domingo, 23 de maio de 2010


Ainda mais estilhaçado, sujo, porco, anarquista e amador do que o filme de Pennebaker para Dylan é o “Cocksucker Blues” – de Robert Frank sobre o universo dos Rolling Stone's.

Lá dentro parece não se dizer nada que interesse por ai além, há sexo, putas, drogas de vários tipos, delírios, muita obscenidade e até desejo de choque, um negativo de “Don''t Look Back”? nada disso, não perpassa por ali réstia de promoção, de publicidade, de deslumbramento pelo universo das estrelas. Carne, ossos e desejos, muitos desejos, ao invés da habitual intocabilidade e sacralidade. Aqui como ali, temos é um portentoso desejo de registo de um modo de viver e de criar, o que é, ou deveria ser, a mesma coisa. Um camaleonismo em relação ao fundo.
O grande rasgo do filme, o espelho que corta todos os jogos de espelhos e distorções: somos colocados no interior e vórtice desse mundo “exclusivo” e o que acontece é um processo progressivo de descarnação e humanidade, em que acedemos à fragilidade, solidão e pulsões recônditas do que julgávamos inacessível.
O alcançar de uma imagem una no meio da multiplicidade e dilaceração de imagens, ou vice-versa, é também essa a densidade e complexificação.
Passeia-se por lá Andy Warhol, é milagre de sentido, esse desvendar de sensibilidade e de exposição, esse gesto de apontar a câmara de frente e deixar correr, sem premeditação, só depois dele pôde ser visto e arriscado.
Porque trata-se mesmo é de captar um universo “aparte”, um microcosmos outro com os seus gestos e meios, independente e libertário. E o que fascina é que a missão de Frank, como a de Pennebaker, é agarrar justamente isso, fazer disso o centro e razão de ser do filme, nada mais. Por aqui parece haver pelo menos sombra de dispositivo ou de "conceito", ou seja, é o operador de câmara que aparece, é o homem do som, são elas e eles que se dirigem à câmara e ao microfone, filmagens dentro da filmagem, enfim, uma maior consciência. Mas a coisa vacila e a certa altura não sabemos é quem são os mais malucos, se os Stones, se o cineasta e a sua equipa. Frank parece um desprendido demiurgo, também ele sobre o efeito voraz e alucinante da coca, tudo o que está lá, que rodeia os Stones e o resto, cada pessoa, cada objecto e cada ambiente parece interessar-lhe por inteiro, espécie de Cecil B. de Mille do rock com a atitude, o comportamento e a responsabilidade de um outlaw romântico e delicado.

Temos uma experiência, sentimo-nos testemunhas e dentro de alguma coisa, é por isso que a pele arrepia e os olhos estão constantemente abertos numa curiosidade vertiginosa. Porque assim e com este fogo alastrador só existiu desta vez.


Televisão impossível, ausência de uniformidade e puritanismo. Anti making-of. “Cocksucker Blues”, objecto de cinema.

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