segunda-feira, 28 de janeiro de 2019


The Crooked Way, Robert Florey , 1949


Passada uma grande guerra mundial, o John Payne que ainda a vive aplacado em muitas paredes, longe do mundo exterior e da sociedade, descobre-se com um pedaço de metal alojado no cérebro. Vários anos depois. Quando decide atirar-se ao abismo da sua amnésia dispensa a rede. Entrega-se à luz cegante sem nada, sem provas da doença, sem condições, sem atenuantes, sem provas. Mal sai para a saudável luz do dia descobre o seu antes em guerra com o depois. O que era antes da guerra e a impossibilidade de recomeço. Da fenda orgânica que cientificamente não lhe permite recuperar a memória, só o passado lhe traçará todas as coordenadas. Para presenciar in loco a outra indesculpável, incomensurável e incurável fenda colectiva. Fenda psicológica que contradizendo os dizeres médicos é imemorial, portanto, sem cura. O corpo e o semblante fechados de Payne, a ausência de emoção, o cancro e a gangrena da solidão, são a exacta radiografia de um pós-guerra. Payne é um país perdedor e toda essa tragédia de carregar uma marca. Um nazi e um vencedor.
 
Passada uma grande guerra mundial, o lado bom do recomeço não prossegue pela desconfiança, pela fama. “The Crooked Way” é um palco de radiografias, luzes enterradas, perfis vacilantes, naturezas condenadas. O trabalho do clínico realizador Robert Florey e do demencial cirurgião John Alton consiste em acender fósforos no negrume da noite total dos escombros que restaram em busca da quimera do acreditar. Uma obra em branco total e em preto total contrastados por lume de temperatura incalculável em superfícies cremadas. No final do mundo e no pós-apocalipse só a memória poderá salvar, os afectos viventes ou jazentes na sombra das sombras. Memória - reconhecimento - - confiança. Jamais a história oficiosa de quem tem a caneta, o papel e o carimbo em mãos.
 
Payne e as formas do filme resistiram ao inverno e às falsas primaveras, à fuga fácil e ao recomeço longínquo. Aceitando o embate mais violento e ferrado com o medo ciclicamente impingido ao Ser Humano. O totalitarismo será sempre esse veneno retroactivo que vai infectando o embrião de um Payne gestado em guerra. Invernos e primaveras trocadas. A grande guerra mundial calada nos passeios e bairros do dia-a-dia.

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