sexta-feira, 27 de junho de 2008

toda uma montanha a aumentar...



Inacreditável o João Lopes meter este pedaço de lixo num filme como Speed Racer. Por vários factores:

1) Que se fodam as outras artes, como ele gosta de dizer: “o cinema é o cinema é o cinema” – Notas de Robert Bresson já.

2) O cinema está na pré-história, sem dúvida, há toda uma montanha gigantesca e rochosa para vencer. Mas o fascismo da publicidade e da televisão, e tudo o que o cinema absorve disso, teima em aumentar e cristalizar o estado das coisas.
Uma coisa é certa: não vai ser a confluência entre o cinema e os videogames (ó sonho sonhado por Uwe Boll) que contribuirá para o salto. (sonho sonhado pelos Wachowski´s)

3) Não são os pastelões ultra-pomposos, feios e arrogantes de Greenaway que chegam, por exemplo, perto da pintura sem deixarem nunca de ser cinema. Veja-se Vicent Gallo e é lá que está a coisa.

4) “matrizes do romance do século XIX”, além de isto ser uma ideia de merda que serve sobretudo para aqueles inauditos épicos que se fazem para conquistar estatuetas (mercadoria mercadoria portanto), acho pior, muito pior, as imagens e bonecos do Matrix (esse espectáculo feio e intragável) parados no frame, espécie de filósofos saídos precisamente dos videogames, a debitarem a mais rupestre filosofia, que no caso é a mesma coisa que dizer : “vocês que estão a ver o filme são burros, tão burros”.
Paradoxalmente são esses Wachowski´s que estão presos nessa teia virtual e nas tais leis das imagens .Para a coisa não soar ao espectáculo dos 0´s e 1´s total (e como soa) tratam de convocar Platão. (et por cause)

5) Mas o pior é o João Lopes ir buscar estas coisas para um filme destes. Porra, estreia um filme do Costa, do Kiarostami ou do Guerin (se estreasse), ou seja, filmes libertos de tudo, e de que falam eles? De realismo, de radicalismo, outros de falta de estrutura narrativa (?)…sempre as mesmas coisas quando são esses os filmes que elidem qualquer espécie de matriz que não a do cinema puro.

6) Os Wachowski? A matriz deles é a Playstation e os filmes de John Woo muito mal digeridos.

10 comentários:

Sérgio Dias Branco disse...

Para reflectir:

The idea of cinema persists as a way of modeling time-based spatial forms with computers, but cinema is only one of myriad functions that computers can simulate or model. Understanding digital cinema, then, means defining and evaluating the automatisms that computers make possible. These may be automatisms that create filmlike effects, but they are no longer filmic automatisms. Our audiovisual culture is currently a digital culture, but with a cinematic look. And cinema, too, is increasingly just another element of digital culture.

D. N. Rodowick, The Virtual Life of Film (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2007)

Um abraço

Sérgio Dias Branco disse...

Só para deixar claro que Rodowick não está a ser crítico em relação a esta evolução. Está simplesmente a tentar entendê-la. Tal como o João.

O que ele quer dizer é que o cinema digital tem inevitavelmente de lidar com a história do cinema (isto é, com a história das suas formas). Nesse sentido, não é uma revolução, porque não apaga o que o antecedeu. Trabalha a partir desse passado, mesmo que por vezes contra ele.

Eduardo Morais disse...

Zé, "O Cinema é o Cinema"... tudo bem, mas quando foi isso escrito?

A mim irrita-me o modo como a maioria dos estudiosos do Cinema se afastam de uma História da Imagem em Movimento mais geral, e ainda mais da História da Arte. A partir daí cai-se nas tais generalizações de chamar fascista à televisão e constroem-se 'apartheids'. É ridículo pensar "eu sou melhor que tu porque a minha tela é maior", que seria da pintura se fosse vista assim (a Mona Lisa é do tamanho de uma TV...)?

Não podes confundir a instrumentalização dos meios feita pelo Capital, pelos poderes - o tal fascismo, com a essência dos próprios meios. Há boa televisão que dá coça a muito cinema.

