por José Oliveira
Em 2024 o Cineclube Gardunha une-se ao festival de música Fatela Sónica. A cineasta Francisca Marvão é um dos centros desta colaboração. Estará presente já dia 17, terça-feira, na Moagem, pelas 21h00, a apresentar Ela é uma Música, um documentário que é uma viagem de descoberta pelo mundo do rock em Portugal.
Em 2024 o Cineclube Gardunha une-se ao festival de música Fatela Sónica. A cineasta Francisca Marvão é um dos centros desta colaboração. Estará presente já dia 17, terça-feira, na Moagem, pelas 21h, a apresentar Ela é uma Música, um documentário que é uma viagem de descoberta pelo mundo do rock em Portugal, na voz das suas ilustres desconhecidas: as mulheres. A sinopse diz-nos ainda que As miúdas andam por aí, a rockar como se não houvesse amanhã! Uma grande viagem sónica e humana que é imperdível. A realizadora estará presente na sessão, juntamente com Miguel Newton, um dos fundadores do festival. E dia 19, quinta-feira pelas 21h, no recinto do festival, situado no Anjo da Guarda, veremos algumas imagens do seu documentário inédito 𝐐𝐮𝐞𝐦 𝐭𝐞𝐦 𝐦𝐞𝐝𝐨 𝐝𝐞 𝐙𝐮𝐫𝐢𝐭𝐚 𝐝𝐞 𝐎𝐥𝐢𝐯𝐞𝐢𝐫𝐚?
Obra muito esperada sobre um nome pioneiro e esquecido do rock em Portugal, produzida a partir de um crowdfunding, o Cineclube e o festival juntaram esforços para ajudar na finalização do documentário. Por isso, depois da projeção, haverá um DJ set levado a cabo por mulheres (a Noite das Ganapas!). A entrada para esta sessão de filme e música reverterá para a finalização do filme. Fizemos uma pequena entrevista a Francisca, reveladora de um modo de fazer e de ver as coisas que é pura paixão e justiça.
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O cinema e a música são indissociáveis no teu trabalho. Conta-nos um pouco do teu percurso.
Desde cedo, o cinema e a música estiveram profundamente interligados no meu percurso criativo. Através de um familiar, amante de música e colecionador, tive acesso a uma vasta coleção de discos e a uma grande diversidade de géneros musicais, o que despertou em mim uma curiosidade natural. Passei muitas horas sozinha a explorar e a ouvir música, mergulhando em diferentes sonoridades. Ao mesmo tempo, durante a minha infância e adolescência, fui recebendo câmaras fotográficas e de filmar, que alimentaram a minha paixão pela imagem. Acredito que estas experiências moldaram a minha perceção tanto do som quanto da narrativa visual. Quando comecei a trabalhar em documentários, ficou claro para mim que a música não apenas complementa as imagens, mas é também uma ferramenta poderosa para contar histórias por si só. Para mim, a música tem o poder de amplificar a realidade, de expressar o que as palavras ou as imagens sozinhas não conseguem. Cada documentário e videoclipe que realizo é uma oportunidade de explorar esta relação simbiótica entre som e imagem, e de encontrar um equilíbrio que reforce a mensagem que quero transmitir. A decisão de começar a fazer documentários sobre mulheres na música surgiu de uma frustração que fui acumulando ao longo do tempo. Ao assistir a documentários musicais feitos em Portugal, percebi que as histórias e contributos das mulheres eram frequentemente invisibilizados ou sub-representados.
Essa lacuna levou-me a questionar o porquê dessa falta de visibilidade, e senti que havia uma necessidade urgente de contar essas histórias de forma justa e profunda. Comecei a explorar a vida e o trabalho de muitas artistas e rapidamente percebi a riqueza de trajetórias, lutas e conquistas que estavam a ser ignoradas. Foi isso que me motivou a criar um espaço através dos documentários para dar voz a essas mulheres, celebrando o seu talento, a sua criatividade e a sua resiliência.
A justiça para com o papel das mulheres na história da música portuguesa é central nos teus últimos filmes. Um trabalho de investigação e de paixão. Ainda há muito para redescobrir?
