segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Entrevista a Paulo Abreu, realizador de "Ubu" filme em exibição no Fundão

 por José Oliveira


O Cineclube Gardunha levará a cabo a exibição de vários filmes portugueses em estreia até final do ano. Ubu, de Paulo Abreu, é a primeira das escolhas. Um filme peculiar, excêntrico, um autêntico OVNI no cinema atual, aqui ou em qualquer lado.



Baseado numa peça teatral escrita no século XIX por Alfred Jarry, uma tragicomédia que se revela atual e que tece ainda tangentes à sempre obscura patafísica, de que Jarry foi um dos responsáveis máximos. Abreu arrisca as inusitadas loucuras e cálculos de um Serguei M. Eisenstein punk (via Alexander Nevsky) e o resultado é grave e cómico, a não perder.

Fazer muito com pouco é um dos lemas deste realizador multifacetado e sempre surpreendente, sem estilo ou rótulo definido, que também trabalha na música, na dança ou no teatro, e que foi diretor de fotografia do gigantesco Paulo Rocha. 

Entrevistamos Paul Abreu e assim convidamos todos os amantes de cinema a serem surpreendidos logo no primeiro dia do mês de outubro. Goste-se ou não, a experiência será singular.


Tens já um longo percurso no cinema e noutros campos. Como apresentarias o Paulo Abreu aos espectadores do Cineclube Gardunha?

Eu comecei por volta de 87/88 a trabalhar com vídeo, fiz filmes para espetáculos de dança, de teatro e música, mas sempre tive o desejo de fazer cinema. Tentei concorrer a apoios do ICA desde 1991, acabando por só ter o primeiro apoio em 2011, vinte anos depois de começar a concorrer. Trabalhava, entretanto, como cameraman no VER Artes, que era um excelente programa sobre arquitetura e artes plásticas que dava na RTP 2. Também fazia videoclips ou direção de fotografia em documentários e curtas-metragens de outras pessoas. A partir daí, de 2011, fui conseguindo fazer mais filmes meus com pequenos apoios ou encomendas. Fiz alguns documentários que depois tiveram apoio à finalização. Ubu é a minha primeira longa-metragem de ficção, baseada na peça de teatro escrita por Alfred Jarry e levada à cena pela primeira vez em 1896 com enorme escândalo na época, e que é uma peça e um personagem que está sempre atual, eu diria até cada vez mais atual.

Mesmo para uma cinematografia capaz de quaisquer loucuras como a nossa - que apresenta 'Non', ou A Vã Glória de Mandar e O Sangue no mesmo ano- Ubu irrompe como um meteorito inaudito e silencioso. Parece um Serguei Eisenstein punk. Como surgiram todas essas ideias?

Quem me sugeriu fazer o Ubu foi o meu amigo e cineasta André Gil Mata. Depois vimos várias adaptações que já se tinham feito da peça para cinema, especialmente  Ubu Roi (1965), de Jean Christophe Averty, e achámos que o que seria interessante era tentar uma abordagem completamente diferente, radicalmente oposta à imagética da encenação inicial, e como a peça era também uma paródia ao Shakespeare resolvi também fazer o filme como se fosse um clássico shakespeariano mas com uma dose de loucura que já está presente no texto. As referências que dei para o Jorge Quintela, o diretor de fotografia, foram A fonte da Virgem, do Ingmar Bergman, Othello e Chimes at Midnight, do Orson Welles, e, claro, o Einsenstein de Ivan o Terrível e Alexander Nevski

Foi complicado conseguir os apoios e meios necessários a um suposto épico, mesmo que em miniatura?

Como nunca teria os meios necessários para fazer o filme que queria, pensei que a melhor solução seria aproveitar essa falta de meios a favor do filme, já que estávamos no território do absurdo. Mas, só para dar um pequeno exemplo, o máximo de figurantes que tive na batalha foram 7 (além dos atores). Não tive os meios necessários mas tive uma equipa técnica/artística excelente e muito motivada, o que foi fundamental.  Tive uma rodagem curta (6 semanas) para o filme que era, e tivemos imensas dificuldades em arranjar os decores todos e juntar tudo o que precisávamos para filmar.

Com um trabalho tão inventivo em filmes tão diferentes - e tendo em conta que igualmente vais a jogo em áreas como o teatro, a dança ou a música - que conselhos darias hoje a um jovem que pretende fazer um filme tão louco como o Ubu mas não sabe como?

Acho que o fundamental é acreditar nos projetos e tentar conseguir trabalhar com pessoas de quem se gosta, tanto do lado profissional como do lado humano. O Ubu foi uma rodagem difícil, mas muito divertida, e isso acho que passa para o espectador.

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