terça-feira, 14 de abril de 2009

gravidade

Por motivos que a alguém não conto, dei por mim a ver um famoso filme dos anos 70, um dos que fizeram a glória da dupla Paul Newman/Robert Redford. “The Sting” chama-se a fita. George Roy Hill chama-se o realizador. Bom, apesar dos muitos prémios, não tenho ideia de como a cinéfilia e os seus diversos círculos vêem hoje tal coisa. Por mim talvez o tenha visto em altura não muito apropriada, ou seja, seguidamente aos seminais policiais/filmes negros (o que lhe quiserem chamar…) de Jean-Pierre Melville. "Bob le flambeur", “Le Cercle Rouge”, só para ficar pelos tematicamente comparáveis.

Não sei, não sei se gosto do filme de Hill. Têm méritos, evidentemente, está filmado com aquela classe dos artesões, têm uma reconstituição histórica que parece mais do que perfeita, é muito bem iluminado – sombras onde devem estar, luz onde têm que entrar – nessas coisas todas não falha, não falha mesmo…mais, mesmo as reviravoltas e os truques da narrativa têm um gozo que no cinema americano mais recente só soa a esperteza de “jovem criativo”. O que falha o que falha? Alguma coisa falha. Explicando: é só um deleite, quase um brinquedo sem mácula, uma peça de fabrico numa grande linha de montagem. Um produto de luxo para consumir e não fazer muito caso. Mesmo que Newman/Redford transpirem classe a cada plano, dito isto, são a única coisa distinguível no todo. Dois grandes actores americanos, em irrisão permanente. È, de facto, para ver.

Melville é de outra grandeza. Dir-me-ão que é a diferença entre o grande cinema de autor francês e o cinema americano por essa época, passado o dito “período clássico”, responderei que não só isso, que não isso, que isso é o que as escolas têm para dizer. Melville é cósmico na sua pequenez, não só o mundo por onde os homens andam é mesmo mundo, como nos homens está contida toda a dor e toda a complexidade do conhecido e do desconhecido. Fala-se em máquinas perfeitas, formalmente, mas vasta Melville dizer “acção” que logo o máximo de planificação se transforma no máximo de abertura ao insondável, no máximo de gravidade, tudo a um tempo. Gravidade, é o que falta às máquinas de classe de Hill ou de Soderbergh (por exemplo...), uma qualquer transcendência que ponha fogo ao papel de lustro. Pode-se dizer que em “The Sting” existe um vislumbre disso, naquela cena em que Redford se mostra vulnerável e solitário à porta de uma mulher, “duas da manhã e não conheço ninguém”, mas soa a utopia de algo pronto a ser projectado, mas assim lamentavelmente aprisionado pelas regras do jogo.

Uma panorâmica de "Le Samouraï", uma e não mais do que uma, e…tudo, a mim parece-me tudo, conter tudo o que até hoje vivi, o que lá está no campo e o que fora dele está. E onde o francês com nome de escritor americano diz ter ido buscar tudo, ou quase tudo? pois é…mais vale estar calado e deixar falar que sabe.

p.s: adorei ver o “The Sting”.

3 comentários:

João disse...

Puro divertimento! Deu-me um gozo do caraças ver este filme

Vlademir lazo Corrêa disse...

The Sting é legal. Mas para mim o melhor filme desse cineasta é Slaughterhouse 5, genial filme de guerra e de ficção cientifica. Deu até vontade de rever.

Luís A. disse...

Slaughterhouse 5 definitivamente. Um grande e complexo filme. Este é aceitável mas inócuo