O QUE É PROGRAMAR UMA CINEMATECA HOJE?
Poderia escrever sobre a moda dos documentários, ou dos documentários documentários, os documentários de prestígio feitos por quem não tem a mínima noção do que é forma em cinema, estética, ética. "Autografia", o objecto (não sei o que lhe chamar, mas há coisas piores por aí...) feito por Miguel Gonçalves Mendes nada sabe do que o cinema foi, do que pode ser, do poder incomensurável que a câmara e a montagem podem possuir frente a uma realidade e a um homem, muito menos sabe de distâncias, de espaço, de qualquer coisa da ordem do carinho pelo que filma. Apenas um bruta montes, como no abjecto momento em que Mário Cesariny, o poeta por MGM vilipendiado, se assusta com a câmara que lhe pretende entrar pelas narinas dentro e se tem que desviar. Tudo, mas tudo, o que naquela longa dispersão se passa é absolutamente informe, e que os especialistas e os programadores da moda vejam nisto qualquer coisa – alguma coisa para além do interesse evidente de Cesariny – nada mais pode ser do que estupidez ou interesses. Ou as duas. Mas há pior.
Pior muito pior são os trechos de outro pretenso realizador – aspas tantas aspas – que também misteriosamente se está a impor em certos círculos improváveis e os seus filmes passam onde ele quer, mesmo nos espaços outrora de resistência e memória, aqui no burgo. Bruno de Almeida e o seu "The Lovebirds" já é ficção, tanta ficção que se vomita, puzzle de histórias e de personagens que não existem de maneira alguma. Mas o problema nem está aí, Bruno de Almeida, pretenso realizador, desconhece igualmente e contundentemente qualquer noção de espaço, de distância, dos tempos, de bom gosto ou, melhor ainda, do que é a vida e o mundo e de como tudo isso pode ser fortemente ou subtilmente ou visceralmente captado pelo cinema. De abjecção em abjecção, a câmara de Bruno de Almeida torna-se num instrumento hediondo, no mais fútil e perigoso dos instrumentos e se o cinema tivesse começado assim ou fosse só assim, qualquer coisa assim, era a mais nojenta das artes, ou, claro, não era arte nenhuma. O homicídio de uma prostituta e a cena de sexo anterior, todos os grandes planos, cortes abruptos de plano geral para as caras de um modo tão grosseiro, feio, inacreditável que apetece partir com aquilo tudo. Lugares belos que pela câmara e o olhar adoptado pelo pretenso realizador são transfigurados nos lugares mais horrendos do mundo, homens e mulheres, umas bonitas outras menos que interessa, igualmente tornados monstros pela objectiva monstruosa de Bruno de almeida. Alguém que quer ser Scorsese, provavelmente Altman ou Anderson, mas que não tem resquício de talento e, muito pior, de humildade. Alguém a querer impor-se realizador, enciclopédia de truques e de cinema, copista de um modo de fazer, um feito pobre de ânsia moderna ou coisa assim, mas que é absoluta nulidade ofensiva e pretensiosa, cai no risco de neste meio ganhar o título de autor – este mundo de autores...outra bela palavra – objecto de cinemateca. Mas há pior, sei que há pior.
A pior coisa - aqui sim, não me apetece mesmo chamar-lhe filme - que vi nos últimos largos tempos, poderia até, se quisesse engavetar, dizer em todo o cinema português, é "A Espada e a Rosa", de João Nicolau. Formado nas ciências, nota-se pela verborreia que sai pelas bocas dos tipos que Nicolau trata como bonecos ou como anormais, dissipa assim qualquer dúvida que as curtas-metragens anteriores tinham instalado quanto ao seu estatuto como realizador – uma fraude, uma tão grande fraude. "A Espada e a Rosa" funciona, melhor, não funciona, em três movimentos ou em três espaços. Leia-se, sem movimento e sem espaço, "A Espada e a Rosa" não existe. Tentemos: no primeiro movimento apanhámos um tipo rico, burguês, infantil, inchado, dos que provavelmente nunca passaram por dificuldade alguma e que se chateiam pelo luxo e pela boa vida, apanhamos cientistas e as conspirações que vão alastrar ao todo como doença ou capricho insuportável, e logo aquilo que define cada plano – ou o que deveria ser um plano, obviamente Nicolau nunca fez um plano na vida e o que o anima são imagens e a brincadeira que este gadgets lhe podem proporcionar – ou seja: tem obrigatoriamente que acontecer sempre qualquer fricção, qualquer gag, qualquer pretenso insólito, qualquer palhaçada que quanto mais estranha ou exótica se torna, melhor.
