Por causa da loucura e do sadismo dos
homens a maior paixão de Kirk Douglas em “The Juggler” de Edward
Dmytryk torna-se a sua condenação. Antes da segunda grande guerra
mundial, antes dos campos de concentração, antes da criação do
novo estado de Israel, Kirk era um malabarista famoso, mas famoso não
por causa de algum brilho inútil mas sim porque desenvolvia e
partilhava com os outros a sua grande dádiva, o seu talento, aquilo
para que nasceu – apaixonava-o mover os objectos para cima e para
baixo, suspensão e equilíbrio, o velho gosto de desafiar a
gravidade.
Mas depois, ensinaram-lhe que o terror
pode ser mais forte do que o desgosto, quando as paredes ganharam
vida e se moveram para o esmagar, quando suplicou ao solo rijo a
morte mas ele era duro demais, quando partilhou o ar de um homem com
dez e aí, nesse atrofio do para cima e para baixo, da suspensão e
do equilíbrio, da gravidade, convenceu-se que a casa é um lugar a
se perder. Tornou-se egoísta com os seus prazeres impartilháveis e
tornou essa recordação agradável. O terror a martelar o medo. A
loucura e o sadismo de certos homens a tornar as coordenadas, a
geometria e a física dos sonhos no maior dos pesadelos.
Já era assim em “Give Us This Day”,
com as tempestades nos céus e os cristos de betão em digladiação,
a ontologia ou a sublimação da pureza trucidados pelo poder. Depois
de tamanhas visões e descargas o malabarista de Kirk só vai
conseguir reduzir a cinzas o seu retrato criminoso de jornal e
deixá-lo assim, sem magia. Mas Dmytryk, implacável e a ter de ser
tão duro como os monstros, no meio de tanta descarnação, agrura,
pó – é um dos grandes realistas americanos, fundindo a epifania
absoluta da natureza em Vidor com a revelação da matéria em
Rossellini, atingindo então a transfiguração e o espírito –
passa com Kirk o dom ao menino Israelita, em eterna Galileia, entre (mas que não se
esqueça daquela dança mitológica que começa a meter a essência
nos eixos devidos) a aparição da mulher e o terrível travelling ou
zoom que lhe fura cara adentro, transforma a pele em grão, perscruta
as entranhas, destrói o atrofio e recupera o balanço, o cimo e o
baixo, equilíbrio, gravidade. Dmytryk, funâmbulo e consciente,
defronte do mal abstrato e exacto, sabendo das magias e das
maravilhas humanas, conhecendo o poder da aplicação do recurso
certo da câmara aliando-se à montagem – do arejamento e da
clausura como da carne e do espírito – acata a contradição,
percebe-a, mas também a desmonta, com tudo e mais alguma coisa em
direcção às justiças e vinganças que Chaplin tanto meteu em
prática. Terrífica e equilibrante luta.