Rohmer pegou em Marie Rivière e fez essa Delphina, mais irritante que todas as burguesas dele (e, Meu Deus, como ele sabe fazer burguesas irritantes!) e construi a personagem que é aquela que mais me espanta em toda a história do cinema. Porque, sem ponta por onde se lhe pegue, sem ponta que se nos pegue, não conseguimos despegar os olhos dela, sentindo, contra a personagem e contra a actriz, que dali vai acontecer qualquer coisa de muito espantoso. Mas Rohmer é o último dos cineastas que sabe que o essencial, no cinema, não é da ordem da linguagem, mas da ordem do ontológico. E todas as paixões de Rohmer, de Hitchcock a Mizoguchi, de Murnau a Rossellini, pegaram em Delphine e a levaram de Cherbourg para Biarritz e de Biarritz para Saint-Jean-de-Luz, para a transfigurar à luz do raio verde. 1986 foi o ano.
João Bénard da Costa
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