Esse respeito pelas formas, que chega a tocar o sagrado, que não se fecha em si e que logo surge aberto ao imprevisto e à vida – que pode ser o vento que sopra para onde lhe apetece ou um qualquer automóvel que entra inesperadamente e que só parece demonstrar a imensidão dos comboios que parecem ter apaixonado o cineasta. O comboio, essa máquina altiva e e imparável que furiosamente atravessa a América independentemente de tudo o resto, impassível e romântico, lírico e impiedoso, era assim no “Union Pacific” filmado por Cecil B. DeMille e continua a ser hoje, indiferente a qualquer avanço ou extermínio. Uns nunca mais acabam, outros são meros vagões funcionais; uns devem transportar pessoas e outros só cargas; temos os muito novos e os muito muito velhos, os rapidíssimos e aqueles que se arrastam e nunca mais chegam. Depois existe uma linha e um percurso, paisagens e paisagens, montes e rios, túneis e vilas, o céu e a terra e a força da verdade e da fatalidade de tudo isso, o elogio do seu ser e também o elogio dos homens, pois mesmo que aparentemente não sejam visíveis em plano algum, a sua força criadora não pode deixar nunca de ser sentida.. Vai-se a toda a velocidade ou devagar, espera-se e logo se dá tudo para recuperar o tempo perdido, os altos e os baixos, as crises e as libertações supremas. Como num road-movie em que a estrada é a vida. Um filme doce e um amplo gesto de emancipação
domingo, 25 de abril de 2010
Esse respeito pelas formas, que chega a tocar o sagrado, que não se fecha em si e que logo surge aberto ao imprevisto e à vida – que pode ser o vento que sopra para onde lhe apetece ou um qualquer automóvel que entra inesperadamente e que só parece demonstrar a imensidão dos comboios que parecem ter apaixonado o cineasta. O comboio, essa máquina altiva e e imparável que furiosamente atravessa a América independentemente de tudo o resto, impassível e romântico, lírico e impiedoso, era assim no “Union Pacific” filmado por Cecil B. DeMille e continua a ser hoje, indiferente a qualquer avanço ou extermínio. Uns nunca mais acabam, outros são meros vagões funcionais; uns devem transportar pessoas e outros só cargas; temos os muito novos e os muito muito velhos, os rapidíssimos e aqueles que se arrastam e nunca mais chegam. Depois existe uma linha e um percurso, paisagens e paisagens, montes e rios, túneis e vilas, o céu e a terra e a força da verdade e da fatalidade de tudo isso, o elogio do seu ser e também o elogio dos homens, pois mesmo que aparentemente não sejam visíveis em plano algum, a sua força criadora não pode deixar nunca de ser sentida.. Vai-se a toda a velocidade ou devagar, espera-se e logo se dá tudo para recuperar o tempo perdido, os altos e os baixos, as crises e as libertações supremas. Como num road-movie em que a estrada é a vida. Um filme doce e um amplo gesto de emancipação
domingo, 18 de abril de 2010
domingo, 11 de abril de 2010
Grandes planos, planos médios, planos inteiros, panorâmicas…o olhar de Garrel, e muitos menos o coração, seriam incapazes de reconhecer tal gramática. É que nem se põe tal questão... Anne Wiazemsky sabia mais do que quase todos quando impôs o órgão vital do cineasta à frieza maquínica. Poética. Poéticas várias, da contemplação ao desespero, do escuro ao claro.
Nico a fumar nos limites da negridão de um quarto. Seberg furiosa com a objectiva da câmara e com o seu barulho que assusta e dá sinal da ruptura e do parto – o ruído do motor de tal instrumento sempre seduziu, impôs respeito e intimidou. Nada pode substituir isso. Pallenberg a diluir e a cheirar uns pós. Hieráticas. Neuróticas. Dormentes. Relaxadas. A película a reverter-se no pó e na memória do instante. O irracional… É impossível estabelecer as hierarquias e a ordem de tudo isto. Existe um segredo e uma correspondência altamente secreta de energias e de pactos. Um ruído numa suposta ordem, que é o vislumbramento singular das coisas e logo da sua negação racional e pueril, automática. Uma imergência e procura sobre as superfícies. Grito de purgação.
Garrel, cineasta da solidão e do escuro. Da angústia e da sala negra. Do onírico e da emoção indizível. Porque tudo o que ele olha e guarda são coisas de que não se dispõe adjectivos ou considerações imediatas.
Altas solidões, como título do filme para Seberg. Não se pode proceder assim sobre seres e almas e tudo ficar na mesma. Jamais. Todo o mergulho no abismo de tal irracionalidade é um mergulho de pura catarse e revelação. De um apagamento qualquer e do surgimento de uma luz outra. De uma brecha. Tudo sempre novo e terrifico, porque colhido na fé e na inocência do fotograma fugazmente “em branco” que se aproxima.
Lumière`s, Vigo, Epstein, Cocteau, um certo Godard, uns rasgos de Carax. Garrel. E poderiam ser outros: Warhol, algumas mulheres de Akerman, a Vanda e a Balibar de Costa…cada qual, “na sua”…
Eles sabem e a sua natureza jamais os fará agir contrariamente, jamais se enganarão a si mesmos, que o movimento único das coisas e o movimento da película têm os segredos bem guardados, privados, que não existem chaves mágicas e que o acto de os desvelar é algo de sagrado e de místico. Trata-se de um olhar e de uma crença, essa crença na luz que é a crença original do cinema. Olhar translúcido e puro, técnica perdida sobre o sonho e a vigília que não permite golpes baixos, pregações, cópias-conforme. Tempo só por si e experiência do espaço e da dureé. Cineastas-grão. Lançamento no caos e na concentração. Fixar e esconder. Mostrar e ensombrar. O principio e o fim. Arte rara que não ousa escancarar a sua significância.