam ir trocando entre eles conforme os dias e motivações. A partir do 5º, então, já não existe ordem...
P.S: piada de ano novo (desculpem lá, eheh): “O Kubrick comparado com o Malick é o Tom Cruise”
«Juventude em Marcha» de Pedro Costa
Bastante, mas bastante á frente de tudo o resto que assisti numa qualquer sala de cinema ao longo do ano. Isto porque reforço cada vez mais a minha ideia: nesta linhagem existiu John Ford, Yasujiro Ozu, os Straub, Monteiro e mais nada, assim de repente…Que linhagem? A do Cinema como gesto total, absoluto, nas formas, na técnica e na estética, no amor e respeito absoluto pelas imagens e pelos sons, e seja lá mais no que for…Costa dispensa qualquer retórica maniqueísta para deixar só imagens, somente sons, não imagens justas, não sons justos (Godard sempre) sim matéria “directa”, sem efeitos, sem manipulação – Carta de Amor, Filme de Amor para a sua “Família” e uma comunidade. Multiplicidade de dádivas e de milagres, não haverá gesto mais radical nas últimas décadas, tout court!
«Miami Vice» de Michael Mann
Culminar absoluto do que parece ser o paradoxo Mann: na sua reputação de perfeccionista absoluto nasce um cinema de uma liberdade e de uma agilidade espantosas. Sim é um blockbuster, um épico, mas experimentalista, de vanguarda, de alguém que mesmo jogando com imenso dinheiro prefere ir pelas vias do intimo, da iconoclastia formal, visual, etc.E sempre bastante mais que puro virtuosismo: dimensão trágica, quase melodramática, figuras em perda, de fulgores sussurrados…um filme “novo”, inédito, literalmente, e não só por causa do HD…
«Entre Inimigos» de Martin Scorsese
Parece de facto ser o cúmulo formal da arte de Scorsese, domínio completo de toda a especificidade do cinema, ainda e sempre viajando entre classicismo e modernismo, mesmo que por vezes em concepções próprias, arrojo e constante vontade de “desalinhar”, tudo ao serviço de algo que vai sempre em paroxismo, fuga para a frente em direcção á tragédia. Têm a fúria de uma carga de porrada, de um festival Punk/Rock. (eheh)
«O Novo Mundo» de Terrence Malick
Lírico e sensorial. Com uma trama e historia tão desmedida, com tanto “mundo” para onde discorrer e percorrer, Malick como que corta os fios unificadores atirando-se de cabeça ao poema intimista Homem-Mulher como berço de tudo. Tão grande mas tão pequeno e intimo.
«O Mundo» de Zhang Ke Jia
Figura de proa da 6º geração do cinema Chinês consegue introduzir na temática habitual da China em mudança uma portentosa reflexão sobre a ilusão e todo o digital, não só das máquinas, mas também dos lugares, da abolição das distancias e fisicalidades. De uma beleza serena.
«Uma História de Violência» de David Cronenberg
«A Dália Negra» de Brian de Palma
«Munique» de Steven Spielberg
«Maria Madalena» de Abel Ferrara
«O Segredo de Brokeback Mountain» de Ang Lee
«Match Point» de Woddy Allen
«Espelho Mágico» de Manoel de Oliveira
«98 Octanas» de Fernando Lopes
«Os Amantes Regulares» de Philippe Garrel
«A Comédia do Poder» de Claude Chabrol
top
E pronto lá tem que ser, como não havia grande coisa para fazer cá estão não os meus 5, nem 10 filmes favoritos de 2006, mas sim os 15 – como aqui e aqui.
Só tenho uma certeza irrefutável, o numero 1, de resto acho que se poderiam ir trocando entre eles conforme os dias e motivações. A partir do 5º, então, já não existe ordem...
