sábado, 8 de março de 2008

o caso Vasconcelos

Ando a ler umas coisas no blogue do António Pedro Vasconcelos, de resto já conheço o seu discurso há muitos anos.
É contra o cinema o cinema de autor, para o umbigo (oh terrível expressão), ou seja: contra a multiplicidade de proposta, de objectos, logo de pontos de vista.
É a favor de cinema popular, feito a pensar no público total, nos que pagam os bilhetes…a roçar o pimba.
Ou seja: para ele o cinema só havia de existir desta forma.
O Pedro Costa para ele é o cineasta das Fontainhas, o João Mário Grilo um Senhor Doutor “caherista” e intelectual, o Senhor Oliveira alguém que tenta entrar para os livros de recordes, etc…
Só tenho 25, não conheço o seu papel como crítico, salvo alguns textos sobre Truffaut, de resto dizem que era muito bom.
Só nunca percebi uma coisa: como é que um tão artesão realizador, populista até á medula era grande amigo dos furiosos “autoristas” como João César Monteiro, Paulo Rocha ou Fernando Lopes. Ou é, não sei.

Nem outra coisa, e aqui é o ponto principal: anos 50, Truffaut era o enfant terrible dos Cahiers du Cinema da capa amarela, queria destruir o cinema naturalista, bonitinho, baseado em literatura popular, conformista, o cinema de estúdio certinho e com tudo no sítio.
Atacou nomes como Jean Dellannoy, Jean Aurenche ou Pierre Boste, nomes de prestígio da realização e da escrita dos anos 40.
Era o mais terrível dos terríveis, e, como sabemos, lá escreviam nomes como Godard, Chabrol, etc…

Queria sair com a câmara para a rua, destruir a montagem canonizada, desequilibrar os filmes, mexer a câmara até aos limites, acabar com os raccords, etc…
Foi o que fez nos 400 Golpes, no Jules et Jimes e em Atirem sobre o Pianista.
A seguir veio uma certa acalmia, mas neste ponto estou contra Godard e a maioria: acho que o cinema de Truffaut pós pianista estevesempre nas margens e nunca no centro.
Na temática, os rasgos na harmonia – lembremo-nos da trilogia de Doinel, mesmo em Noite Americana ou no fabuloso Angustia.

Ora Vasconcelos sempre referiu Truffaut como uma das suas grandes influências, entrevistou-o mesmo.
Agora fala em Kazan, o homem que mais mudou no interior do cinema americano.
Ou em Fuller o homem de todas as devastações: a destruição do western clássico no 40 guns, do noir em Pickup on South Street, o filme de todas as destruições líricas ou psicológicas em Shock Corridor, enfim…

Como é que Vasconcelos que assume a influência dos mais rebeldes dos autores faz os seus filmes para todo o povo, certinhos, lição apuradíssima dos raccords de Griffith, nada de especificidade cinematográfica, nada de dramaturgia, de visão pessoal…é tudo tão impessoal, frio e académico que assusta.

A diferença em relação ás novelas só existe praticamente em dois factos: a liberdade que o cinema permite para despir as mulheres, para fumar cigarros, dizer palavrões, etc.
E porque utiliza película, logo é cinema, para ela.

Nunca hei-de perceber, se alguém me explicar, está á vontade.

2 comentários:

Sérgio Dias Branco disse...

José:

Tenho as revistas com as críticas de APV onde César Monteiro também escrevia (chamava-se 'Cinéfilo').

Sabias que APV traduziu o livro de Edgar Morin 'O Cinema ou o Homem Imaginário' para português?

O discurso dele é o resultado de uma brecha que se abriu entre dois grupos de cineastas portugueses, entre arte e entretenimento. Uma dicotomia falsa se tomada como absoluta, mas que é alimentada pelos dois lados, com disparates de parte a parte.

De resto, não me parece que ele esteja contra o cinema de autor. Ainda há pouco tempo escreveu sobre P. T. Anderson e 'There Will Be Blood', um filme de autor.

Ele está é contra o cinema de arte e ensaio, ao qual o Pedro Costa faz parte. O cinema que por vezes rejeita a narrativa e que faz questão de se impor como alternativa ao cinema popular.

José Oliveira disse...

Sérgio:

Sim sabia da revista cinéfilo, mas infelizmente nunca as consegui encontar...

Eu sei que o A.P.V sabe muito do cinema, dá aulas de História do Cinema, etc...

Também admito que há contradições de parte a parte...

A minha perplexidade nasce do facto de ele referir nomes tão, diria, radicais, que cortam a meio, como influências (o caso de Fuller não percebo de todo) e depois realizar os seus filmes da maneira mais académica que se possa imaginar, sem marcas, sem influências que eu reconheça....

Pois sim, eu foi ver os filmes dele, ele se calhar é que não vê os do Sr. Oliveira, ou os do Pedro Costa.

Cumprimentos