Ironia mais burguesa do que a burguesia.
Nicolau jamais é capaz de escutar um silêncio, um suspiro, lidar com o nada e aceitar o nada ou a presença do mundo, a comoção de um actor. Para Nicolau qualquer imagem ou acção ou o que quer que seja tem que estar macaqueada de alguma forma, ou por uma música, uma dança, o horrendo e orgulhoso vocabulário tornado geracional que só pode ser o seu. Fala-se de tristeza, utopias e perdição, mas o que transparece e se impõe é a referida burguesia que nunca passou de um copo de leite a querer fazer-se aventureira e transgressora. Primeira das muitas cenas execráveis: um acidente de táxi e uma espécie de dança dos espertinhos com sangue, espertinho, a palavra mais adequada para tudo isto.
Segundo movimento, alto mar a bordo de uma nau:"A Espada e a Rosa" funciona com bonecos, bonecos de sonhos de piratas, marionetas, já se disse, onde Nicolau as orienta a seu belo prazer, supostamente protegido pelo lado freak da narrativa, pela suposta originalidade de criativo de agência publicitária, de menino génio pronto a ser posto no pedestal da próxima grande coisa qual Salaviza e os seus travellings porno-estetizantes (Daney, continuas aqui), o futuro do cinema português, o novo que nunca foi visto. Não é pelo humor que não existe que "A Espada e a Rosa" é abjecto, provavelmente também não o é pelo facto de Nicolau não ter a mais pequena noção do que é "mise-en-scéne", enquadramento, timing, montagem, coerência ou estilhaçamento, qualquer sentido formal. Sopa de mixórdia audiovisual, cores de loja de guloseimas. É sobretudo , insisto, essa vontade de menino mimado de fazer acontecer a cada segundo algo supostamente inaudito, seja um irromper musical, seja um hieratismo estúpido de qualquer um dos bonecos ou de todos ao mesmo tempo, o exotismo de algo fora do contexto que pode ser uns chineses, umas brasileiras ou a tão boa comida que por lá se come. Parêntesis para nova abjecção: o número musical em inglês e português: "Fuck me", "Vêm foder"; como tudo o resto desse misturar de línguas (do francês ao alemão...) para ter piada ou para confundir ou para pôr questões sobre o off ou sobre a desorientação tem o vigor e a graça de um sketch TVI.
Nicolau diverte-se, para ele o cinema é diversão e brinquedo de menino rico de boas famílias, a coreografar assaltos e a filmar monitores, efeitos de magia, coisas "fora", diferentes, essa poética do kitsch e de uma liberdade que mais não está do que completamente aprisionada por essa esperteza que tudo permite levar à frente e com tudo gozar, despir pessoas para lhes ver o cu e as mamas e o resto e para aí, no terreno da liberdade de jovem génio da genial e imprevisível e "rebelde" "O Som e a Fúria", bater a sua punheta interdita, sonhada talvez lá por debaixo do irresistível mundo dos espelhos do cinema e dos iogurtes.
De movimentos em movimentos saimos definitivamente da nau e vamos ter pena de José Mário Branco e de Luís Miguel Cintra, tratados ao nível da ralé e da escória que anda pelo todo. Vamos ter algo em animação, longa como tudo o resto, pretensiosa como tudo o resto, sem forma como tudo o resto, emboscadas, reféns e bombas, vamos ter um travelling por uma floresta em que a câmara se solta, qual Apitchapong ou Gus Van Sant, que de tão contrário a qualquer fisicalidade faz pena. Faz rir. Objectivo cumprido? De Monteiro (já lá vou) a Wes Anderson o passo é proporcional à estupidez e ao desejo de rebeldia de menino do coro, maria vai com as outras, cordeirinho, e o que acontece pelo final é o que acontece pelo todo, onde a nulidade cinematográfica casa gloriosamente com a nulidade humana, com a nulidade de qualquer tipo de ontologia, não só do cinema, como, principalmente, do lado do real e da vida. O artificio ou o falso não salvam isto por que isto é da ordem da superioridade, o tal talento sem limites que acima de tudo e de todos se coloca e que com tudo se permite gozar, exceder, reverter, masturbar.
