quinta-feira, 10 de abril de 2008

certos filmes deveriam ser exibidos gratuitamente

Após mais de dez anos de ausência do cinema, em que se tornou produtor de um dos melhores vinhos do mundo e explorou refúgios turísticos luxuosos no Belize e na Guatemala, voltou ao seu primeiro grande amor com Uma Segunda Juventude. Como foi este regresso?

Pela primeira vez, um filme meu foi financiado com o meu próprio dinheiro, coisa que não tinha conseguido fazer quando era mais jovem, porque estava mais interessado no sucesso, que obtive imediatamente. Cedo demais. Fiz Uma Segunda Juventude aos 68 anos como se fosse um estudante de cinema, com o entusiasmo de um adolescente que realiza um primeiro pequeno filme.

Tinha saudades do cinema, de filmar?

Apesar de não fazer um filme há dez anos, não tinha nenhuma vontade de voltar a trabalhar no actual sistema cinematográfico. Tinha saudades de filmar, é claro, mas queria fazer filmes mais originais. Mas tive a sorte de alcançar sucesso como homem de negócios nas áreas enológica e turística, consegui investir 15 milhões de dólares em Uma Segunda Juventude e fazer o filme que queria, como queria.

O filme parece ir ser uma história de espiões tradicional, combinada com uma aventura mágica, sobrenatural. Mas depois, começa a tratar de assuntos complexos. Continua a ser seu, do realizador dos Padrinhos e de Apocalypse Now, este cinema que explora os conceitos filosóficos do tempo e da consciência?

Não quero fazer mais filmes na linha dos Padrinhos, nem dos facilmente comercializáveis como Homem-Aranha. Fiz o filme que queria. Não espero o entusiasmo imediato do público, prefiro que a opinião dos espectadores sobre Uma Segunda Juventude seja feita pouco a pouco, que amadureça. Penso que certos filmes - e este é um deles - deveriam ser exibidos gratuitamente para poderem entrar na consciência das pessoas, coisa que normalmente o cinema não faz.

Tal como aconteceu com Apocalypse Now?

Sim. Apocalypse Now provocou logo clamor e polémica , mas não foi imediatamente apreciado. Levou tempo.

Uma Segunda Juventude é feito à revelia das tendências da actual produção cinematográfica?

Creio que, actualmente, é necessário perguntarmo-nos se o cinema se deverá limitar a ser apenas um espectáculo, ou se podemos usá-lo para perseguir outros objectivos artísticos. Por outras palavras, se o cinema poderá estar ao mesmo nível da literatura, por exemplo.

É um grande desafio, filmar com fidelidade um romance de Mircea Eliade, linguista e historiador de religiões. Há pontos de contacto entre a personagem principal, Dominic, e você?

Tal como Dominic, o protagonista septuagenário do livro, bloqueado e torturado pela incapacidade de completar o seu ambicioso plano de trabalho de uma vida, um homem que questiona o sentido do tempo e da vida, também eu, já sexagenário, sentia-me muito frustrado. Há dez anos que não filmava. Os meus vinhos tinham grande sucesso, mas a minha criatividade não era compensada.

Encara Uma Segunda Juventude, de alguma forma, como um regresso ao tipo de cinema que fazia quando começou a filmar?

Estreei-me em Hollywood como argumentista com Patton, em 1970, que me abriu as portas do cinema. Quando era jovem sonhava em fazer um cinema como o dos grandes realizadores europeus, que todos nós, americanos, admirávamos tanto nos anos 50 e 60: Fellini, Antonioni, Rossellini e Truffaut, ou ainda Akira Kurosawa. Mas tive muito sucesso com O Padrinho e O Padrinho II, quando ainda estava na casa dos 30. Os meus filmes de "adulto" foram realizados quando eu era ainda imaturo. E agora que tenho uma certa idade, quero fazer filmes jovens, ou seja, independentes, desinibidos, originais.

E tem condições pessoais e profissionais para isso?

A minha vida teve muitas fases, todas muito diferentes. Tive a sorte de fazer um trabalho fascinante e o prazer de o partilhar com a família. Tenho um casamento feliz, que dura há muito tempo. Vi os meus filhos crescer e tornarem-se artistas. E agora, aos 68 anos, finalmente livre da necessidade de trabalhar para me sustentar, e aos meus, tenho a oportunidade de regressar ao mundo do cinema, com o mesmo espírito de quando era jovem. Sim, hoje sinto-me como um adolescente de 18 anos.

Descobriu o livro de Mircea Eliade quando trabalhava no argumento de Megalopolis. E este filme é um sonho permanentemente adiado?

A maior dificuldade de Megalopolis está na sua ambição narrativa. A história passa-se em Nova Iorque e desenvolve-se em vários níveis. Megalopolis é uma sinfonia cinematográfica sobre o tema da utopia. Quando se deu o 11 de Setembro, tentei inseri-lo no argumento, mas percebi que é difícil falar de utopia enquanto o mundo continuar a repetir os mesmos erros estúpidos.

Diário de noticias, 10 Abril, 2008

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Entretien douce, o grande Coppola com lucidez e franqueza admirável...coisas destas fazem lembrar homens como Jean Eustache, Pedro Costa, Godard...
Obrigado Francis!

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