Sim, ainda há muito por redescobrir. O papel das mulheres na história da música portuguesa, como em tantas outras áreas, foi muitas vezes invisibilizado ou subvalorizado. O meu trabalho é, em parte, uma tentativa de trazer à luz essas histórias, de dar voz a mulheres cujas contribuições foram fundamentais, mas que nem sempre receberam o reconhecimento merecido. Um dos grandes problemas é a falta de registo de muitas dessas artistas.
A investigação e a paixão são motores desse processo, pois ao explorar arquivos e ao ouvir relatos, acabo por encontrar uma riqueza de experiências e talentos que surpreende até quem já trabalha na área há tanto tempo. Quanto mais olhamos para trás, mais percebemos que o legado destas mulheres está muito mais presente e vivo do que imaginamos.
Em que ponto está o tão aguardado Quem Tem Medo De Zurita De Oliveira?, que nos irá revelar mais uma figura fascinante e esquecida?
Este documentário tem sido uma verdadeira viagem de redescoberta e também de aprendizagem. Trabalhar com as várias artistas que vão participar no filme, desde o processo criativo até à gravação, tem sido profundamente inspirador. Cada uma trouxe a sua visão única e contribuiu para dar vida à história de Zurita. Aprendi muito com elas, tanto na forma como interpretam a música de Zurita como nas suas perspetivas sobre o legado que ela deixou. É como se cada etapa das filmagens fosse um mergulho mais profundo não só na vida de Zurita, mas também no impacto que ela continua a ter em mulheres na música hoje. Isso enriqueceu o projeto de uma forma que nunca poderia ter imaginado quando comecei.
Vais participar no festival Fatela Sónica, tanto a mostrar filmes como num DJ set. Um festival eminentemente punk, combativo, feito por puro amor, que faz imenso com muito pouco. Os teus filmes também parecem ser feitos com pouco dinheiro e com os meios essenciais. É um desafio trabalhar assim?
Sim, é um grande desafio. Trabalhar com poucos recursos obriga-nos a ser mais engenhosos, a focar no essencial e a encontrar soluções alternativas. Mas, para além disso, estes filmes só são possíveis graças a todas as pessoas que abraçam os projetos e ajudam ao longo do caminho. Forma-se uma espécie de comunidade, com toda a gente a lutar pela mesma causa, e isso torna cada projeto único. Claro que há momentos em que é muito difícil. Espero e luto para que um dia tenhamos bons apoios financeiros, porque fazer um filme requer muito trabalho e acredito que merecemos ser justamente remunerados por ele. Afinal, criar com paixão é incrível, mas pagar as contas com ela... ainda não dá!
Por último, deixa-nos algumas dicas de grandes bandas (ou artistas a solo) e filmes onde as mulheres são essenciais.
Esta é daquelas perguntas que não gosto muito de responder. Há tanta coisa! (risos) Vou escrever o que me surgir neste preciso momento.
Bandas e artistas:
Todas as artistas que aparecem no Ela é Uma Música e as que vão aparecer no Quem tem Medo de Zurita de Oliveira ;)
Madredeus onde a Teresa Salgueiro era essencial
Patti Smith e sugiro um filme sobre ela: Dream of Life
Catherine Ribeiro que infelizmente faleceu há umas semanas
Nico
Chavela Vargas
Violeta Parra
Pj Harvey
Poison Ivy dos The Cramps
The Slits
Bikini Kill
Kim Gordon. Vou ver um concerto dela em breve.
ESG
Malaria!
Mercenárias
Lucy
Lauryn Hill
Joni Mitchell
Odetta. Lembro-me perfeitamente de estar a ver o filme do Scorsese, No Direction Home: Bob Dylan, e de como fiquei profundamente impressionada quando a Odetta surgiu no ecrã, a cantar e a tocar com uma força incrível durante um concerto.
Filmes:
Costa dos Murmúrios – realização de Margarida Cardoso que é uma adaptação do livro da Lídia Jorge
Jesus por um dia – Helena Inverno e Verónica Castro
Os Mutantes – Teresa Villaverde
Balada de um batráquio – curta-metragem de Leonor Teles
Les glaneurs et la glaneuse – filme de Agnès Vardas
Shara - filme de Naomi Kawase
Portrait de la jeune fille em feu – filme de Céline Sciamma
Lazzaro felice - filme de Alice Rohrwacher
Titane – filme de Julia Ducournau
YES – filme de Sally Potter
Love Lies Bleeding - Rose Glass