Fórmulas matemáticas, palavreado da física ou da química de rato de internet, cervejas e vinhos vitaminados, questões de honra e de traição tratadas com a falsidade e o embuste que rege Nicolau. João César Monteiro é o que quer viver aqui, como nas curtas-metragens anteriores, digam o que disserem. Mas Monteiro era uma arte que só de muito longe e de muito escuro, provavelmente de debaixo da terra, se deixava entrever, onde as várias ordens, da infância ao sublime terra e água ao que quer que seja, se tornavam corpo uno corpo de mistérios e de fatalidade, mundo bruto homem inteiro. Indecifrável.
Nicolau quer mostrar que Monteiro hoje só pode ser outra coisa ou que hoje em dia provavelmente faria isto , quer virar ao contrário e fazer tábua rasa da magnífica memória dos Tourneur, de Walsh, de King, etc. Quer ter a candura e o romantismo terminal de um Manuel Mozos ou os rasgos de Miguel Gomes e cai passo a passo no ridículo. Nicolau vira o feitiço contra o feiticeiro e nada mais faz do que profanar tudo isto e ao mesmo tempo expor claramente a idiotice de uma parte geracional, espécie de família, a sua, com certeza, e finalmente a inutilidade de tudo isto. Não há som, não há imagem, pretenso raccord que não seja inútil. Imaginado António de Macedo elevado ao paroxismo.
Tenho que o dizer: nem me importo muito com o dinheiro gasto neste lixo ou com os ditirambos internacionais e nacionais que lhe continuarão a chegar, e, se pensar bem, nem me importo – ou melhor, importo-me, foda-se- que se diga que a cinemateca abriu o mês comemorativo de Fevereiro com o esplêndido e indizível Manoel de Oliveira e fechou com Nicolau, e que em tudo isto há uma lógica - passagem de testemunho? O que foi o cinema e o que vai ser? Coisa perigosa, grosseira... O que nunca hei-de aceitar, ainda ontem falámos nisso, é que cineastas de corpo inteiro, Victor Gonçalves ou Joaquim Pinto, Jorge Silva Melo ou tantos outros jovens, rapazes e raparigas sozinhos contra o universo, que em cada filme fazem a sua biografia e a do mundo ou do seu lugar ou não lugar, que olham e que ardentemente captam e juntam poros e carne e sangue, continuem a ser impedidos de filmar pelos fascistas e medíocres e pela máfia dos que atribuem subsídios, dos produtores, dos festivais que recebem cópias em DVD de filmes digitais sem produtora, sem "nomes do meio", considerados por eles "amadores", possivelmente com falhas técnicas e não higienizados pelos "profissionais" mas com o fogo de furiosos vulcões em irrupções imparáveis. Amadores que amam muito, que é o oposto dos que nada amam e só se querem promover, realizadores vedetas, mundo bafiento e orquestrado do meio e da critica que é a mesma coisa. Costas protegidas contra os desnudados que tudo expõem. Dinheiro e maquinaria e publicidade que tentam apagar o desejo de cinema dos pobres e dos selvagens. Dos que fazem desta arte que nasceu para mostrar os homens e o mundo, os seus medos e alegrias e verdades e mentiras, a complexidade de tudo isto e a infinitude de sentidos, um tudo ou nada, questão vital, não merecia certas coisas como "A Espada e a Rosa".
Poderia ser assim: qualquer cineasta, a partir de agora, pode fazer um filme com a consciência de que um Nicolau é chamado realizador, ou cineasta, e que uma coisa como A Espada foi feita e passada em Veneza e aplaudida pelos idiotas e parasitas que teimam ocupar esta arte que nasceu com os Lumiére e que tantas emoções e sentimentos prometia. Fazer contra isto, ou seja, por amor.
