Dos mais de cem créditos que Edward Ludwig apresenta como cineasta em vários formatos, conhecendo-se bem as pequenas grandes obras-primas que vão de "Wake of the Red Witch" a "The Black Scorpion", este bem vivido pioneiro que começou nos anos vinte da nascença do cinema terá certamente infindáveis quilómetros de metragem fascinante e indescritível por achar. E fascínio é uma palavra que assenta perfeitamente em experiências assim inéditas e reveladoras. Então, é com grande comoção que se acolhe e se mergulha em cada novo mundo, em cada paraíso já quase esquecido ou mesmo trucidado. "Jivaro", também dos anos cinquenta, descoberto agora, espanta pelo modo como os sentimentos vibram e se digladiam com o meio que os acolhe e enforma; espanta como as formas desta arte - que parece agora seca e esgotada pelo excesso de imagens e de conceitos aleatórios - explodem e se contêm, relacionam e dependem, em suma, existem pois há um fundo sensível que as fecunda, as concebe, as nutre num desenvolvimento constante.
Fernando Lamas, o actor perfeito para tais arenas, é Rio Galdez, metido numa selva longe da civilização, para ganhar a vida perigosamente em viagens e trocas dúbias e, fatalmente, para tentar esquecer o amor que torna dos ecos da infância. Já a questão de vida e de morte se tornou pasmaceira e calina quotidiana quando a mulher que também em busca lá chega vai provocar e precipitar o turbilhão enterrado. Sem grandes novidades, aparecem as noites longas e claras, as perguntas cósmicas e evidentes, o calor e o gelo conforme a consciência e as quedas do credo que se considerava bem fincado. Quando nos tentamos convencer ou conciliar com o que não acreditamos e não sentimos, é o princípio do fim. Dali, do fim, só lançando-nos a uma prova gigantesca e nela tirando conclusões gigantescas poderemos vislumbrar uma aurora. Que é o que vai acontecer à seguríssima, depois reticente e finalmente estropiada Alice Parker, a que se meteu com Rio Galdez até já não haver volta a dar.
O meio onde cavalga a acção é um caldeirão tão puro como exótico e venenoso, no qual um sem fim de almas aflitas clamam encharcadas em álcool, em alienação e desconhecido pelo golpe que tudo faça sangrar. Na excepção permitida a cada um, a descoberta e progressão fulminante da paixão vai ser acompanhada - ou comentada, conforme a moral - pela indomável manifestação da natureza, caindo nesse terminal ombrear os mal-entendidos e as mentiras que são o alçapão eterno da perdição e do abandono. Da noite de cerveja quente e da ração de combate até ao piano medidor das temperaturas, eclodindo irreversivelmente no plutónico vento final depois dos animais e das águas insuportavelmente realistas e imemoriais - em tensões e catarses elementares que me transportam para o raio de "Untamed" de Henry King ou para as areias do "Suez" de Alan Dwan - todas as virtudes e pecados, santos e demónios, beijos com balas se vão mesclar na carne, no ouro, na libertação e poder, consumindo-se um cosmos rumo a um dia novo. De onde ninguém sai verdadeiramente maculado, tanto pelo ferimento alheio como pelo próprio. Numa dialéctica que une com o brilho final, condição olhada de frente. Edward Ludwig, essencial, só fala do contemporâneo.
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