P.S: piada de ano novo (desculpem lá, eheh): “O Kubrick comparado com o Malick é o Tom Cruise”
«Juventude em Marcha» de Pedro Costa
Bastante, mas bastante á frente de tudo o resto que assisti numa qualquer sala de cinema ao longo do ano. Isto porque reforço cada vez mais a minha ideia: nesta linhagem existiu John Ford, Yasujiro Ozu, os Straub, Monteiro e mais nada, assim de repente…Que linhagem? A do Cinema como gesto total, absoluto, nas formas, na técnica e na estética, no amor e respeito absoluto pelas imagens e pelos sons, e seja lá mais no que for…Costa dispensa qualquer retórica maniqueísta para deixar só imagens, somente sons, não imagens justas, não sons justos (Godard sempre) sim matéria “directa”, sem efeitos, sem manipulação – Carta de Amor, Filme de Amor para a sua “Família” e uma comunidade. Multiplicidade de dádivas e de milagres, não haverá gesto mais radical nas últimas décadas, tout court!
«Miami Vice» de Michael Mann
Culminar absoluto do que parece ser o paradoxo Mann: na sua reputação de perfeccionista absoluto nasce um cinema de uma liberdade e de uma agilidade espantosas. Sim é um blockbuster, um épico, mas experimentalista, de vanguarda, de alguém que mesmo jogando com imenso dinheiro prefere ir pelas vias do intimo, da iconoclastia formal, visual, etc.E sempre bastante mais que puro virtuosismo: dimensão trágica, quase melodramática, figuras em perda, de fulgores sussurrados…um filme “novo”, inédito, literalmente, e não só por causa do HD…
«Entre Inimigos» de Martin Scorsese
Parece de facto ser o cúmulo formal da arte de Scorsese, domínio completo de toda a especificidade do cinema, ainda e sempre viajando entre classicismo e modernismo, mesmo que por vezes em concepções próprias, arrojo e constante vontade de “desalinhar”, tudo ao serviço de algo que vai sempre em paroxismo, fuga para a frente em direcção á tragédia. Têm a fúria de uma carga de porrada, de um festival Punk/Rock. (eheh)
«O Novo Mundo» de Terrence Malick
Lírico e sensorial. Com uma trama e historia tão desmedida, com tanto “mundo” para onde discorrer e percorrer, Malick como que corta os fios unificadores atirando-se de cabeça ao poema intimista Homem-Mulher como berço de tudo. Tão grande mas tão pequeno e intimo.
«O Mundo» de Zhang Ke Jia
Figura de proa da 6º geração do cinema Chinês consegue introduzir na temática habitual da China em mudança uma portentosa reflexão sobre a ilusão e todo o digital, não só das máquinas, mas também dos lugares, da abolição das distancias e fisicalidades. De uma beleza serena.
«Uma História de Violência» de David Cronenberg
«A Dália Negra» de Brian de Palma
«Munique» de Steven Spielberg
«Maria Madalena» de Abel Ferrara
«O Segredo de Brokeback Mountain» de Ang Lee
«Match Point» de Woddy Allen
«Espelho Mágico» de Manoel de Oliveira
«98 Octanas» de Fernando Lopes
«Os Amantes Regulares» de Philippe Garrel
«A Comédia do Poder» de Claude Chabrol
o mestre e o aprendiz
Por mim sugiro o seguinte onze:
(esquerda para a direita)
1. Quim
2. leo
3. Ed Carlos
4. Luisão
5. nelson
6. C. Rodriguez
7. bynea
8. Petit
9. Di Maria
10. Rui Costa
11. cardozo
Isto pois ao que parece o David Luiz está lesionado, mesmo assim gosto cada vez mais do Bynea, muito mais refinado e menos violento – a Can fez-lhe bem.
De resto é seguir as lições do futebol moderno segundo Freitas Lobo: uma questão de dominar perfeitamente o tempo e o espaço.
Comparar com o que Deleuze escreveu sobre o cinema moderno: o tempo vale por si só e não deriva da narrativa em si, libertação do elo sensorial motriz, opsignos e sonignos puros, etc…tudo a mesma cantiga…
Direito de opinião
Porque é que o Ridley Scott é possivelmente um dos piores realizadores do mundo?
