quarta-feira, 20 de agosto de 2008

«Mas o cinema não falhou, os seus pais é que falharam (se pensarmos no cinema como infância). Por isso era tão popular. Toda a gente pode gostar de um Van Gogh, mas então alguém inventou uma maneira de espalhar os corvos de Van Gogh por todo o lado (mesmo que numa forma menos terrificante), para que todos gostassem deles e se sentissem próximos deles.
O cinema era como a terra. Depois veio a televisão, que foi como a invenção do arado. Se não o soubermos usar, o arado é uma coisa má. Se não soubermos como lavrar a terra ou cultivar este ou aquele tipo de trigo. Mas a televisão tornou-se toda uma outra coisa. Julgo que os pontos cardeais se perderam. O cinema tinha feito o Leste e o Oeste, de Moscovo a Hollywood, com a Europa Central de permeio (porque é de lá que vem o cinema, só de lá). Há um grande eixo – como este.
O cinema é feito para espalhar, para aplainar. Comparo-o sempre aos tribunais: abre-se uma pasta, é cinema [Godard abre uma pasta]. E depois avalia-se…É como um romance, porque as páginas são consecutivas. Mas, porque é visual, há o peso de uma página e o peso da seguinte…E depois há outra coisa: a sua direcção, ou seja, os seus pontos cardeais. Agora a televisão detêm-se no Leste-Oeste, e não cobre o Norte-Sul; e no entanto, o Norte-Sul competia à televisão. Isto era o que o cinema não podia fazer, não tinha que fazer.
A televisão, por seu lado, há de ter o seu dia, não importa quão estupidamente. »

Jean-Luc Godard

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