"The Thing from Another World", 1951
Entre a dissimulação de “I Was a Male War Bride” e a bravura sem lei nem nome presente em “The Big Sky” Howard Hawks resolveu oferecer um impagável presente a Christian Nyby, o seu montador habitual, e a si mesmo. Foi igualmente o começo de uma nova casa de produção que dividiu com a RKO e com o fiel amigo-inimigo Huges, genialmente apelidada de Winchester Pictures, para esta sua única incursão na Ficção Científica. Nessa jornada invulgar pelo meio do árctico que se calhar hoje é mais conhecida pela fabulosa e apocalíptica carta de amor e catarse que John Carpenter assinou em 1981 ao seu mestre, que é ainda uma adaptação de “Who Goes There?” de John W. Campbell Jr., estão as principais obsessões do aqui creditado produtor: uma missão de alto risco, o enclausuramento, o mundo de homens e a mulher a tentar emergir, as paixões suspensas, uma violência lapidar. E a enformar: a secura, a frontalidade, precisão, economia. E totalmente comum ao todo, a moral: esse laconismo como razão de ser. Não é defender que está aqui todo o Hawks, constelação cada vez mais complexa e múltipla de sentidos, de brilhos e fundos, da mesma maneira que é fácil dizer que num “Fig Leaves” está toda a erótica e comicidade, mas é um dos eixos necessários. Se estamos no terreno do extraordinário, do fantástico ou da antecipação, nada disso faz hesitar esses tipos no meio do gelo que descobrem uma coisa de outro planeta que não o seu. Notam que não foi um avião que queimou uma monstruosa cratera no centro do gelo, rapidamente não encontram lógica, e logo deduzem e aceitam o que os ultrapassa. A coisa, literalmente, começa a atacá-los e a querer sobreviver e montam um plano que é para levar até às últimas consequências: acabar com ela. Homens da vida simples e dura, do exército e dos códigos humanos. Por outro lado, a ciência, esse polo outro representado pelo Dr. Arthur Carrington e a sua equipa, que jura estar perante uma ciência nova, a maior descoberta da história, uma nova civilização de proporções inconcebíveis para as suas mentes. E na sua ode ao desbravar de novos territórios oferece-se ao altar sacrificial pelo maior dos bens da humanidade: o conhecimento, o pensamento, a fonte da sabedoria. E é obviamente a guerra. Numa encenação desenhada como o aço e calcetada a pedra rija, cortante e exata, cheia de sombras que assolam a neve, de muitos túneis de medo e com um lá fora ameaçador, tudo se pensa rapidamente e com uma naturalidade que só pode estar à altura do perigo, angústia em elipse. Logo, a abstração, e o paradoxo, pois se é o Doutor que fala na importância de conhecer e estudar um fenómeno inaudito, é ele quem está mais perto dos terrenos do misticismo e do invisível, um Deus, uma religião, todo o inacreditável. Para os soldados liderados pelo Captain Patrick Hendry, só lhes interessa a natureza e o instinto, algo primário que decorre do visível e do pânico imemorial, a ver com o amor primário. A reversão dos pressupostos e o encontro dos contrários no momento do tudo ou do nada, na inflexão, mundo novo, é aqui a chave e a verdadeira ameaça. Laconicamente, e só nesse sentido producente. Nas misérias e nas festas, o poder de decisão. Ou seja, nós. Por esta convocação de tanto desconhecido e assim negro a uma luz nada delirante de género, onde o visitante nos é apresentado como qualquer um, sem filtros nem ângulos deformados, e onde é a mulher que tenta constantemente o homem, o seduz e propõe o lar, não é a ciência que é vencida, os horizontes rasgados ou a inteligência, mas precisamente o oposto. Mais uma vez, assumindo a importância da redundância ou do eterno-retorno, a questão da resistência, da tenacidade, da crença. Há coisas boas e más e a distinção consiste em deixar de parte os silogismos horrendos e sentir-lhes o fulcro, é isto o Cinema. Isto é, Viver.
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