É óbvio: pois com a frequência com que faz filmes, os milhões que esbanja em cada um deles, têm dado, nos últimos anos, largos – direi desde Blade Runner – sempre o mesmo resultado: filmes de merda.
E detenho-me somente em 3 exemplos, que considero dos filmes mais dispensáveis, que mais contribuíram para um novo-riquismo – tecnológico, fútil e grosseiro.
No fundo, completamente dispensáveis para qualquer avanço (deve ser o sonho do homem) ou algo novo, um desperdício de meios:
O gladiador é o exemplo máximo da incoerência e do mau gosto, câmaras lentas a torto e a direito, efeitos que ficavam bem nos anúncios da Vogue, sempre com o caralho do som, horrível e a puxar a lágrima – maior exemplo de manipulação melosa é impossível – bem como, e neste aspecto dou razão ao Vasco Câmara: aqueles separadores, o que é aquilo? Risível.
Penso que até a tvi já consegui algo melhor; o homem têm alguma noção do que é a duree em cinema?; que uma das suas grandes virtudes é a construção dos ritmos através da montagem… só tinha uma coisa que se aproveitava, e não era Crowe, era Phoenix.
E pois veio o mais espalhafatoso dos filmes de guerra que alguma vez vi, Black Hawk Down, é um imenso paroxismo de sofrimento: prai duas horas emergido numa manipulação que só tinha por objectivo convocar a dispersão, discurso: “a guerra é lixada, olhem para este caos, em que não vemos nadinha”…como demonstração do talento de Pietro Scalia na montagem - mas isso já sabíamos desde JFK - e das novas possibilidades das máquinas caras, está muito bem, de resto, não serviu para mais nada.
E depois veio aquele que pessoalmente considero como o mais grotesco filme de um suposto grande realizador: Kingdom of Heaven.
Épico pesadíssimo, feio, fotografia horrível, sem qualquer noção de durabilidade, de gestão de tempo ou de construção/recriação de uma atmosfera, actores terríveis…e mais palavras para este objecto jamais escreverei.
De resto é como diz o caríssimo Straub: “La soupe, La soupe”…mete-se umas musiquinhas, põe-se a câmara a mexer rápido ou lento - conforme a vontade e disposição - aumenta-se o volume sonoro, veste-se o fato e a gravata com a pose de grande épico, e já está…
Scott e Bay é a mesma coisa…e onde andam nomes como Kathryn Bigelow ou John McTiernan?
É óbvio: pois com a frequência com que faz filmes, os milhões que esbanja em cada um deles, têm dado, nos últimos anos, largos – direi desde Blade Runner – sempre o mesmo resultado: filmes de merda.
E detenho-me somente em 3 exemplos, que considero dos filmes mais dispensáveis, que mais contribuíram para um novo-riquismo – tecnológico, fútil e grosseiro.
No fundo, completamente dispensáveis para qualquer avanço (deve ser o sonho do homem) ou algo novo, um desperdício de meios:
O gladiador é o exemplo máximo da incoerência e do mau gosto, câmaras lentas a torto e a direito, efeitos que ficavam bem nos anúncios da Vogue, sempre com o caralho do som, horrível e a puxar a lágrima – maior exemplo de manipulação melosa é impossível – bem como, e neste aspecto dou razão ao Vasco Câmara: aqueles separadores, o que é aquilo? Risível.
Penso que até a tvi já consegui algo melhor; o homem têm alguma noção do que é a duree em cinema?; que uma das suas grandes virtudes é a construção dos ritmos através da montagem… só tinha uma coisa que se aproveitava, e não era Crowe, era Phoenix.