José Oliveira
Marta Ramos
Mário Fernandes
16 comentários:
tão pequeninos e já tão pequeninos os meninos...
gostam muito das tradiçõezitas todas no seu lugar, o cânonezinho, o pedestal, a opinião vigente... (quando o jorge silva melo for um grande cineasta juro que vos deixo foderem-me no cu com o vosso adulante totem dos pequeninos) e "aceitar o nada ou a presença do mundo" é das frase mais chungas que já ouvi. a sério.
Confesso que até achei alguma graça às curtas do João Nicolau (sobretudo Rapace), mas sou forçado a concordar convosco: a Espada e a Rosa é demasiado mau, uma chachada cinematográfica ultra xunga, publicitária, falsa sem ser teatral (antes fosse!) e não se deve desculpar um cineasta que recebeu tudo mas tudo para fazer o filme que queria.
Não tem nada a ver com classicismos, tradicionalismos, modernismos ou outros ismos, a aberração não tem data nem escola. Apesar de também não apreciar o Jorge Silva Melo, reconheço-lhe méritos que o João Nicolau nem sequer arranha. E a opinião vigente e o canône infelizmente tendem a endeusar o João Nicolau. Por isso é importante haver gajos do contra!
Só espero que os autores do texto se mantenham pequeninos por muitos anos e continuem a escrever contra os gigantes opressores e poluidores audiovisuais.
Parabéns pelo texto explosivo, hay que tenerlos
e já consideraram as minhas beatinhas reaccionárias que não haverá só um cinema e que nem todo é feito para vos agradar, que a diversidade é uma coisa muito bonita que enriquece esse vosso mundo cheio de presenças e silêncios e dignidades e actores comovidos, que podem sempre ver as vossas caixas de dvds de pantufa e que nenhum mal vem ao mundo por vos irem aos purismos?
e o jorge silva melo tem o mérito é de cagar documentários merdosos, cheios de sensibilidades bafientas, para pagar a renda, é o que tem.
forgive this onion, tem calma pá! Mal seria se um gajo que não gostasse da "Espada e a Rosa" fosse logo um beato reaccionário e puritano!
A crítica faz parte da mística, conheço muita gente que gostou muito das curtas e detestou a espada e a rosa e até ouvi críticas mais violentas do que aquelas que estão no texto.
A diversidade é uma coisa muito bonita sim senhor, concordo contigo, por isso talvez seja bom aceitares, em nome da diversidade que defendes, que há gente que odeia veemente o filme, da mesma forma que há outros que o defendem com todo o entusiasmo.
Eu sou daqueles que esperava muito mais do João Nicolau cineasta (não é nada de pessoal!) e admiro a coragem de quem escreveu o texto e subscrevo o conteúdo quase todo, mas não vou agora insultar nem “ peixarar”com quem gosta do filme. Sempre achei que melhor do que responder à crítica é fazer a própria crítica do filme.
caro jorge.
começo por pedir desculpa pela peixarada. estava só a tentar fazer amigos. mas concordo contigo e apenas uso do meu direito de odiar veementemente a boçalidade da critica em questão, para que possamos todos continuar a odiar com muita propriedade por ai fora.
e não é tanto o conteúdo, já que, como disseste, toda a gente tem o direito e tal...é mesmo o tom que me deixa assim mais azedo.
para começar, a posição de "coragem" de que falas é coragem para quê exactamente? então não andamos aqui todos alinhadinhos a exercer direitos? é coragem dizer "não gosto"?
depois, "anormal", "idiota", "estupidez", "lixo", "inutilidade", "ralé, "escória" e "jorge silva melo", são só alguns dos palavrões com que o autor define o nivel da sua corajosa investida contra o desejo de conformidade com que esses filisteus (os tais de veneza e cannes e, em geral, pessoas que não gostam do que ele gosta) decidem aplanar o gosto comum pela bitola da mais vil mediocridade.
portanto:
não fui eu.
ele é que começou.
pensei que era assim que se jogava.
