segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Estive a rever "L`Argent" de Robert Bresson. Já não sabia que era isto, o filme mais cruel e fatalista de todo o cinema.
Toda e qualquer esperança – ou somente um resquício invisível – abolida, todo o acaso de mão dada com o niilismo, toda uma negríssima e apocalíptica espiral de eventos engrenados pelo cume significante do poder da sociedade. Tudo isto é sobre a natureza humana, num assombroso e tão secreto paroxismo e naquela surdina e depuração tão aguda e lapidada que tudo nos é dado a ver desmedidamente mais ampliado e atroz.
Não há assim obra mais terrivelmente elíptica e horrífica, pedaços de existências e acontecimentos que fecham com um banho sanguinário sobre o qual nada ou quase nada nos é dado a entrever, e onde um animal aflitamente a tudo presencia e se sente impotente.
Tanto mais grave que o espírito parece realmente já estar do outro lado, daí a tal sensação dos corpos em deslize, dos percursos leves e como que a um passo acima do nível terreno.
É verdade que à data aterrorizou e foi difícil. Hoje percebe-se ainda melhor. O que na altura foi pôr nos píncaros tudo o que estava para trás na sua obra, constitui tanto o mais inflexível olhar sobre o dinheiro e o seu simbolismo, como um possível ponto de chegada da frieza do novo mundo e das novas relações. Da implacabilidade de tudo isto.
Neste mundo e neste tempo as palavras e as acções já deram a volta completa e já voltaram a recuar tudo.
Por isso é o filme mais frio, por isso é também o mais pavoroso e escaldante.

1 comentário:

Carlos Pereira disse...

"Acabámos sem nunca termos discutido", ou um dos maiores diálogos do cinema. Fatal, directamente fatal, da secura e do desencanto.