E pois veio o mais espalhafatoso dos filmes de guerra que alguma vez vi, Black Hawk Down, é um imenso paroxismo de sofrimento: prai duas horas emergido numa manipulação que só tinha por objectivo convocar a dispersão, discurso: “a guerra é lixada, olhem para este caos, em que não vemos nadinha”…como demonstração do talento de Pietro Scalia na montagem - mas isso já sabíamos desde JFK - e das novas possibilidades das máquinas caras, está muito bem, de resto, não serviu para mais nada.
E depois veio aquele que pessoalmente considero como o mais grotesco filme de um suposto grande realizador: Kingdom of Heaven.
Épico pesadíssimo, feio, fotografia horrível, sem qualquer noção de durabilidade, de gestão de tempo ou de construção/recriação de uma atmosfera, actores terríveis…e mais palavras para este objecto jamais escreverei.
De resto é como diz o caríssimo Straub: “La soupe, La soupe”…mete-se umas musiquinhas, põe-se a câmara a mexer rápido ou lento - conforme a vontade e disposição - aumenta-se o volume sonoro, veste-se o fato e a gravata com a pose de grande épico, e já está…
Scott e Bay é a mesma coisa…e onde andam nomes como Kathryn Bigelow ou John McTiernan?
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
filmaço (lembrei-me)
na altura escrevi assim:
Como fazer durar uma imagem? O turco Nuri Bilge Ceylan sabe-a toda.E este olhar poderá como que extrapolar tudo o resto – a paisagem e a lembrança.“Antonioniano” será com certeza a palavra que mais imediatamente resumirá todo o universo deste cinema puramente desencantado, desolado.
Fugir para onde? Pelas paisagens e climas que Ceylan percorrerá – e parece justo reconhecer a dimensão autobiográfica – todas aparentemente diferentes, esteticamente e termicamente, vai reinar a indistinçao…”não há lugar nenhum para onde fugir”, lá está.Para Ceylan é necessário sentir alguma coisa, qualquer coisa distinta da paisagem e dos sentimentos opressores – e vai dormir sobre gavetas, vai entrar pelos terrenos da quase violação, etc…Os meios procurados pelo próprio e as fotografias por ele tiradas são uma ilustração interior.
Mas há coisas plenamente inidentificáveis e resgatadoras – quando o filme, num êxtase sereno entra surrealismo adentro, quando a paisagem e os sons se abrem a uma espécie de Western singular, momentos puramente infantis e enternecedores junto á sua mulher, etc…e naquele que é talvez o mais potente plano do filme (Ceylan no cume de uma montanha gelada) vem-nos á memoria o Friedrich de “Viandante sobre um Mar de Névoa”, faz sentido…
E o som é perfeitamente fundamental, a maneira como este está vincado, parece ter como objectivo estilhaçar a imagem e a sua significância, desfaze-la, diminui-la…o som que rasga sobre a imagem seguinte ou que tentará sempre exceder a imagem presente.Obra de um radicalismo sem concessões, sem medo de obter uma duree própria, numa linhagem formal que encontrará ecos em Pedro Costa, Zhang Ke Jia e pouco mais no cinema contemporâneo.
*Climates
Como fazer durar uma imagem? O turco Nuri Bilge Ceylan sabe-a toda.E este olhar poderá como que extrapolar tudo o resto – a paisagem e a lembrança.“Antonioniano” será com certeza a palavra que mais imediatamente resumirá todo o universo deste cinema puramente desencantado, desolado.
Fugir para onde? Pelas paisagens e climas que Ceylan percorrerá – e parece justo reconhecer a dimensão autobiográfica – todas aparentemente diferentes, esteticamente e termicamente, vai reinar a indistinçao…”não há lugar nenhum para onde fugir”, lá está.Para Ceylan é necessário sentir alguma coisa, qualquer coisa distinta da paisagem e dos sentimentos opressores – e vai dormir sobre gavetas, vai entrar pelos terrenos da quase violação, etc…Os meios procurados pelo próprio e as fotografias por ele tiradas são uma ilustração interior.