Não me cabe defender o texto nem os seus autores, mas acho que estás a reduzir a meia dúzia de estribilhos a intervenção deles. Por exemplo, o Jorge silva Melo só é referido ao de leve e tu aproveitas logo para exercer o teu ódio contra ele. É óbvio que tem adjectivos duros para com o filme, tal como uma crítica positiva os tem abonatórios (sublime, magnifico, lindo…). Num caso como noutro querem dizer tudo ou nada.
Apesar da dureza ou do tom que não aprecias legitimamente, encontro o texto muito bem fundamentando e, mais importante, há uma tradução “audiovisual” da “Espada em Rosa” em praticamente tudo o que eles dizem e não faltam exemplos.
E admiro a coragem porque não é fácil denunciar a estética do “espertinho” e a falência humana de um filme e de um realizador idolatrados em Portugal e lá fora, assinando com o nome próprio e não escondidos no anonimato como o meu amigo “forgive this onion”. Podes concordar ou não, mas eles só exerceram a sua liberdade de expressão para criticar um filme que não gostaram (relendo, não há no texto questões pessoais ou de “fulanizações”, é um texto polémico contra o filme e o João Nicolau Cineasta).
Continuo a achar que melhor do que azedares de diatribe em diatribe por causa deste texto, seria escrever onde quiseres um texto em prol da Espada e a Rosa. Se gostaste assim tanto porque não o fazes? Eu nunca gostei de apanhar os “ossos de cão” das críticas dos outros. Quando não concordo, mais do que o insultozinho que não aquece nem arrefece, tento escrever o meu próprio texto e partilhar a minha visão pessoal.
bom. vá lá ver. primeiro, forgive this onion é mesmo o meu nome (tenho pais freaks que não sabiam o que fazer com a liberdade) e chamares-te jorge antunes não te afasta mais do anonimato, no que me diz respeito, do que se te chamasses behold this zuccini. é só um nome.
depois a "estética do espertinho" é uma noção tão cheia de conteúdo como sei lá...o filme do silva melo sobre o skapinakis (ups desculpa, saiu-me) não quer dizer absolutamente nada a não ser que não será provavelmente a estética, considerada da substancia, que os autores divinizam.
em prejuízo de puderem relacionar-se com tudo aquilo que não percebem, incluindo que um filme possa muitas vezes posicionar-se por negação e confronto com o que consideram sagrado, e que o seu valor possa também passar por aí, os autores parecem querer convencer-nos muito histericamente que tudo isto é um atentado ao bem fazer e ao direito de existir livre de tamanhas obscenidades infantis. ora eu, muito construtivamente, tendo a considerar que, precisamente, quando um filme atenta tão flagrantemente contra a minha capacidade de um encaixar num esquema de familiaridades, se advinha normalmente um belo momento de ginastica conceptual e descoberta da diferença que pudera (deus nos livre) fazer-me descobrir qualquer coisinha nova ao fim do dia, e surpreender-me naquela sensação estimulante de levar com uma tarte merengada na tromba, lamber os beiços e descobrir que está bem boa.
claramente os autores não gostam de merengue.
também, a noção de que um filme possa trazer consigo a falência humana de alguém está, assim, a um pintelho dos piores despotismos teóricos de 60. os mesmos que parecem inspirar os autores a colocar o cinema no seio da luta de classes no computador que a mulher a dias lhes limpou horas antes. um filme é um filme. é uma proposta estética, formal e discursiva. portanto uma tradução do mundo numa linguagem especifica. o que possa haver de essencialmente humano num filme é vago, abstracto e volátil e entra e sai contigo da sala.
a fulanização é para mim evidente porque o texto é, em geral, muito pobrezinho e as investidas piurças dos autores destacam-se do marasmo de ideias assentes em generalizações vazias do principio ao fim. dizer que as opções de um filme têm a ver com a infância mimada do realizador ou o dinheiro dos pais não é, nem nunca foi uma grande ideia fora dos textos do mário jorge torres.
cada topeira cava o buraco que quer, por mim finita la comedia. continuo a achar que não é por um filme não encaixar num sistema de familiaridades que é necessariamente bom, isso não é de forma alguma uma caução de qualidade. e acho que o texto está muito para além das generalizações e exemplos concretos não faltam.
dito isto, está tudo dito. não me apetece falar mais sobre isso. cada um na sua, há espaço para todos. Abraço
e a festa, estava boa?
