sexta-feira, 4 de julho de 2008

João Canijo


É toda uma distância que João Canijo inventa na sua mise en scene, toda uma moral pulsante.
Juro que depois de ter visto o cinema de Cassavetes nunca vi quem tenha apreendido tão bem a lição do americano, nesta aproximação vibrante entre o objecto câmara e a carne, as nervuras e o suor que constituem os corpos, nesta relação entre as personagens, a sua envolvência e colocação com os décores e a dramaturgia das cores.
Mas já é outra coisa, onde Cassavetes era fumo Canijo é sangue, muito sangue. Noite Escura é brutal, um soco brutal, sem meias medidas.
Nunca há uma tentativa de imitação pueril sobre os maneirismos e sinais desse cinema que foi tão mal compreendido, essa herança que foi banalizada por simples (e muitas) movimentações de câmara e muitos cigarros e copos.
Noite Escura é sobre um modo de vivência de onde não há saída, é sobre o Portugal profundo, sobre este país mas logo sobre o geral, ou seja, como a mais excessiva tragédia.
Não há nada de mecânico nesta realização, apenas de adequação a situações sempre extremas, mesmo os gestos de amor e afecto. É o inferno.
E o modo como a realização trabalha na construção de profundidades, de adensamento das atmosferas e da pressão do ar, de um irrespirável, que é a falta de oxigénio daquela casa e daquele mundo – com o foco da câmara, as cores que funcionam como funcionavam os fumos nos noirs clássicos, essa dialéctica que separa e junta, e o som – como em Pedro Costa, é fundamental para criar circulações e dimensões.

Depois há coisas que não se esquece, não se esquece a fúria e o amor de Carla (monumental Beatriz Batarda), a promessa de morte que Celeste (Rita Blanca) faz ao marido, o fraco Nelson (Fernando Luís). E a menina Sónia (Cleia Almeida), a menina que no pasmoso final se imola.
E reparem como são tratados os russos, sem resquício de pré considerações e ideias feitas, nem Spike Lee se aproximou assim disto em A Última Hora.

Há três grandes, grandes cineastas neste País, João Canijo é um deles.

9 comentários:

Carlos Pereira disse...

Concordo totalmente. Noite Escura é dos melhores filmes portugueses dos últimos anos, juntamente com os de Pedro Costa, com Alice, Odete, Transe e pouco mais.

"Há três grandes, grandes cineastas neste País, João Canijo é um deles."

Outro é Costa. Qual o terceiro?

Sérgio Dias Branco disse...

Oliveira, claro.

José Oliveira disse...

Claro.

Luís Mendonça disse...

Foi uma experiência única vê-lo, junto do elenco e do João Canijo, no IndieLisboa, antes de toda a gente. Quando a sessão terminou, fiquei com a certeza que era o maior filme de 2004.

Carlos Pereira disse...

Oh, claro. Esquecimento idiota e incompreensível.

Filipe Furtado disse...

Gosto muito do Canijo cujos filmes infelizmente são ignorados aqui. Lembro que ano passado, Mal Nascido acabou sendo exibido na mostra de SP 2 vezes, umas 12h30 e a outra as 13, resultado: eu e Sergio fomos os unicos criticos que assistiram o filme.

Sérgio Alpendre disse...

e o Monteiro? São quatro, portanto

Daniel Pereira disse...

Como te dizia, Zé, três depende do critério. Quiseste dizer em actividade, eliminando o Monteiro, talvez o maior. E volto a dizer que os primeiros dois filmes do Paulo Rocha, apesar de tudo ainda um realizador em actividade, estão entre o melhor que se fez em Portugal.

José Oliveira disse...

João Cesar Monteiro será SEMPRE o maior deles. Estava a referir os que estão em actividade.

Depende sempre do critério, Paulo Rocha, sem dúvida.

Teresa Villaverde obviamente.