segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Entrevista a Sofia Marques, realizadora do filme "Verdade ou Consequência?"

 por José Oliveira


Terça-feira, dia 8, pelas 21h, o Cineclube Gardunha terá uma sessão de enorme comoção, numa homenagem ao gigantesco Luis Miguel Cintra. O nosso maior ator de teatro e de cinema, encenador e fundador do Teatro da Cornucópia, figura decisiva da nossa cultura e que conquistou o prémio Pessoa em 2005, estará presente, com a realizadora Sofia Marques.



Quando começou a sua relação com o Luis Miguel Cintra e quais os trabalhos comuns que mais a marcaram?

Entrei no Teatro da Cornucópia em 1996, tinha 19 anos, para fazer o espectáculo Barba Azul, com encenação de Christine Laurent. Neste espectáculo fazia a última esposa do Barba Azul, personagem interpretado pelo Luis Miguel Cintra. Em 1998 estreava o espectáculo Máquina Hamlet, de Heiner Muller, onde fazia uma Ofélia também ligada amorosamente ao personagem de Hamlet, personagem interpretado pelo Luis Miguel Cintra, que aqui era actor e também o encenador da peça. Dei-me conta agora que os meus dois primeiros personagens no Teatro da Cornucópia eram amorosamente ligados aos personagens interpretados pelo Luis Miguel Cintra. A primeira mulher não morria porque era salva pelos irmãos, e a segunda suicidava-se com uma corda. Os temas vida e morte ficaram logo lançados desde muito jovem. A partir daí foram 30 espectáculos com encenação de Luis Miguel Cintra e mais uns quantos como assistente de encenação. Estes dois primeiros trabalhos marcaram-me muito, como é natural. Depois seguiram-se outros muito importantes, até para a formação da minha capacidade de assimilar as atualizações dos textos clássicos com o estado do mundo. Esse sempre foi um dos objetivos da companhia. Posso deixar aqui os nomes de outros espectáculos igualmente importantes para mim: O LírioA História do SoldadoA TempestadeFim de CitaçãoMisererePíladesFingido e VerdadeiroDança da Morte... são muitos os espectáculos e em alguns deles o Luis Miguel Cintra era só intérprete como eu, ou seja, meu colega.

Verdade ou Consequência? utiliza materiais e formatos diversos, estando muito longe da típica biografia de um artista; em que momento é que pensou partir para um filme longo sobre o LMC a partir de todos os registos que foi colhendo?

Desde o primeiro momento que a minha ideia era aproximar-me ao Luis Miguel Cintra de uma forma criativa, forma essa que combina tão bem com ele. No início do projeto o filme tinha o nome provisório Sem título/Cem títulos, para não limitar a obra e permitir uma observação mais livre, tal como na pintura. Desde o início que imaginei trabalhar fragmentos e não estruturas, organizados para a partir daí criar ligações com mais liberdade e com mais originalidade. Sempre estive certa que a estrutura do filme tinha que ter a ver com a lógica da própria cabeça do Luis Miguel Cintra, uma cabeça irreverente, contraditória, sentimental, provocadora. Sempre suspeitei que o filme seria o meu olhar sobre ele e ambos à procura de um caminho, o nosso.




Um retrato na intimidade, só possível quando existe da parte do retratado e de quem retrata uma relação de confiança. Como foi a progressão desse mergulho na parte mais privada e delicada?

A progressão desse mergulho na parte mais privada e delicada aparece através da confiança que o Luis Miguel Cintra já tinha por mim, pois já nos conhecemos há quase 30 anos, e, além disso, como realizadora, eu já tinha realizado um outro filme chamado Ilusão, sobre um projeto muito especial e particular que o Teatro da Cornucópia apresentou em 2014. O filme foi do agrado dele e agora, com o fecho do Teatro da Cornucópia, o filme tornou-se num documento precioso. Penso que a nossa convivência artística e pessoal é sólida o suficiente para chegarmos a todas estas camadas que o filme Verdade ou Consequência? contém.

A partir daqui, tem vontade de trabalhar mais em cinema, e sobretudo na realização (de ficção, por exemplo), ou interessa-lhe mais os palcos?

Tenho vontade de continuar a fazer o que tenho feito até aqui, ou seja, as duas coisas. As duas linguagens convivem muito bem uma com a outra, tanto gosto de fazer os meus filmes como fazer as minhas personagens no teatro e no cinema. Tudo é alimento para a alma e para a vida. 



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