Por “The Racket” rodopia muita mentira, muita
corrupção, mascarada, remoinhos armadilhados e visões turvas, em compromissos e
subversões de que esta raça nunca se irá livrar, teia funérea onde um ou dois
loucos que detestam tudo isso fazem figura de atrasados. Produzido no início
dos anos cinquenta por Howard Huges para a sua RKO é um pequeno tabuleiro de
relações humanas e de crenças que se vai complexificando na sua naturalidade,
no seu quotidiano apanhado pelo rosto, presente fatal sem efeitos de
espectáculo que não os do piso com as pulsões combinado. Começa e acaba na
mesma rua, sem dar para perceber o crepúsculo e a aurora, e parece durar o dia
da eternidade. A narrativa ou a sua confusão não é o mais importante, sim o que
teima em manter-se de pé quando tudo resvala à volta. Tratado sobre o medo, o indestrutível
tronco Robert Mitchum é o homem de qualidade acompanhado pelo fiel – há sempre
alguém que acompanha – Johnson de William Talman, esses que sabem que tal
condição se paga com o esquecimento. Esquecimento dos amanhãs, das mulheres em
casa, dos filhos, da paz. Ruptura com a danada da vaidade e do outro orgulho. E
o mais bonito de tudo é a cantora loira que aparece como a fatalista de um
noir, aquela que vai desferir todos os pesadelos, suores e clamar a gadanha da
morte, e que progressivamente tem a sorte de se meter com aquilo que sempre lhe
deu asco, a honestidade. Então o azar que sempre a acompanhou cai e tal mancha
consegue ver a luz que ilumina a sua parte adormecida do bem e do amor, naquele
tipo de despertar e salvação que vale a teimosia de manter a humanidade. Numa
obra discretíssima que faz disso e da ambiguidade e segredo de raros a sua força,
onde o principal creditado na realização é o respeitável John Cromwell,
gostaria de acreditar que onde Nicholas Ray (no primeiro encontro com Mitchum
mais ou menos pelo tempo de “Macao” e com o mau Robert Ryan, em que apalpou
terreno para os pungentes encontros futuros: Mitchum tentaria regressar a casa
outra vez em “The Lusty Men”, Ryan queimar-se-ia cada vez mais na sua
dilaceração interior rumo a uma ascese delicada nas noites e nas neves de “On
Dangerous Ground”) meteu a mão foi na parte em que tudo começa a tremer e então
urge a decisão. A violência das decisões. Vence o absoluto do efémero, esse no
qual Mitchum coloca em dúvida o descanso de uma suposta vitória pois no dia
seguinte volta tudo novamente. Tudo novamente… Depois de ter discorrido sobre a
justiça, essa que tarda pois muitos lhe fazem frente, estando assim a discorrer
sobre o centro de tudo o que importa, o tempo. Tão forte como a magistral e
atónita cena em que a porta se fecha na cara da esposa de Johnson para o
encontrar sem vida. Johnson que morreu no mais elevado dos altares, para o
parceiro, mulher, criação. Duas cenas que rimam como a abertura e o fecho a que
já aludi, nestes eternos-retornos onde permanece quem acredita.
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