...All the Marbles, Robert Aldrich, 1981
“...All the Marbles” calhou ser o
último filme de Robert Aldrich, nele nada existe de testamentário
ou de balanço, antes uma sede de avançar e conjugar os supostos
opostos mais diversos. Produzido pelo seu filho William Aldrich,
tendo como realizadora de segunda unidade a filha Adell Aldrich e
contando ainda no papel de Transportation Department com
mais uma sua cria, Kelly Aldrich, o homem que se queimou nos gélidos
noirs atómicos
e se estilhaçou com o chamado
western moderno,
revertendo toda a moralidade e os farrapos das convenções em “The
Dirty Dozen”, não se contentou em abandonar o seu oficio de forma
consensual ou exemplar, antes quis continuar a jogar nos seus
próprios termos. Termos que são o risco permanente, o ângulo inesperado, a
orquestração selvática, o que não dá para contar e que pertence ao campo dos espelhos do cinema.
A
história e os personagens são comoventes e complexos: o manager de
luta livre feminina interpretado por Peter Falk é lindíssimo e
brutamontes, pois percebeu que só assim é capaz de levar as suas duas
beldades da terra do bronze
a concretizarem o seu sonho e a safarem-se na lixeira da corrupção
e das aparências do amaldiçoado ouro. E é neste ménage
a trois insólito que eles se
amam, odeiam, são pais, filhas, irmãos, putas, filho, chulos,
puros, humanos; ménage a trois em
alta rotação américa afora que é o fito fundamental da humanidade
sempre em marcha de Aldrich: das fábricas, dos fumos e do
cinzentismo do Ohio até ao lago radioso de Chicago, da Califórnia
inicial que não brilha até às luzes circenses dos casinos do
Nevada, a câmara de filmar vai-se derretendo e zarpando pelo ferro
fundido ou admirando-se em frente às águas cintilantes que
acariciam e redimem o betão; vai ainda olhar estupefacta para os trabalhadores da
the other half para
logo depois não perceber os engravatados que nos escritórios
cimeiros e lustrosos orquestram os nossos serões; câmara que se
consome para tornar fulgurante o que a maior parte dos filmes
despacham como rotina, um carro e pessoas nas suas conversas normais
e passionais, e é aí que Aldrich confia no rosto e na tensão de
Falk para fazer escutar às meninas daquele filme e às meninas e
meninos do mundo todo um tenor Italiano ou outras constelações
anacrónicas a embalar o que seriam os planos de passagem da
narrativa principal, o resíduo a falar com a alta arte nos meios das
confissões graves.
Por
sobre lutas na lama e demais monstruosidades da américa funda e das
tradições de feiras e de profetas do apocalipse à espreita, ainda
se eleva Clifford Odets e Will Rogers à categoria e ao patamar de
sábios e dançarinos, voando “...All the Marbles” para o tempo
do Deuteronómio bíblico que afirma que «ninguém tem o direito de
se desinteressar» e aterrando nas ruas que Nasty Nas já habitava
para logo vociferar a profecia «I never sleep, 'cause sleep is the
cousin of death» contra todas as pragas da inércia e da indústria
do medo. A américa de John Steinbeck e das suas viagens com Charley,
as folhas de Whitman, os poetas puros do infortúnio de fim de
século, escravos e príncipes. Aldrich a patinar na formação da
crenças mais antigas do que o antigo e na sujidade nova das rimas e
do basket num
equilíbrio que se vai produzindo no mais vale quebrar do que torcer
até ao plano final, uma cruz ou um simples abraço – a beleza de quem se sujou todo no caminho
espinhoso mas permaneceu limpo no essencial. “...All the Marbles”,
na sua fúria desengonçada pelos pontos mortos da dramaturgia, é
esse encontro de almas das virtudes para sempre intactas em qualquer
tipo de terreno, para lá do instante e da altercação. As regras
dos bravos.
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