[a letra traduzida de "fuck me" não é "vêm foder", plural é bacanal, e ali era apenas uma singela história de amor, formal e tradicional]
olha ali mesmo em baixo quem era o encatadinho...
http://www.osomeafuria.com/films/3/6/
uau, nem eu gosto tanto...
[“É irresistível mais uma vez, um objecto fantasista e fresco ao qual é difícil achar comparação.
O que torna o cinema de Nicolau uma alegria e um gesto comovente é precisamente a sua fome de invenção e de ruptura. Inventar planos – como a prodigiosa abertura em plano sequência de fora para dentro – interacções entre as imagens e os sons, inventar cortes e raccords entre as mais diversas situações. Volta a ser quase nouvelle vague neste sentido, mas ao contrário da maior parte que o tenta ser grosseiramente, o cinema de Nicolau surge investido de uma poética desiludida, minimalista, inocente, e tal como “Rapace”, algo muito ligado a um estado de espírito de uma geração.”
José Oliveira, http://raging-b.blogspot.com]
foda-se...há que ser homem e assumir as merdas...um dia gostei dessas curtas. hoje não quero ver isso nem perto, destesto toda essa poética... mas ao menos assumo, poderia perfeitamente ter apagado o post. as pessoas mudam, e o que um dia se gosta, outro dia pode-se detestar...mas assume-se isso...não se apaga...agora vocês é que são uns fracos em virem para aqui, pobre blog...anónimos, sem darem a cara e a mandar bojardas...quando a mim me conheçem perfeitamente...isso já não é de homem...é de criança, claro, como nos filmes do Nicolau...
p.s: João Nicolau que me pareceu um tipo porreiro, eu que nunca confundi o homem com a obra, sempre que escrevi foi sobre os filmes, nunca sobre ele. mas é o que temos, o país e as pessoas que temos... e a festa, sim, muito boa...
Oh Jovem... Não tenho culpa de não ser conhecido perfeitamente. Mas lhe garanto que Six muita gente conhece. Meu nome de baptismo será João Matos, mas como nunca sei o resultado de estas interacções internauticas, me aconselha o DADUS a usar um outro nome. E mesmo assim arrisco usando um que muita gente reconhece...
Adoro contudo frases como "isso não é de homem" e afins. É giro, me faz lembrar as únicas alturas em que se lançam essas farpas (em criança, no recreio, com os copos, numa boite de má fama). Quem dera a mim as usar mais frequentemente.
A questão não é de o José ter gostado ou não de filmes que agora já não aprecia. Acho perfeitamente natural e recomendável que nossos gostos e consumos vão mudando e crescendo com a nossa barba (a minha pelo menos), a nossa mipoia (a minha que a tenho) ou os nossos cabelos brancos (que marca d'água de charme que Jesus nos permite...).
Mas de facto não percebo a indignação de alguém que pelos vistos gosta de ver filmes (e de os fazer também, imagino) perante obras que não lhe enchem as medidas. Espingardando até contra as mesmas estruturas, formas de fazer e de financiar que lhe põem em sala filmes que lhe parecem agradar. E tudo isto acompanhado com um fio de raciocínio que mais parece dirigido a um qualquer carteiro que tenha namorado sua mulher enquanto o José estava no serviço (perdoe-me a imagem, não ponho em causa a virilidade que não lhe conheço).
E tudo isto polvilhado pelo enorme desrespeito a que parece votar os seus próprios filmes, declarando que amadores são, quando a mim (e a muitos) não me interessa saber se o filme que vejo custou milhões ou tostões.
E quanto à festa, que muito prazer me deu a pôr de pé, por favor não me diga (depois dos textos que escreveu) que não confunde o homem com a obra. Pois foi tudo isso que o José fez.
Com abraços e esperando que a BERALTIN não feche mais minas,
João Matos Six, na terceira vez na vida que algo comentou num blogue (e todas no mesmo...)
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