Aquele primeiro olhar reflecte-se na opção do realizador por um cenário despojado e minimalista e pela redução de espaços de acção, a que a curta duração do filme (64 minutos) dá ainda uma unidade e consistência maiores. É desta forma que se desenrolam algumas das cenas fundamentais, aquelas em que Macário (Ricardo Trepa) descobre Luísa (Catarina Wallenstein) na janela fronteira à do escritório onde trabalha, nascendo aí a sua paixão. O cenário está praticamente reduzido ao mínimo em adereços e decoração, levando o espectador a concentrar-se apenas no que interessa para a história: as janelas que quase se tocam (até neste aspecto passa o olhar 'primitivo', só interessado no essencial) e os olhares que através delas se cruzam. A janela adquire, assim, uma função de 'cumplicidade' e manifestação de pudor entre quem vê e quem é visto que não se encontrava no cinema desde Hitchcock.
O cinéfilo conhecedor da obra de Oliveira sabe que a influência do autor de "Psico" sobre o realizador português vem de longa data. Os restantes (poucos) cenários e exteriores destacam-se também pela mesma economia. E a narrativa segue um processo igualmente minimalista, começando no interior de um comboio (no que poderia ser outra referência hitchcockiana, remetendo para o começo de "O Desconhecido do Norte-Expresso"), onde Macário vai contar a uma passageira (Leonor Silveira) a sua patética história de amor, que nos vai surgir em imagens, num flashback interrompido, num ou noutro momento, por um regresso ao diálogo na carruagem. Quem tiver olhos que veja. "Singularidades de Uma Rapariga Loira" é exemplo de um cinema 'puro' há tanto tempo ausente e que tanta falta faz.
Manuel Cintra Ferreira, Expresso
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