quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

velocidades dramáticas


Há cineastas, que parecendo a antítese perfeita um do outro, são para mim uma e a mesma coisa.
Falo de dois Americanos: Gus Van Sant e Spike Lee.
O primeiro têm conseguido mais consensos, mais admiração, é hoje, por exemplo, um dos protegidos máximos dos Cahiers du Cinema.
Spike é complicado, divide sempre, quase sempre, as opiniões, e já não falo dos epítetos mais óbvios que geralmente são lançados á sua obra.
Há no entanto um elemento fundamental no cinema, que parecendo distancia-los, os aproxima teoricamente, e faz com que sejam o genial oposto um do outro e a mesma coisa ao mesmo tempo, e dois grandiosos cineastas: velocidades dramáticas; gestão dos tempos pela montagem em comunhão com os propósitos em jogo, com as suas personagens e o turbilhão que lhes perpassa a alma. E é isso que dá o ritmo ao filme, que o acelera e o desacelera.
Para não dispersar, concentro-me em dois filmes, que são para mim o ponto máximo de tudo isto.
Paranoid Park (de que tanto tenho falado) e que vai recebendo os mais variados elogios, e He Got Game, o mais fabuloso dos fabulosos filmes de Spike, e o mais esquecido. (o facto de nunca ter estreado em Portugal, é um escândalo tremendo)
Histórias simples: no filme de Gus, um jovem Skater iniciante, comete um homicídio involuntário, com a sua prancha, e decide calá-lo, metê-lo para dentro.
He Gote Game conta a história de um homem (Denzel Washington, fabuloso) que está preso por ter assassinado a sua mulher, e que é solto por pouco tempo, para tentar convencer o seu filho, a maior promessa do Basketball americano, a assinar pela equipa cujo proprietário é nada mais, nada menos, que o chefe da prisão.
E são as pulsões interiores, as indecisões, os ferimentos, mágoas, pressão do tempo, etc…que vão ditar o ritmo dos dois filmes, e que os académicos poderão utilizar a palavra (que eu adoro) desequilibrados.
Em Spike, as acelerações vertiginosas (como nesse também fabuloso Clockers), bem como o exagero cromático, advêm sempre da pressão que o facto de ter rapidamente de fazer uma escolha impõe, a acalmia está reservada para os confrontos familiares, ou então para a pura contemplação do jogo em questão, do bailado; e neste aspecto as duas velocidades quando entram em choque, bem como a utilização de banda sonora tão dispare como os Public Enemy ou o classicismo de Aaron Copland produzem os seus próprios efeitos e fissuras, implodem subtilmente o próprio filme e fazem-no entrar em puro êxtase.
No filme de Van Sant, fixemo-nos no primeiro plano: uma cidade a fervilhar, acelerada; depois entramos na história do rapaz que calou um crime; e será sempre nesse confronto, entre o interior deprimido e desesperado do miúdo, e a cidade que não para, que um choque de velocidades e ritmos entrarão em confronto.
O ritmo interior do rapaz é quase sempre dado ao retardador e é ele que impõe o próprio ritmo do filme; a normalidade bem do meio ou dos que fazem o seu trabalho – o policia; a namorada, ou o mais importante: o mundo lá fora que não pára.
Reparemos então na música, tão contrastante e tão apropriada a cada situação.
E pronto: para mim são uma e a mesma coisa: são os ritmos dos personagens e o que em jogo está, que nos dois cineastas, são os responsáveis pela duração, pelo ritmo. E isso é a especificidade do cinema. A Montagem. Caro Godard dixit.
Além de serem formalistas arrebatadores, la “mise-en-scène”, pois claro, as angulações, o que está in, etc. a jogarem papel decisivo…
*para os desatentos estou no campo das formas.


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