Mas há coisas plenamente inidentificáveis e resgatadoras – quando o filme, num êxtase sereno entra surrealismo adentro, quando a paisagem e os sons se abrem a uma espécie de Western singular, momentos puramente infantis e enternecedores junto á sua mulher, etc…e naquele que é talvez o mais potente plano do filme (Ceylan no cume de uma montanha gelada) vem-nos á memoria o Friedrich de “Viandante sobre um Mar de Névoa”, faz sentido…
E o som é perfeitamente fundamental, a maneira como este está vincado, parece ter como objectivo estilhaçar a imagem e a sua significância, desfaze-la, diminui-la…o som que rasga sobre a imagem seguinte ou que tentará sempre exceder a imagem presente.Obra de um radicalismo sem concessões, sem medo de obter uma duree própria, numa linhagem formal que encontrará ecos em Pedro Costa, Zhang Ke Jia e pouco mais no cinema contemporâneo.
*Climates
Nick Ray...
…e os “momentos perfeitos”, como inventou o Sr. Bénard, antes da explosão, a acalmia..."In a Lonely Place" com a personagem mais raivosa e ao mesmo tempo tão frágil, como o James Mason do "Bigger Than Life" ou o Dean do "Rebel Without a Cause" da obra de Ray; quanto ao "Wind Across the Everglades" só isto: o cúmulo do lirismo, até queima como dizia a Sr. Kathleen…
triple bill
Foi um triple bill estranhíssimo, o que ontem, por algum acaso vi:
O Dia do Desespero é o filme mais desesperado de Oliveira, e dos anos 90, possivelmente…moderníssimo, com uma ética inquebrável nesse distanciamento do que é impossível traduzir ou adivinhar, é um filme monumental, e embora ache que não há nada como Vale Abraão, este filme fez-me repensar…
O Segundo foi Wild River do Kazan, e se eu tenho pra mim que o homem é um dos grandes da história, foi dos que menos gostei até agora…embora reconheça que Clift tá genial, e que a temática da ligação a um lugar está muito bem tratada (muito á Ford), scope e cores geniais, parece-me relativamente indistinto e sem a alma do melhor Kazan…
Para finalizar revi o ultimo Van Sant, e claro, outra vez esmagado, desta vez mais atento ao som, e tá tudo lá, o som é a única coisa que nos permite, possivelmente, entrar no emaranhado que vai na cabeça do rapaz…o ahhhh do publico presente na sala, no final da projecção, diz tudo….estavam á espero do tiro de misericórdia, mas Gus sabe-a toda.
O Dia do Desespero é o filme mais desesperado de Oliveira, e dos anos 90, possivelmente…moderníssimo, com uma ética inquebrável nesse distanciamento do que é impossível traduzir ou adivinhar, é um filme monumental, e embora ache que não há nada como Vale Abraão, este filme fez-me repensar…
O Segundo foi Wild River do Kazan, e se eu tenho pra mim que o homem é um dos grandes da história, foi dos que menos gostei até agora…embora reconheça que Clift tá genial, e que a temática da ligação a um lugar está muito bem tratada (muito á Ford), scope e cores geniais, parece-me relativamente indistinto e sem a alma do melhor Kazan…
Para finalizar revi o ultimo Van Sant, e claro, outra vez esmagado, desta vez mais atento ao som, e tá tudo lá, o som é a única coisa que nos permite, possivelmente, entrar no emaranhado que vai na cabeça do rapaz…o ahhhh do publico presente na sala, no final da projecção, diz tudo….estavam á espero do tiro de misericórdia, mas Gus sabe-a toda.
Gray
O Tiago é que têm razão, James Gray é um grande cineasta, e este filme é o que mais espero de momento, e, porque não acredito que estreie tão cedo, vou vê-lo à socapa, evidentemente.
Mistura entre o classicismo que mistificou uma certa Hollywood, Coppola, Scorsese, e Visconti – de resto é mais do que assumido – este é, de certa maneira, um cinema anacrónico, pois parece vir de outro tempo – belo, apaziguado, mas tão perigoso e vertiginoso ao mesmo tempo.
