terça-feira, 1 de dezembro de 2009


Tenho para mim que “Lili Marleen” é para Fassbinder o que “The Big Red One” é para a obra de Fuller. Dois cineastas que praticamente sempre filmaram guerra – em muitos sentidos, a guerra dos sentimentos, das paixões, das mentiras, etc – a proporem-se filmar a guerra no sentido mais literal e directo. Uma espécie de paroxismo. É verdade que o filme do alemão é sobretudo sobre uma mulher que no caos do nazismo atinge, sem querer, a fama e um certo poder, ou seja, o filme não tem por centro o belicismo propriamente dito, e como sabemos Fuller possui vários outros filmes de guerra como género. Mas será sempre numa espécie de paralelismo, ou equivalência, entre o espectáculo da propaganda e o espectáculo da guerra, da violação do íntimo pelo global e pelo poder, que o filme vibrará. Existe mesmo aquele momento único em que a bruteza da encenação e da montagem põe, lado a lado, as palmas e os gritos dos soldados alemães e do publico para a vedeta, ao mesmo nível dos tiros e das explosões do campo de batalha. Momento assustador, catártico, em que Fassbinder rima directamente com Eisenstein ou com Godard. Filmes de guerra que obviamente nascem do temperamento e da paixão dos cineastas, da maneira como se filma, daí a imensa violência e ternura com que a câmara percorre os espaços e os corpos – dos espaços aos corpos, dos corpos aos espaços, algo verdadeiramente carnívoro – a maneira como o granulado e o sujo do que é por natureza imundo vai contra ou se liga com os mais puros momentos de luz artificial, de melodrama tocado por Sirk. Só tocado, pois os suores e as libertações de desejo em Fassbinder, como em Fuller, jamais serão somente “pós qualquer coisa”, existe sempre uma candura, uma grandeza e uma chama que incendeia a tela e produz essa singularidade impactante da encenação e dos afectos. É um arrebatamento que funciona da mesma maneira que os zooms siderentes e nervosos, no meio do turbilhão a máquina têm que encontrar o tal instante da verdade, tem que rasgar, numa virilidade que jamais permitirá “momentos de cinema” ou qualquer género de ilustração. É uma questão de sangue, sempre.

1 comentário:

António disse...

engraçado como isso perpassa também na cena em que a música é entoada pelos altifalantes no campo de batalha e ouvida pelos soldados; exactmente quando se poderia pensar o contrário...