sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011


Um dos últimos momentos do "Get Out of the Car", quando já nos chamados créditos – que nos grandes filmes nunca costumam ser da maneira habitual – Thom Andersen agradece aos artistas. De Dylan a Zappa passando com certeza pelos iguais artistas de rua que durante a metragem e a sua vivência espalham fúria e ternura nas paredes ou em portas ou em qualquer coisa que sirva. "Get Out of the Car" é um filme de artistas. Do rock''n''roll que explodia em "--- ------- / SHORT LINE – LONG LINE" para o fora de campo em que descarnadamente aqui a escutamos, do anonimato artístico dos painéis supostamente publicitários até a um sem fim de graffitis ou de pintura inclassificável que ostenta qualquer superfície votada ao esquecimento, "Get Out of the Car" é, como "Los Angeles Plays Itself "uma carta a uma cidade conhecida, misteriosa e amada, de relação complexa, mas também um resgate de fantasmagoria, de margens, de tradição, culturas próprias e primitivas, originais, do que de mais belo há num tempo e espaço e que arrisca a passar sem rasto. Dos lugares de ninguém que são captados com a mesma paciência, trabalho e saber que a máxima dignidade requer. Do solo aos céus tudo o que se esbate nos fundos, nas profundidades, nesses lindos azuis e nas nuvens são como que um agarrar de memória face ao esquecimento e à ignorância. Dádiva e reconhecimento, obviamente


E agora começando pelo início mesmo, a obra logo se expõe como 16 mm. O que é fundamental e se faz centro dos sons e das imagens, implacavelmente. Uma matéria fortíssima num filme onde praticamente não se encontram pessoas mas que só por elas poderia existir e onde se sentem a cada frame. Filmado como se filmaria carne. Os artistas e o artista do lado dos pobres que trabalham e suam e tornam isto mais habitável – Thom Anderson. Porque compreendeu a história ou o legado ou o maravilhoso desse tipo de película e porque investiu nesse lado precioso das granulações, dos contrastes, dos escuros, essa espécie de alma e cheiro que os heróis – os heróis como Garrel ou Pennebaker, por exemplo – utilizaram de maneira única. Também isto, esta arte, em vias de extinção. E volta-se ao "fazer" e ao "como fazer" e ao embate com o meio, ao "como se trabalha" e ao "não querer enganar" por nada deste mundo, coisas assim. Os planos fortes, com peso, estrutura, lógica, concisão, bruteza, parecem e são com certeza fruto de uma imensidão de pensamento e intuição e reflexão – ou seja, cravados sobre imenso tempo – mas não paradoxalmente e em lógica e conformidade, todo o filme está nu e deixa ver o modo como foi feito, técnica, forças, fraquezas, dificuldades – e não só por umas certas vozes em of o literalizarem. É um manual de pura prática cinematográfica clássica e artesanal e por aí um deleite como o delicioso som final. Belo filme materialista, belo filme humanista.

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