segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Entrevista a André Marques sobre o filme O BÊBADO, por José Oliveira

 Aquando da exibição do filme no Cineclube Gardunha - dezembro de 2024.


- Tem sido muito comentada a tua experiência de estudo na Romênia e essa influência tanto nas tuas curtas anteriores como nesta estreia nas longas-metragens. O que mais te marcou realmente nesse período formativo?

Existe a falsa ideia de que eu fui pra a Roménia estudar, não é verdade, fui para lá viver e trabalhar ainda muito novo, do qual resulta uma curta-metragem (Luminita). No entanto, nesse período romeno, existiu ainda assim para mim um processo de formação e reconhecimento de outras formas de filmar e contar uma história. A longa é uma consequência desse processo, depois continuado em Portugal nestes últimos 10 anos.

 

- Existe uma dureza e uma busca de veracidade no teu trabalho com os actores e no trabalho com a câmara que torna os dois indissociáveis. O que pedes aos actores e como é que pensas as distâncias entre eles, a câmara e o espaço?

Aos actores peço foco, sobretudo, e tento fazer o melhor para ajudá-los a mantê-lo, a organizarem mente e coração, situarem-se no tempo e no espaço. Sei o que procuro em cada momento mas também tento dar espaço e lugar da fala às personagens, por assim dizer, para que elas tomem conta do set e da dinâmica no mesmo. O trabalho de câmara é diferente, às vezes sou eu a operar e o processo torna-se ainda mais instintivo, mas em geral procuro uma fluidez natural entre a câmara e os corpos.

 

- O improviso e o instinto parecem ter um lugar central no teu método. Como é que a ideia inicial vai mudando desde o papel até à montagem?

Não muda assim tanto, como parece indiciar a pergunta. Existe uma ideia central, planeada, mas a produção de cinema obriga a uma constante adaptação, isso é certo. Como exemplos, às vezes os actores trazem novas luzes sobre as personagens, às vezes os décores de rodagem permitem mais ou restringem certas ideias pré-pensadas.

 

- Estamos na cidade de Setúbal, de onde és natural, mas evitas todo o perigo do bilhete-postal e do turismo. O filme poderia ser passado noutro lugar?

Sim e não. Para mim sempre foi essencial voltar a “jogar em casa”, depois de várias curtas filmadas em Setúbal, e, de facto, a história do filme foi escrita em torno de vários elementos socio-económicos e geográficos característicos de Setúbal. Por outro lado, se um dia alguém decidir fazer um remake do O Bêbado, poderemos ter oportunidade de redescobrir novas perspectivas num outro lugar onde a história se desenrole. 

 

- Por último, conseguiste os meios de produção ideais - e a mim o filme parece-me justo nesse aspecto - ou tiveste de desenrascar muita coisa?

Fazer filmes com tão pouco dinheiro obriga a que haja bastante desenrascanço… Também me parece justo o resultado, mas foi graças a muito cuidado e esforço, por parte de toda a gente que trabalhou no filme, para que este ficasse mais sofisticado/bem feito que o orçamento do filme, em teoria, o permitia. Para referência, O Bêbado teve um 1/3 do orçamento do último filme do Botelho.

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