Outra coisa, não questiono que emular o estilo dos jogos é uma má ideia. Vi os primeiros minutos do Speed Racer e parece um mau jogo de carros que ainda por cima não posso jogar. E eu, que até aprecio algumas coisas do Greenaway (não vi o último ainda), também me interrogo por vezes se o picturalismo faz sentido (na História da Fotografia foi uma má ideia morta e enterrada ainda no séc. XIX - sobraram os anúncios a perfume do David La Chapelle).

No entanto, a vida faz-se mesmo assim, o 'experimentalismo' tem que vir de algum lado. Se hoje em dia há os meios para colocar no ecrã aquilo que se imaginar (e os Wachowski são bem - Matrix I e V. - ou mal - Matrix II e III, este agora - o expoente máximo do 'crossover' imagem real / cinema de animação), há aqui um potencial que ainda está muito muito no início da sua exploração. Agora que o cinema é 'pintura em movimento', como podem alguns continuar a ser ilhas do pensamento sobre a Arte?...

José Oliveira disse...

parto desta frase tua:

"Há boa televisão que dá coça a muito cinema."

Correcto. Mas o que defendo desde o princípio são as tais especificidades do cinema, assim como existem as especificidades da pintura.
Logo, o que eu defendo é a particularidade desta arte que teima em ser constantemente reafirmada como menor e que está constantemente a ser comparada ás outras artes como caução para uma singularidade.
A proliferação das imagens é tal que vai-se ao ridículo de querer que o cinema incorpore mecanismos puramente televisivos. Para quê? Óbvio, o publico está habituado, ressuscitava-se o folhetim, que teve no seu auge Gone With Wind e as salas voltariam a encher. O cinema para toda a família, incluindo os casais em lua-de-mel.
Bom, mas acho que me estou a afastar.
Para concluir esta parte digo apenas que ninguém se refere às especificidades da pintura, vai-se ver uma maçã de Picasso e O.K. está muito bem.
Vê-se algo dos Straub e está tudo mal.
Porquê? porque o cinema é tempo, tens que aguentar a duração. Na pintura olha-se um segundo e está visto e analisado.

Agora ao Speed Racer:

- Existe uma confusão, um crítico francês (Jean Phillipe Tessé) escreveu que este é um filme sem pai nem mãe.
Bom, para mim o pai é o Blade Runner e a mãe o Matrix.
Nem têm nada a ver com o filme pois ainda não vi, embora confesse que enjoei com o trailer.
Mas, e esta é a minha opinião: a falta de mise en scene de blade e a ausência de qualquer dramaturgia verdadeiramente dramática e essencial (que não Neo e companhia a citar filosofia barata) é esta confluência que desagua nestas experiências, e obviamente o nível ainda baixa mais.
Este fazer indistinto e desinteressado (pelo tempo, por exemplo…) apesar de toda a tecnologia do mundo. Esta formatação reconhecível apesar de não haver um cenário real.
Adoro experimentalismo, por exemplo aquele plano de minutos que o John Ford fez durar até à exaustão em Two Rode Together. O de Warhol em qualquer dos filmes.A luz de Gordon Willis no Godfather. As velocidades e os filtros de Kar-Way que nunca são gratuitos pois há abismo, gravidade, humidade.

E depois João Lopes está errado:

Filme que nos ajuda a pensar a noção do plano?

O cinema é (e isto para mim não se discute) ontologicamente derivado do real.
Qual o real destas coisas, atrás e à frente da câmara?

Sérgio Dias Branco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sérgio Dias Branco disse...

"são esses os filmes que elidem qualquer espécie de matriz que não a do cinema puro"

Não sei o que é o cinema puro. Ou a arte pura. A arte é naturalmente impura, fabricada, influenciada, contaminada. (Por isso é que a "pureza" dos Straub não é a de Capra. Ou seja, de facto, o Bresson nada a contribuir para este debate, dado que estamos longe do cinematógrafo e do seu cinema.) A vida só é nela reflectida através de uma atitude estética, transformadora, o bolo de Hitchcock. A vida não pode ser fatiada. "O cinema é o cinema é o cinema" ou o "cinema-cinema" são tautologias e pleonasmos. Não levam a lado nenhum, desculpem a franqueza.

