quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"para não me confundir com a mediocridade dominante"

Rogério Sganzerla, realizador de alguns dos melhores filmes do cinema brasileiro ("O Bandido da Luz Vermelha"/68 e "A Mulher de Todos"/69), pelo que deflagraram no processo cultural do País, ficou muitos anos afastados das câmeras ("para não me confundir com a mediocridade dominante")

5 comentários:

José Oliveira disse...

Belíssima frase e mais do que isso, belíssima atitude. Antes do mais para dedicar à Manuela Serra, cineasta imensa de um só filme que vale mais do que muitas obras supostamente grandiosas ou sem conta; bem mais do que tantos supostos "mestres".

Citando-a numa entrevista realizada por Manuel Mozos:


Desde 1991 / 1992, abandonaste completamente o cinema. Porquê? Nunca pensaste ou sentiste vontade de voltar?

Não, não senti vontade de voltar e até perdi o gosto pelo cinema.

Como vês hoje o cinema? E o que se faz em Portugal?

Não posso responder, não vejo cinema, só levada como foi o caso do “Freedom”, por me conhecerem e saberem que iria gostar.

José Oliveira disse...

Voltando ao maravilhoso leque de jornalistas que hoje em dia destila sobre "o cinema" nesses jornais ou suplementos de prestígio, os dos adjectivos "cronenbergiano" ou "filme equilibrado", desconfio que foram os mesmos que foderam – ou libertaram, sabe-se lá – a Manuela Serra e aniquilaram a visibilidade da insólita poesia do seu "O Movimento das coisas" – poesia como o lusco-fusco inicial que vela a região e a insufla de mistérios ou os nevoeiros e brumas que modelam e banham de palpável e delicada luminosidade a natureza pacificada e em serena ebulição; um homem a desaparecer rua abaixo, em comunhão sublime com o meio, e a câmara a oferecer-lhe todo o tempo do mundo; as barcas sobre a luzente água parecem desvanecer-se, uma beleza impronunciável e terminal que ecoa em negativo às fábricas terríveis; majestosos movimentos sinfónicos, perfeitamente impressionistas, perfeitamente materialistas – que exaltaram e puseram nos píncaros o pedaço de merda com que Gonçalo Tocha venceu os festivais e conquistou os slogans para os posters de distribuição comercial.


E porque é que "O Movimento das Coisas" não teve chances e acabou com uma carreira e todo o contrário para "É na terra, não é na Lua" – filme-casamento?

- Pelo exotismo geral e absolutamente postiço: um músico cool que vai para uma ilha nossa de telejornais e brinca ao cinema e às aventuras e isso só pode ser bom?

- Porque agora é de inteligentzia e de actualidade a questão do documentário versus ficção e os tais dos dispositivos/ready-made feitos filmes e nos anos 80 não era bem assim?

- A noção idiota de que um filme sem apoio do Ica, e mesmo que com outros apoios abstractos, realizado por alguém de fora do meio – mesmo que nada de inocência e tudo de vampirismo – com o digital, a montagem caseira, o tempo despendido no campo de acção, a distribuição rudimentar (?) e que mesmo sem ponto de vista, qualquer domínio da montagem ou da moral humana e cinematográfica, fique bem gritar ao vento o quão excepcional o produto é e que assim todos nós pudemos fazer bons filmes e que o futuro está assegurado e os prémios no estrangeiro também (olá abjecto artigo do Augusto M. Seabra no Ípsilon sobre os filmes portugueses recentes e as premiações)... ?

- A decadência final dos proclamados críticos de cinema e de uma arte à sua maneira, estas montanhas de talento diplomático que fazem com que em comparação, ler o que foi a escrita de cinema em tempos idos e o que é actualmente – tal como os filmes - seja entusiástico passatempo cómico.


Mas "O Movimento das coisas", belo chavão, desprezará calmamente a mediocridade dos seus contemporâneos e terá o reconhecimento e a memória da eternidade, única que importa.

José Oliveira disse...

"Eu acho que "Sangue do Meu Sangue", que é a apoteose de um cineasta, é uma oportunidade para todos nós crescermos"

Assim remata Vasco Câmara um vídeo feito propositadamente para o filme do João Canijo. Isto ainda antes de dizer que Canijo faz espectáculo com o texto, os diálogos e os actores (blarghhh), que pode "congregar a crítica e o público" (que coisa fundamental e progressista...) e, mais triste de tudo, atirar que "nós" (os parolos?) não gostamos do cinema de Canijo porque ele nos mostra as nossas vidas, possibilidades de reconhecimento, e que isso é letal...puta que pariu...

...dou de barato que o cinema clássico americano e Ford e Hawks me continuam a dar forças para batalhar e tentar perceber a vida e o resto...mas é coisa de coração e coisa seca e bruta e sem recados, que não vende nada...

...então, por favor, tão bom que era se regressássemos aos tempos em que o cinema era coisa baixa, da "ralé", das putas e dos bêbados..os nickelodeon para todos e não o que o Senhor Câmara insinua, que ele nos deve dar lições de moral e nos impingir merdas como faz o nojento e fascista filme do Canijo...que passa por cima de tudo para mostrar o seu talento de cineasta e que adivinha a vida dos pobres e assim exibe em perfeita alegria...

...coisas "baixas" como o vândalo "Stroheim"...Syberberg, Candeias ou Monteiro.

José Oliveira disse...

http://cine-resort.blogspot.com/2011/12/proposito-de-o-movimento-das-coisas.html

jeanne disse...

O movimento das coisas é o primeiro filme português que vi. Nunca o esqueci.