De resto nunca é só cinéfilia, nem nas formas – existe na imagem uma vertente pictural que só pode vir de uma certa pintura; bem como na temática, já que existe um estudo de personagens completamente radical e pessoal…
E é cheio de personagens aterradoras – a Charlize no The Yards não me sai da cabeça, nunca – a sombra no rosto dela, a chegada de Walbergh a casa - tão solitário - o samba do Brasil à entrada para a discoteca…ou em Little Odessa, o paroxismo total, em surdina, os dois irmãos e uma trajédia, etc…etc…
Nada de pós modernismos, nada de estruturas narrativas (que nojo) elaboradas…a família e os ambientes….
É verdade que aqui, como o foi na América, o filme vai ser corrido a pontapé pela critica…mas em França, por exemplo a musica é outra, e o próprio Chabrol, já o considerou o seu sucessor, e afirmou que serão preciso 30 anos para a sua obra ser considerada…
Enfim, pelo menos que estreie…
Mistura entre o classicismo que mistificou uma certa Hollywood, Coppola, Scorsese, e Visconti – de resto é mais do que assumido – este é, de certa maneira, um cinema anacrónico, pois parece vir de outro tempo – belo, apaziguado, mas tão perigoso e vertiginoso ao mesmo tempo.
De resto nunca é só cinéfilia, nem nas formas – existe na imagem uma vertente pictural que só pode vir de uma certa pintura; bem como na temática, já que existe um estudo de personagens completamente radical e pessoal…
E é cheio de personagens aterradoras – a Charlize no The Yards não me sai da cabeça, nunca – a sombra no rosto dela, a chegada de Walbergh a casa - tão solitário - o samba do Brasil à entrada para a discoteca…ou em Little Odessa, o paroxismo total, em surdina, os dois irmãos e uma trajédia, etc…etc…
Nada de pós modernismos, nada de estruturas narrativas (que nojo) elaboradas…a família e os ambientes….
É verdade que aqui, como o foi na América, o filme vai ser corrido a pontapé pela critica…mas em França, por exemplo a musica é outra, e o próprio Chabrol, já o considerou o seu sucessor, e afirmou que serão preciso 30 anos para a sua obra ser considerada…
Enfim, pelo menos que estreie…
o que tenho gostado
O que tenho gostado de ver nos últimos tempos, em sala…vamos lá ver:
O Paranoid Park acho que está acima de todas as coisas, algo que transcende uma ideia de cinema, em que o ritmo do filme é proporcionado pelo ritmo interior do puto (fabulosa interpretação), em que o som muitas das vezes diz mais do que a própria imagem – e que imagens do Gus e do Doyle…lá está o Godard é que tinha razão.
Depois o Cronenberg, cinema físico, sombrio e palpável, com todos os temas de mutação, metamorfose, etc…que fizeram a carreira do homem, exactamente como no filme anterior…e que actores!
O Rambo é um regresso ás origens primitivas, ao primeiro filme, e é sincero, violento, e cheio de humanidade na personagem. Como sempre...
O filme do Burton penso que é um ponto de chegada, uma síntese de uma carreira – apesar das musicas – tá lá todo o imaginário dele, bem como uma demência sanguinária que não julgava possível no cinema americano…que fotografia, que atmosfera e que Deep…pensei tanto em Corman como em Peckimpah, como em Spielberg…enfim desvarios…
Peões em Jogo, penso que é um filme necessário nos dias de hoje, frio como os propósitos…inteligentíssimo na sua construção unitária apesar da fragmentação…e Cruise tá fabuloso…
O que odiei mesmo foi o Expiação, pastelão cansativo e desnecessário, no ecrã está escrito: “isto é para Óscar”…completamente dispensável chato e cheio de pretensões…
Falta-me ver o Wes e principalmente o P.T.A….ainda estou em preparação…
O Paranoid Park acho que está acima de todas as coisas, algo que transcende uma ideia de cinema, em que o ritmo do filme é proporcionado pelo ritmo interior do puto (fabulosa interpretação), em que o som muitas das vezes diz mais do que a própria imagem – e que imagens do Gus e do Doyle…lá está o Godard é que tinha razão.
