Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia é Hector Babenco
por inteiro. Existem os bons cineastas, os corretos, os grandes cineastas, os
mestres, e os cineastas únicos. Babenco, daqui, é absolutamente único, sem
imitação possível e sem imitar ninguém, sem a danada da mentira do estilo, sem ânsias
de reconhecimento e de filiação, livre, aberto à danação ele mesmo,
incomparável, imprevisível, quer rode filmes falados em inglês ou americano no
brasil, quer faça um filme como Carandiru só com o interesse de homenagear quem
o salvou; sem desejos de prémios, de seleções oficiais, de qualquer tipo de
louvor – escancarando a sua morte, as suas tripas e o que o corrói; a sua alma inquebrantável,
a sua violência e doçura.
Lúcio Flávio é
obviamente um filme víscero, suado, desnudado, em primeira mão, no grau
mais fervente e primevo, um pouco como o Abel Ferrara de Bad Lieutenant.
Os corpos mexem-se destapados, pulsantes, inchados, inspirando e expirando em
direto, em combustão furiosa como o motor de um bólide acossado ou fanado, sem
a pressão do “ação” e do “corta” do realizador em comando. A intriga é direta,
também ela bruta, embora com belas e subtis progressões e efeitos: a elipse do tempo
que passa na prisão escancarada tenuemente na barba de Lúcio, o bebé revelado
num êxtase calado e a possibilidade de um mundo novo e do milagre… a confusão
entre oficiais e ladrões, essa impossibilidade da destrinça… o final com o
sonho onde tudo é sonho ou pesadelo de uma realidade assumida sem amarras?
