O instante de Ad Astra em que o Filho corta o cordão
umbilical que o prende ao Pai, tendo por testemunhas o silêncio do cosmos e o
anel de poeiras de Saturno, é a capela perfeita da religiosidade e da mitologia
do cinema de James Gray.
Mesmo que a filosofia e o fundo de base confluam na complexa
matriz Conradiana, tudo nesse momento difere dos sentimentos e dos
destinos de Heart of Darkness, numa aceitação das trevas e do nada que transporta
o filho ao amor puro com que fica no final.
Mas as crenças incondicionais já estão espalhadas ao longo
de todo o conto, conto muito antigo nas suas parábolas e razões, agora num
futuro estelar e sem fronteiras, sendo os problemas da inadaptação do humano ao
seu meio de rotação e ao convívio múto matematicamente os mesmos do tiro de
partida dado pela entidade de comando do Big Bang.
A habitante da lua que só em pequena conheceu brevemente a
terra embrenha-se em claros confrontos palacianos; os problemas da família McBride,
passados muitos anos do estilhaçar dos laços e do abandono, têm que ver com
solidão, individualismos e o incontrolável animalesco que nos aproxima da
selvajaria, de igual para igual com os símios por nós embrutecidos. Esse homem
que viu para lá do que qualquer semelhante imaginou, para lá das estrelas e do
opaco comprovado, continua a recalcitrar ódios puramente humanos e terráqueos,
de onde a transcendência de Deus ou não procede ou procede em vias lácteas indecifráveis.
Ainda a hipocrisia dos maiorais, a frieza dos que podiam ser
companheiros de viagem mas dependem do mecanismo contribuinte, o mundo clínico aninhado
ao mundo político como nas grandes eras fascistas - tudo enlaça na dramaturgia
clássica e nas angústias existenciais. Nada a ver com os profetas tecnocratas
de uma nova raça que anunciam o chip cerebral inserido ao feto para se cumprir
um destino robótico, anódino e higiénico.
A crença, o medo, o infinito. Deus a pairar sobre tudo o que
pode ser beleza, uma beleza infinita que só rima com a tristeza infinita do
pleno mistério, ambas puras e caladas, olhadas sem demais por uma câmara encantada
por isso, com naturalidade; tal como as superfícies divinas que o Pai experimentou
distanciado até à loucura do encantamento sem nunca lhe ser permitido tocar na
matéria do invisível que lhe revelaria as outras formas de vida.