sábado, 28 de fevereiro de 2015



Sétima longa-metragem do por esta altura encapuçado Joseph Losey, "The Sleeping Tiger" é bem capaz de ser o ponto absoluto sintético de um trabalho feito no osso nos anteriores "The Prowler" e sobretudo "The Big Night". Só que aqui já nem somos conduzidos por atalhos, eles são simplesmente elididos ou passados a negro e vamos logo ao centro do embate. O ponto de partida é dado de rajada por alguns planos nocturnos a um tempo subliminares e concentradíssimos, rasgados por uma luz precisa e estonteante. A trama, que tem a ver com o médico que nos primeiros segundos de metragem desarmou um jovem com a vida e a cabeça escangalhada e o leva para sua casa onde se dará um choque sexual e talvez de sensibilidades com a esposa desesperada, participa de outras experiências e climas psicológicos de género que Hollywood ia cultivando, mas rapidamente abandona qualquer prisão ou demagogia a isso associado, para voar ou penetrar nas zonas mais terroríficas e adormecidas das nossas vísceras e dos nossos credos. Se a sinopse e o seu desenrolar não parecem ter grande senso, a ambiguidade logo irá impor sentidos outros, e já não se vai saber quem deseja o quê, como, e o nível de provocação, de onde qualquer vértice do triângulo é inocente ou sujo. Ódio, culpa e medo. E a culpa e o medo a gerar mais ódio - isto é o que diz o analista, mas todo o vertigo contradirá certezas. Sem impunidades. Psicologia que não terá viabilidade perante a furiosa combustão do presente. O passado a arder no instante. Assim a metáfora do tigre adormecido nesse demencial fecho que nada fecha literaliza-se numa tragédia sem nome, causa nem legislação. Tudo no emaranhado da cabeça. Não só da do ferido Dirk Bogarde que às tantas aparece como o ser menos contraditório. Em Losey, ou aqui mais do que nunca, toda a dialéctica, o conflito como o orgânico ou o patético, todos os tipos de montagem que muitos escancaram até ficar só a teoria inerte, encontra-se embrenhada ou esventrada no interior do corpo humano. Daí que todos os níveis de realidade advenham de tais pesos e metafísicas. Luz e sombra e enquadramento cinematográfico existem resolutamente por e com tudo isso. Uma ciência e um abismo. Quantas horas hoje para chegar a um vislumbre de tal intensidade?

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