quarta-feira, 30 de abril de 2008

Jean - Luc



(...) A metralhadora verbal de Godard continua atirando em todo mundo. Depois de martelar o documentarista Michael Moore (Fahrenheit 11 de Setembro) e o cineasta Gus Van Sant (Elefante), Quentin Tarantino é o atacado da vez. Godard também não tem poupado Hollywood de sua artilharia. Em Elogio ao Amor, um personagem diz que o cinema americano está contando a história de todos os povos e, assim, altera os contextos conforme necessidades de ocasião. Em Nossa Música, volta à bateria. Alguém afirma que ganha as guerras quem ganhar o relato sobre elas. (...)

ÉPOCA - Nossa Música faz alusão ao conflito no Oriente Médio. Qual a ligação entre Sarajevo, onde se passa parte do filme, e a situação atual entre Israel e os palestinos?

Jean-Luc Godard - No filme, uma jovem personagem israelense vai a Sarajevo porque acredita que talvez encontre um exemplo de reconciliação entre dois campos adversários.

ÉPOCA - O senhor cita Celine em Nossa Música (''Os fatos não falarão por si por muito tempo''). Perdemos a capacidade de análise de um fato?

Godard - Acredito que sim, porque não sabemos muito bem utilizar a imagem ou não queremos utilizá-la bem. Nós nos servimos somente da palavra, porém também não sabemos empregá-la como fazem os poetas e alguns escritores. Não sabemos mais misturar as duas: imagem e palavra. Não existe diferença entre um livro e uma imagem. A poesia é feita de muitas imagens e imagens podem ser cheias de texto. Mas nós perdemos também a capacidade de utilizar a palavra. Falamos muito, mas isso é mais um sinal de impotência. A palavra hoje está ligada à técnica, à eletrônica, à química, a outras coisas, menos ao pensamento e à reflexão.

ÉPOCA - O senhor já definiu Nossa Música como uma conversa.

Godard - Não é uma conversa que pretende resolver tudo. Minha intenção era filmar um israelense e um palestino discutindo juntos sobre coisas práticas. O encontro se passaria dentro de um apartamento, sem ter respostas imediatas. Esse filme não demonstra nada, somente que é possível dialogar.
ÉPOCA - Considera-se um ativista político do cinema?

Godard - Não falaria mais de militância política, mas de situações das quais me sinto próximo. O território onde ä atuo, que é a fabricação de filmes, ficou muito colonizado por uma maneira única de pensar. Essa maneira vem de Hollywood, aliás, do que se tornou o cinema hollywoodiano. Isso significa que, cada dia mais, perdemos nosso espaço, nosso território, nossa maneira de pensar e imaginar.
ÉPOCA - Mas a Nouvelle Vague não nasceu da idéia de uma nova maneira de fazer e de pensar o cinema, uma forma de lutar contra a uniformização?
Godard - A Nouvelle Vague quis fazer isso, mas não conseguiu. Outros fizeram de maneira individual. Houve uma época em que a Nouvelle Vague apoiou os filmes feitos por Hollywood. O problema é que mesmo a pequena produção independente de Hollywood foi uniformizada. É o que deseja o público no mundo inteiro. Todos têm muita coragem para viver sua vida, mas não possuem coragem para imaginar.
ÉPOCA - Existem imagens justas?
Godard - Não. Existem apenas imagens que formam um conceito, que é um pouco mais justo em relação a uma situação específica.
ÉPOCA - O nome da produtora de Quentin Tarantino é Band a Part, título de um de seus filmes. O que pensa dele?
Godard - Eu acho o trabalho dele nulo. Ele escolheu o título de um dos meus piores filmes para dar nome a sua produtora. Isso não me surpreende em nada.
ÉPOCA - Godard é um mito?
Godard - De jeito nenhum. As pessoas assistem pouquíssimo a meus filmes e mesmo assim eu sou um pouco conhecido. Um mistério.
ÉPOCA - Em Nossa Música o senhor, em seu próprio papel, afirma que matar alguém por uma idéia é, antes de tudo, matar alguém. A violência não pode ser uma forma de reação política?
Godard - Depende. Penso que alguém que está muito doente, com Aids ou câncer, deve se violentar para continuar a viver, em vez de abandonar a vida. Isso para mim é uma boa violência. Uma outra forma de violência, tais como muitas que são difundidas por muitos filmes e regimes políticos, não é uma boa violência. Pode existir também uma violência de reflexão. Sócrates era muito violento em sua reflexão, mas era um pacifista.
ÉPOCA - As imagens estão muito parecidas hoje?
Godard - Todo mundo é parecido no cinema. Se alguém filma um carrasco nazista em um campo de concentração e filma sua vítima, vai filmá-los da mesma maneira. É o que as pessoas chamam de democracia.
http://revistaepoca.globo.com, Godard acima do bem e do mal,
ERICA CAMPELO, DE PARIS
COLABOROU CLÉBER EDUARDO

Sem comentários: