sábado, 7 de junho de 2008

Mas podem ainda entrever-se outras consequências noutros sonhos recentes desta derradeira alucinação. Penso nas perguntas que nos vem da geração de cineastas anteriores, sejam eles Stanley Kubrick, o último dos heróis dos fifties que se aventurou nos limiares do século, sejam eles John Carpenter, o último que, nos anos 70 se reclamou da herança clássica de Hollywood (Hawks, no caso) e a situou nos tempos apocalípticos de 1997, 2007 ou 2017, com Cowboys metamorfoseados em vampiros e o tema do código (ou da seita) a aparecer, pela primeira vez, muito antes da versão de Dan Brown. Kubrick despediu-se deste mundo com uma visita a Schnitzler e à História de um Sonho. Ao princípio, parece que a questão era a da diferença, entre sonhar uma transgressão sexual ou vivê-la. Mas nem para Schnitzler, que tantas vezes voltou a essas histórias, as coisas foram tão redutíveis. A grande questão de Eyes Wide Shut (e para a qual a maioria dos comentadores teve os olhos bem fechados) reside em perguntar se alguém pode sonhar por mim os sonhos que eu sonho e depois viver para mim a vida que eu vivo. “Fuck” é o pedido final de Nicole Kidman a Tom Cruise. Mas, será que basta que um corpo entre num corpo para que as imagens se unam? Para lá de todos os interditos, os fantasmas do século não seriam o que são se tudo fosse tão pouco transcendental.
À civilização do sexo, o cineasta de Lolita e de Barry Lyndon colocou a mais vertiginosa questão e ainda não fomos ao fim dela.

Como escreveu Novalis “a magia é a arte de usar à vontade o mundo dos sentidos”.
O cinema cumpriu o voto de Novalis de uma arte mágica que o pudesse fazer.
Mas cumpriu também, nestes filmes de morte e transfiguração, um outro princípio de Novalis: “Toda a descida em nós – todo o olhar para o interior – é, ao mesmo tempo, ascensão – assunção e olhar para a verdadeira realidade exterior. O auto-despojamento é a origem de todas as baixezas mas também a base de todas as verdadeiras assunções. O primeiro passo é sempre um olhar para o interior, uma exclusiva contemplação do seu próprio eu. Mas quem se detiver aí, fica a meio-caminho. O segundo passo tem de ser um olhar eficaz para o exterior, observação activa, autónoma e perseverante do mundo exterior.”

J.B.C, COMO O CINEMA ERA BELO

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