Depois o Cronenberg, cinema físico, sombrio e palpável, com todos os temas de mutação, metamorfose, etc…que fizeram a carreira do homem, exactamente como no filme anterior…e que actores!
O Rambo é um regresso ás origens primitivas, ao primeiro filme, e é sincero, violento, e cheio de humanidade na personagem. Como sempre...
O filme do Burton penso que é um ponto de chegada, uma síntese de uma carreira – apesar das musicas – tá lá todo o imaginário dele, bem como uma demência sanguinária que não julgava possível no cinema americano…que fotografia, que atmosfera e que Deep…pensei tanto em Corman como em Peckimpah, como em Spielberg…enfim desvarios…
Peões em Jogo, penso que é um filme necessário nos dias de hoje, frio como os propósitos…inteligentíssimo na sua construção unitária apesar da fragmentação…e Cruise tá fabuloso…
O que odiei mesmo foi o Expiação, pastelão cansativo e desnecessário, no ecrã está escrito: “isto é para Óscar”…completamente dispensável chato e cheio de pretensões…
Falta-me ver o Wes e principalmente o P.T.A….ainda estou em preparação…
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Olá,
Sou o José Oliveira, o do antigo Last Picture Show.
Acabei com aquilo porque achava que o estava a usar mais para exibicionismos que para outra coisa útil ou mesmo divertida.
Além disse, se for muito a sério chateio-me, fico ansioso, e há quem o faça melhor…os exemplos estão na barra lateral.
Este novo blogue servirá, por um lado, de catarse pessoal, dizer apenas o que tenho visto, aos meus amigos…a quem quiser por aqui passar.
Mas coisa leve, para dizer o que estou a devorar no momento, a última coisa que gostei, outras coisas que não só cinema, futebol por exemplo.
E se volto agradeço a amigos pessoais que me incentivaram – eles sabem quem são.
Revejo-me na frase do Scorsese, mas não se assustem que isto vai lá, têm que ir, porque como sabem os que eu lhes conto – “amo tanto o cinema como a vida”
Vou postando sobre coisas mais actuais, mas apetece-me postar coisas que me divertiram no antigo Last Picture.
Por isso quando aparecer escrito: “na altura escrevi assim”, é porque se trata de algo que veio do last Picture.
Como sabem tenho o outro blogue sobre o Pedro Costa, assim já não preciso de postar aqui milhentas coisas sobre o homem…eheh
Bem - Vindos
Sou o José Oliveira, o do antigo Last Picture Show.
Acabei com aquilo porque achava que o estava a usar mais para exibicionismos que para outra coisa útil ou mesmo divertida.
Além disse, se for muito a sério chateio-me, fico ansioso, e há quem o faça melhor…os exemplos estão na barra lateral.
Este novo blogue servirá, por um lado, de catarse pessoal, dizer apenas o que tenho visto, aos meus amigos…a quem quiser por aqui passar.
Mas coisa leve, para dizer o que estou a devorar no momento, a última coisa que gostei, outras coisas que não só cinema, futebol por exemplo.
E se volto agradeço a amigos pessoais que me incentivaram – eles sabem quem são.
Revejo-me na frase do Scorsese, mas não se assustem que isto vai lá, têm que ir, porque como sabem os que eu lhes conto – “amo tanto o cinema como a vida”
Vou postando sobre coisas mais actuais, mas apetece-me postar coisas que me divertiram no antigo Last Picture.
Por isso quando aparecer escrito: “na altura escrevi assim”, é porque se trata de algo que veio do last Picture.
Como sabem tenho o outro blogue sobre o Pedro Costa, assim já não preciso de postar aqui milhentas coisas sobre o homem…eheh
Bem - Vindos
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