"Mas o que defendo desde o princípio são as tais especificidades do cinema"

Não há especificidades do cinema, a não ser aquelas que lhe atribuímos num determinado tempo da sua história. Era a preto e branco, mudo. O som ia destruí-lo. A cor também. O Scope. And so on... As artes "da imagem em movimento", como refere o Eduardo, faz mais sentido.

"o cinema é tempo, tens que aguentar a duração"

Se for um cinema da duração... Porque também há o cinema de montagem que tem a ver com a ligação dos planos, geralmente curtos, bombásticos, como o Couraçado Potemkine de Eisenstein.

"O cinema é (e isto para mim não se discute) ontologicamente derivado do real."

Desde cedo que o cinema de animação provou que isto não é verdade. É exactamente ai que o João quer chegar: que um plano não é necessariamente o registo de algo que aconteceu em frente da câmara. Cito-o:

"Estamos, de facto, perante um filme que, com visceral e partilhável sentido festivo, nos vem dizer que o plano não tem que ser o "registo" de uma determinada acção e/ou fragmento de acção, mas que pode ser concebido e trabalhado como uma espécie de tela sem coordenadas estáveis — da pura colagem pop (Warhol, obviamente, passou por aqui) até à criação de imponderáveis teias de holograma, o ecrã abre-se, aqui, a uma infinitude de possibilidades."

Dito isto, ainda não vi. Mas já muita gente de bem me disse... bem. O facto de estas imagens (ou parte delas) não "derivarem" do real não quer dizer que não tenham dimensão humana. Este é outro ponto do João.

José Oliveira disse...

Cinema puro como, mais uma vez, imersão nas potencialidades de um media que está ainda incomensuravelmnete diminuido. Tudo falso, tudo fabricado, ou seja: tudo enquadrado. Obviamente.

Em tudo o resto mantenho completamente. De televisão não percebo, a não ser a publicidade e aí conversamos.

José Oliveira disse...

"Não terá sido fácil (nem rápido), mas aqui temos, finalmente, um filme que, sem complexos nem preconceitos, nos vem dizer que é possível integrar algumas componentes dinâmicas dos jogos de video, sem que, com isso, o cinema perca a sua especificidade."

...o João Lopes a admitir as tais especificidades ontológicas e singulares do cinema, e dos jogos de video, ao mesmo tempo que se contradiz de tudo o que há anos bem defendendo...

Sérgio Dias Branco disse...

José:

Tens razão. Daí eu também ter referido a tautologia e o pleonasmo.

Ele diria que as suas respostas são pessoais e imediatas. Ocasionais contradições e repetições são o preço a pagar quando se reage logo aos filmes dos Wachowski ou de Godard (passe a provocação).

By the way... Percebo perfeitamente o essencial da tua posição: este é um cinema que não te interessa, que nunca terá a tua atenção, seja por preferência ou por lealdade a uma idea particular de cinema. Respeito isso. Tal como respeito a dedicação do João ao seu ofício de crítico de cinema (mal ou bem, ele trabalha e pensa mais do que a maioria dos críticos portugueses... juntos).

Cumprimentos

José Oliveira disse...

Mas é que é isso mesmo; isto que eu escrevo é um diário intimo e pessoal, sei que sou reacionário e por vezes conservador mas isso é o preço de amar demasiado o cinema e só o cinema. Não vou mudar, vou sempre ver o cinema como arte em si e singular.

O João Lopes é alguém que admiro, e não estou a brincar. Se estou sempre a escrever sobre ele:

1) é porque leio tudo o que ele escreve.

2) reconheço a dedicação à causa.

3) um saber Imenso.

4) conheço perfeitamente o seu percurso (tenho imensas vhs com programas em que ele participa) e só escrevo estas coisas porque tenho de ser sincero.

Porquê?

1) Isto é o meu diário, completamente próprio, com a vantagem de poupar papel.

2) como em qualquer diário não quero mentir, quero escrever como me apetece, com palavras fortes, com as palavras que me apetece.

3) é capaz de ter um preço. Não devo trabalhar nunca numa produtora ou em algo que o cinema pague.

4) Mas não me interesso, prefiro lavar o chão do continente e continuar a ser sincero com o cinema. (dinheiro é dinheiro)

Para acabar: respeito obviamente a tua posição, e mais, agradeço só o facto de vires aqui perder tempo e de ligares a alguém como eu.

Abraço.