sábado, 30 de agosto de 2008

Heaven's Gate, Heaven's Gate...II

…esqueci-me de te perguntar uma coisa…

Chuta…

Aquele filme com o Brad Pitt, The Assassination of…

Não, esquece isso pá, não tem nada a ver. Não, não faz lembrar Cimino, nem espectralmente. Há uma grande, uma incomensurável distância entre exceder organicamente os limites da tela, essa arte de captar tanto as landscapes como o homem (Ford e o seu panteísmo), através de uma luz tão vibrante e logo tão lírica e rugosa, ou seja, algo em conformidade e em consciência com a matéria, o meio e o humano. Bem diferente da arte desse tal Dominik, sim, um tarefeiro tão tarefeiro como um Nolan, que nada é mais do que decorativismo fútil e bonito (sem dúvida), como um quadro que fica bem na parede de casa, não ofende ninguém e é agradável. Sabes a diferença entre o orgânico e o inorgânico? ai está.

Mas…

Mas nada. Já em The Deer Hunter era assim. O filme arrebentava e estilhaçava-se todo com a violentação sobre a exposição estandardizada e académica. Digo-te uma coisa, Vilmos Zsigmond é o mestre da subexposição. É preciso ter tomates. Queimavas os rolos 35mm assim abaixo, ainda por cima sem teres garantias do laboratório? Não me lixes… No The Deer Hunter há cenas em que quase não vês nada, cenas incrivelmente granulosas, e isso é uma benção. Em Heaven's Gate não sendo tão violento, acontece o mesmo, mais atmosfericamente suavizado, mas o radicalismo é o mesmo, ninguém conseguiria aquela luz divina como está conseguida no princípio do filme, aquilo é angelical, aquilo é Rembrandt…a atmosfera é tal que consegues cheirar.
Sabias que existe uma versão em que fizeram o blow-up para 70mm. Ahah, não me lixes, é como o Dial M for Murder em 3D.

Agradeço-te…

Só uma coisa – o som. Como é que ninguém notou que o som é do outro mundo. É o som que todos os alunos de cinema deveriam estudar, este radicalíssimo trabalho sonoro, ao invés de estudarem o do La Haine, esse excremento do Kassovitz.
Estás a ver o praticado pelo Michael Mann em termos visuais no Miami Vice? A maneira como ele transportou para as ruas, logo para o inferno, uma máquina digital de estúdio de dezenas de kilos, estás a ver?
Cimino fez a mesma coisa com o velhinho do nagra. Gravou o som de um épico com aquilo e trabalhou-o virtuosamente para o colocar vivo, descarnado e rugoso na banda oposta à da imagem. É um emaranhado, um crispamento sonoro.
Lembras-te da cena de patinagem onde Huppert comemora os anos? É o cúmulo de um experimentalismo sonoro que se estivesse num filme de warhol, e não num fresco gigantesco, já seria arriscado.

E que versão preferes, a cortada e mais equilibrada e pacifica ou a total?

Total, é essa a palavra. Quanto maior melhor, isto pois não acho que aja desequilíbrio. Não há, de facto. Portanto é como um Griffith, quanto mais tiveres mais o cinema será uma arte. Por mim acabou.

2 comentários:

Marlon disse...

A diferença entre o orgânico e o inorgânico. Ok, vejo-a claramente. Mas transpor em palavras essa diferença tão gigante e anamórfica, aí é que está a pendência.

José Oliveira disse...

sim, sem duvida. só mesmo vendo o filme. o resto são tretas.